quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

FILME: RELATOS SELVAGENS - 2014


Direção: Damián Szifron - 2014
Duração: 122 min
Título Original: Relatos Salvajes
Produzido por Pedro Almodóvar
País: Argentina - Espanha

Indicado para o Festival de Cannes 2014 como longa-metragem 

Impactante! São seis pequenas histórias curtas sobre um momento que devido a alguma ocorrência seja cotidiana ou de surpresa acaba em descontrole das pessoas. É apenas o momento que o filme retrata, diferente do filme Um dia de fúria. 
O que vem a tona é o que muitas vezes desejamos fazer, é o desejo de vingança, a pulsão agressiva que sai do controle e atua ao invés de falar ou se voltar contra nós mesmos em muitos casos, ou se transformar em algo mais criativo. 

A primeira história se passa num avião onde de repente todos descobrem que conhecem Pasternak, que sem eles saberem reuniu naquele avião todos seus desafetos, todos aqueles que um dia o traíram, não lhe atenderam ao desejo e pior, o disseram e ainda zombaram dele como sua ex-namorada que o traiu com seu amigo e Salgado (Dario Grandinetti), um crítico musical, que lhe disse o que pensava de sua música. É o dia da vingança. 

A segunda - Las Ratas, se passa num restaurante a beira da estrada num dia chuvoso. Um homem entra no local, Moza (Julieta Zylberberg) o reconhece de imediato, é um agiota que emprestou dinheiro a seu pai que não conseguiu pagar e que por isto se suicidou, em seguida o agiota flerta com sua mãe e agora para o cúmulo ele é candidato a um cargo no governo. A cozinheira Cocinera (Rita Cortese) sugere colocar veneno de ratos em sua comida. 

A terceira tem inicio numa estrada vazia com um belo carro, Diego (Leonardo Sbaraglia) o dirige, ouve música. Em seu caminho surge um carro velho, o motorista parece bêbado ou está provocando, pois dança na pista de um lado para outro impedindo a ultrapassagem. Quando Diego consegue ele abre o vidro e o xinga. Mais adiante o pneu do carro de Diego fura e ele será alcançado pelo outro. 

A quarta - La Bombita - traz Simon (Ricardo Darín), um engenheiro especialista em explosivos, que tem seu carro guinchado por supostamente ter estacionado em local errado. Ele está atrasado para o aniversário de sua filha, mas vai retirar o carro, tenta alegar que não havia nenhuma faixa pintada no local, mas é ignorado. Sua esposa se cansa do que ela diz ser seu pouco interesse pela família e se separa dele, no tribunal ele está perdendo a possibilidade de ver a filha, perde o emprego. O dia de um azarão. Mas vemos que ele tem razão, e percebemos a corrupção do sistema de trânsito, o pouco caso. No dia em que ele vai se candidatar a um novo emprego é tratado como se fosse um idiota, e quanto retorna seu carro foi novamente guinchado. Esta armado o cenário para sua total perda de controle, mas ele o fará com calma e estratégia. 

A quinta história - La propuesta nos mostra uma família rica tentando proteger um filho de responder pelo seu crime, seu pai Mauricio (Oscar Martinez) irá tentar comprar a liberdade do filho, e com isto irá despertar a ganância em seu jardineiro, seu advogado e o inspetor da polícia. 

E por fim a sexta história - Hasta que la muerte nos separe - é sobre uma festa de casamento onde a noiva   Romina (Erica Rivas) descobre que seu noivo convidou uma amante que está ali. É o estopim para uma crise onde ela não sabe o que fazer, o desejo de se vingar que a leva a assumir sua raiva e loucura do momento. 

Muito bom! Um humor negro que nos mostra a faceta das pulsões agressivas e vingativas, mas também deixa claro que em duas histórias temos realmente um bom motivo para estar com raiva e desejar fazer algo, e nas outras quatro há um lado infantil que atua. Seja a moça que culpa o agiota pela morte de seu pai e por terem que se mudar, mas se esquece que foi seu pai quem procurou um agiota e não conseguiu pagar. O belo homem rico que debocha do pobre e o xinga o que não justifica a ação do ofendido que também o havia provocado antes. Pasternak que não aceita que lhe digam Não e um pai e mãe que retiram do filho a responsabilidade por seus atos o protegendo, mesmo que ele queira assumir o que fez, e com sua proposta despertando a ganância de todos o que não terá um bom final. 
No caso de Simon é revoltante ver a corrupção e o roubo, e fica visível que não há o que fazer, uma vez que ele tenta, procura os responsáveis, quer fazer uma queixa, quer provar que está certo. Lembrou muito o Brasil também. E a noiva, bom, qualquer um que descubra que foi traído está sujeito a ter reações inesperadas. 

Estamos diante do Humano, demasiadamente humano, como diria Nietzsche. Aqui não há redenção, provações, aprendizado interior. Aqui temos o dia a dia onde algo vem a ocorrer e eis que de dentro de nós mesmos surge este personagem que muitas vezes nem conhecíamos, o vingador! o que deseja descontar no outro o que sofreu, muitas vezes devido suas próprias fraquezas e erros. 

Damián Szifron nasceu em 1975 em Ramos Mejía, Argentina 

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

FILME: CAKE uma razão para viver - 2014


Direção: Daniel Barnz - 2014
Duração: 102 min
Título original: Cake

Claire (Jennifer Aniston) frequenta um grupo de terapia, percebe-se logo que ela sofre, está traumatizada, a sua dor é grande e também percebe-se que sofreu um acidente devido sua situação física. Mas será somente ao longo do filme que iremos descobrir o que aconteceu com ela. 

O grupo de terapia está reunido, uma das integrantes se suicidou e a terapeuta se coloca no papel da morta para que todas possam lhe dizer o que sentem e ela tenta responder. Claire não foi gentil, o que na minha opinião é bem mais real do que tentar ser solidária com uma suicida, pois ninguém consegue compreender este ato que nos coloca numa posição de culpa, de impotência, e sem poder explicar, não há o que dizer, nem mesmo "Deus quis assim" não cabe neste caso. Claire é convidada a deixar o grupo, ela se tornou inconveniente ali. 

Claire faz uso de muitos remédios, ela não consegue enfrentar sua dor e ninguém consegue ajudá-la, ela expulsou o marido de casa, se desentende com sua fisioterapeuta, mente para sua médica. Somente Silvana (Adriana Barraza), sua empregada, permanece ao seu lado e a ajuda. Ela não consegue se desligar do ocorrido e fica obcecada pelo o que poderia ter levado Nina (Anna Kendrick) a se suicidar. Se aproxima de seu marido Roy (Sam Worthington) e filho e se tornam amigos, ambos com sua dor. 

Há algo mais difícil do que enfrentar uma dor muito forte? Sim, talvez o suicídio tenha sido uma saída mais fácil para Nina, apesar de que no filme não se revela o motivo dela, mas Claire começa a ter alucinações e vê Nina que conversa com ela, é uma tentativa de compreender. Ela vai ao local onde Nina se matou, tenta se imaginar fazendo a mesma coisa, mas ela não consegue, o que Claire busca é uma razão para viver. 

Um belo filme sobre a dor de uma tragédia e de como reagimos a isto e lidamos com a situação. Claire consegue, ela vai se levantar e olhar a vida de frente novamente ao perceber que é incapaz do suicídio. 

Daniel Barnz nasceu em 1970 em Gladwyne, EUA.

FILME: CINQUENTA TONS DE CINZA - 2015


Direção: Sam Taylor-Johnson - 2015 
Duração: 107 min
Título Original: Fifty shades of grey

Adaptação literária do livro homônimo de E L James. 

Não era minha intenção assistir a este filme, mas instigada por pessoas que o assistiram acabei me rendendo. Diziam haver uma charada e isto me atrai. Assisti e fiquei me perguntando qual era a charada, seria o óbvio? que Christian Grey (Jamie Dornan) tinha problemas e traumas de infância? que havia se transformado em um agressor? Sim, porque uma relação sadomasoquista só pode ser patológica. Mas e ela? a paixão seria suficiente para levar uma jovem a se submeter inclusive a dores físicas? 

E foi então que me retirei do filme em si e pensei na autora do livro e do por que de sua escrita. Deixo claro aqui que não li a trilogia, mas que o que me veio é uma opinião pessoal que eu pensei assistindo ao filme. Trata-se da fantasia erótica, até mesmo pornográfica de uma mulher e não de um homem sádico. Estaria diante de uma versão feminina de Sade moderna? 

O filme é leve nas cenas de sexo e de sadomasoquismo, muito diferente do que escreveu Sade. Mas não pude deixar de ver uma mulher fantasiando tudo isto o que me foi ficando mais claro em certas cenas, como a que ela discute com ele os parágrafos do contrato onde retira o que a incomoda e ele aceita numa boa, quando ele leva gelo para a cama, e todo o contexto do filme de Cinderela, um príncipe encantado que é rico, poderoso, e que lhe dá presentes, a apresenta à família, mas esconde dela o trágico de sua vida. Ora, isto existe na vida real? tudo de acordo com um sonho que de repente vai além e passa ao erótico e pornográfico, mas com o homem que ela ama e que aceita suas restrições? 

Quando chegamos ao final do filme, deste primeiro da trilogia, Anastacia (Dakota Johnson) percebe o que vai ter que passar, e pergunta por que ele é assim, o que o levou a ser assim e lhe diz que está apaixonada. Ela era virgem, sem nenhuma experiência em sexo, e entra nesta relação doentia por paixão, onde podemos perceber que a paixão também é algo doentio, que retira da pessoa seu ego e o transfere para outro, é estar a-mando! de alguém . Todos nos apaixonamos e passamos por um momento assim, mas daí a se envolver numa relação que cause abusos e submissão física e psíquica é outra coisa. Normalmente a paixão ou se transforma em amor ou acaba, e todos nós desejamos uma relação saudável, companheira, de amor. 

Não há relação sadomasoquista que seja saudável, ela sempre termina mal, e os envolvidos tem questões a serem resolvidas e curadas, e não é numa relação assim que isto acontece, e principalmente, amor não cura isto. Se Grey sofreu abusos na infância ele precisa se tratar para poder amar uma mulher  e quanto à Anastácia há também questões inconscientes nela, a começar por uma mãe que não comparece em sua formatura, que foi a única deixa do filme sobre ela. Mesmo que se trate de fantasias eróticas estamos diante de alguém que quer se autorizar a ser um objeto de outro. 

O que me preocupa é a reação das meninas e mulheres à este filme que ao invés de saírem indignadas ficam extasiadas com este homem doente, o que me leva a pensar no que é que este filme mexe inconscientemente? O que ele ativa? em qual desejo ele está tocando? o que está recalcado que é tocado? 

Ouvi de mulheres que ficaram com raiva dele quando ele bate nela, eu neste momento fiquei indignada com ela, por se submeter à isto. Sim, ela estava ali porque quis, e foi uma péssima escolha e não há carro, helicóptero ou beleza de um homem que justifique isto, não há paixão que justifique e aqui neste não existe amor, seria uma triste ilusão pensar isto. Para todo sádico há um masoquista, e ambos tem problemas, isto é importante frisar, não é apenas ele o que tem problemas neste filme e que precisa ser curado, ela também. 

Sam Taylor-Johnson nasceu em 1967 em Craydon, Reino Unido. 

FILME: INVENCÍVEL - 2014




Direção: Angelina Jolie - 2014
Duração: 137 min
Título original: Unbroken

Cinebiografia de Louis Zamperini - herói de guerra

Baseado no livro de Laura Hillenbrand - Invencível - Uma história de coragem.


O filme é sobre a história de Louis Zamperini que sobreviveu a Segunda Guerra Mundial após passar por provações extremamente difíceis. 

Zamperini (Jack O'Connell) quando jovem tendia a uma delinquência por ser excluído pelos outros meninos provavelmente pelo preconceito, ele vivia nos Estados Unidos, mas era filho de italianos. Como sempre o diferente assusta. Foi graças a seu irmão mais velho que ao notar que ele era muito bom em correr dos outros que ele se tornou um atleta olímpico em corridas. Isto lhe deu um lugar e um sentido em sua vida. Ele devia correr em Tóquio nas Olimpíadas mas a Segunda Guerra se iniciou. 

Em uma missão de busca de companheiros desaparecidos no Havaí, o avião onde ele estava cai no mar, e é o início de sua odisséia. Foram 47 dias no mar, dos três que se salvaram no acidente, sobreviveram dois. Mas as suas dificuldades estavam apenas começando, eles foram resgatados pela marinha japonesa e eram inimigos.

Zamperini ficou nas mãos dos japoneses durante dois anos e teve um carrasco em especial, Mutsuhiro Watanabe (Miyavi), que fez de tudo para derrotá-lo ao perceber seu grau de determinação. 

Todos os prisioneiros passaram por momentos difíceis e de extrema provação. Alguns não resistiram, outros desistiram e acabaram colaborando para ter uma situação melhor e outros conseguiram. Zamperini é um deles, com uma coragem imensa, um desejo de viver fortíssimo, e muita determinação ele supera todas as provas e situações inimagináveis para nós que não passamos por uma guerra.

A guerra é algo difícil de emitir qualquer julgamento. Os americanos sofreram muito nas mãos dos japoneses, por outro lado também se conscientizaram da destruição que seu país provocou entre os civis no Japão, e isto antes das bombas atômicas serem lançadas sobre Hiroshima e Nagazaki. Há um outro filme que fala do mesmo assunto que já postei aqui no Blog - Uma longa viagem.

Após a guerra Zamperini sofreu de stress pós-traumático, mas se recuperou. Ele morreu aos 97 anos. Watanabe foi julgado e condenado como criminoso de guerra pelos maus tratos que infligiu aos prisioneiros, porém ele fugiu. Ele era de uma família rica proprietária de hotéis e minas, estudou literatura francesa. Depois ele retornou a uma vida normal e quando Zamperini foi a Tóquio em 1998 ele declarou em uma entrevista que nunca se arrependeu e que tratou os americanos estritamente como inimigos do Japão e se recusou a receber Zamperini.

Esta é a grande diferença do que ocorreu com Lomax do filme Uma longa viagem que reencontrou seu torturador - Nagase Takashi e que após os dois falarem tudo que sentiam acabaram se tornando grandes amigos.

Louis Zamperini

Louis Zamperini

Mutsuhiro Watanabe

Mutsuhiro Watanabe

Angelina Jolie nasceu em 1975 em Los Angeles, Califórnia, EUA

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

LIVRO: LIVRE - A jornada de uma mulher em busca do recomeço - CHERYL STRAYED



Strayed, Cheryl. Objetiva, 2013
375 páginas
Tradução: Débora Chaves
Título Original: Wild 

Assisti ao filme recentemente e já postei no Blog. Ontem terminei a leitura do livro. 

O filme condensa todo o percurso de Cheryl pela PCT - Pacific Crest Trail, por 1770 quilômetros partindo do deserto de Mojave no sul da Califórnia até a Ponte dos Deuses no Estado de Washington, mas no livro podemos acompanhá-la mais vagarosamente em suas dificuldades, obstáculos, momentos especiais, alegrias, conquistas, e toda a transformação que se processa nela mesma. 

Após a morte de sua mãe aos 45 anos de idade de um câncer Cheryl não se recupera e cada vez se perde mais de si mesma até o dia que ao descobrir que está grávida, sem ao menos saber quem seria o pai, ela faz um aborto e reconhece que virou algo horrível, que não é mais possível continuar assim. Ela se divorcia do marido, e começa os preparativos para sua caminhada sozinha pela PCT.

O livro relata esta jornada, e apesar de termos a impressão de que nada ocorre internamente, uma vez que ela está focada no externo, na atenção que tem que ter na trilha devido cascavéis, animais, buracos, obstáculos, o cansaço físico, a constatação de seu despreparo para fazer isto, o tamanho de sua mochila que ela apelida de "a monstra", o descuido de que poderia haver vários imprevistos o que a coloca em situações difíceis como a falta de água, ter que fazer um desvio devido a neve excepcional naquele ano que a tira de sua rota e acaba deixando-a sem dinheiro em alguns momentos, aos poucos algo dentro dela vai se transformando, como se tudo o que ocorre no externo seja apenas uma metáfora de sua transformação interna, até o momento em que ela dá o salto psíquico.

Era o dia que sua mãe deveria completar 50 anos, e neste dia Cheryl consegue gritar e colocar em palavras tudo que sente, é o momento de sua libertação interna que irá possibilitar um renascimento. Lamento que o filme não tenha colocado este momento por completo como está no livro. Ao assistir senti falta deste momento, onde ocorreu a cura? a ultrapassagem? o momento decisivo para toda sua mudança? e o encontrei no livro.

Confesso que adoraria ter a coragem dela, é uma caminhada de crescimento, de percepção de si mesma, de enfrentamento, de superação. Eu prefiro fazer isto no divã de um analista. O processo interno ocorre da mesma forma, mas leva mais tempo. Eu não superaria o medo da noite, o medo do outro, de sofrer algum tipo de agressão, nunca faria isto sozinha como ela fez, mas adoraria fazê-lo.

Cheryl Strayed 

Com sua família que constituiu após a trilha

Cheryl na trilha 

Mapa da PCT

PCT
PCT
PCT

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

FILME: O DESTINO DE JÚPITER - 2015



Direção: Andy Wachowski e Lana Wachowski - 2015
Duração: 120min 
Título Original: Jupiter Ascending 

Dos mesmos criadores de Matrix, novamente estamos diante da Terra como um local onde se criam seres humanos para alimentar energeticamente outros seres da galáxia. No primeiro estavam presos em incubadoras, neste são semeados na terra para serem colhidos, como uma colheita. A diferença é que aqui ninguém acorda para a verdade, não há pílula a ser tomada, os terráqueos ficarão na ignorância. 

Júpiter (Mila Kunis)  sonha com um grande destino enquanto se sustenta fazendo faxinas e limpando banheiros. O que ela não sabe é que seu mapa genético é idêntico a rainha mãe morta em outro planeta, justamente aquele que usam os humanos para produzir um soro da juventude. Seus três filhos brigam entre si pela primazia da "plantação" e a presença da mãe que poderia reivindicar todas as plantações coloca em risco seus planos. 

Júpiter será protegida por Caine (Channing Tatum), um guerreiro interplanetário geneticamente modificado que foi enviado por um dos filhos para protegê-la, porém ele também tem outros planos, o de se livrar de ambos. 

Após muitas reviravoltas, perseguições, lutas, com muitos efeitos especiais, tudo termina com a volta da família de Júpiter para a terra e o completo esquecimento do que ocorreu. Aqui não há um despertar como em Matrix. 

Andy e Lana Wachowski . Andy nasceu em 1967 em Chicago, Illinois, EUA e Lana em 1965 na mesma cidade. 

domingo, 8 de fevereiro de 2015

FILME: JIMMY'S HALL - 2014





Direção: Ken Loach - 2014
Duração: 109 min
País: Irlanda - Reino Unido - França 

Indicado para Festival de Cannes 2014 para longa-metragem 

Uma cinebiografia de Jimmy Gralton (Barry Ward), um irlandês que desafiou a igreja católica e os latifundiários desafiando a censura e liberdade de expressão. 

Jimmy retorna à Irlanda após ter passado 10 anos nos Estados Unidos. De 1919 a 1921 a Irlanda lutou pela sua independência do Império Britânico. Em 1922 houve uma guerra civil entre os que aceitaram o tratado com os ingleses e os que não aceitaram. Os britânicos apoiaram os primeiros que venceram provocando uma grande amargura em todo país. Jimmy foi embora nesta época e agora retorna em 1932. Sua mãe está sozinha, seu irmão faleceu e seu grande amor Oonagh (Simone Kirby) está casada com outro e tem filhos. 


Os jovens da cidade o procuram e lhe pedem para reabrir seu salão. Jimmy e seus amigos acabam concordando e reabrem o salão que é um local onde se pode falar, trocar idéias, aprender com as aulas ofertadas e principalmente dançar. Jimmy irá ensinar a dançar o jazz, ele trouxe um gramofone e discos dos Estados Unidos. Nada de mais aparentemente, mas o padre católico não gosta nada disto e diz que somente a Igreja tem permissão para o ensino, e que o salão paroquial é suficiente para o entretenimento e para dançar.






A situação na Irlanda não está boa, os latifundiários dominam e expulsam os pobres de suas casas por não conseguirem pagar o aluguel. É o começo do IRA e eles procuram a ajuda do grupo de Jimmy pedindo a ele que discurse para o povo, que somente à ele irão ouvir e confiar. Os sacerdotes se colocam contra Jimmy e pregam contra ele na igreja além de ameaçar e subornar os fiéis para que se afastem dele. Oonagh sugere que ele tente trazer o padre para o salão o que ele tenta fazer, mas a condição do padre é a escritura do terreno e do salão em nome da igreja. Jimmy se retira dizendo que ele só escuta aos que estão de joelhos.



Após a retomada de posse de uma casa da qual um latifundiário havia expulsado uma mulher com seus filhos, haverá tiros contra o salão e na sequência o mesmo será queimado. A polícia prende Jimmy e ele é deportado, nunca mais podendo retornar à sua terra natal, morreu em Nova York em 1945. 

A intolerância, a ganância, o poder, o velho refrão que se repete sempre. Jimmy era considerado comunista porque lutava pelos pobres e pela liberdade, para que todos pudessem ter uma vida digna, alimentos e moradia, enquanto os latifundiários viviam na opulência e massacravam os trabalhadores. A igreja intolerante, querendo deter também o poder se coloca ao lado destes latifundiários e oprime qualquer tentativa do povo de se emancipar, estudar ou até mesmo de ter um simples prazer como dançar. 

Jimmy Gralton 

Ken Loach nasceu em 1936 em Nuneaton, Reino Unido 

DOCUMENTÁRIO - ESTAMIRA - 2004



Direção: Marcos Prado - 2004
Duração: 116 min

A primeira coisa que me chamou a atenção foi a inteligência e o vocabulário de Estamira. Não conhecia sua história, aos poucos fico sabendo que antes ela tinha outra vida, foi casada com um italiano, teve filhos, mas devido a traição do marido que sempre tinha outras mulheres ela o deixou. Após isto foi estuprada duas vezes, e foi após o segundo estupro que se deflagrou o quadro de esquizofrenia, quando ela passa a desacreditar em sua vida de antes e em Deus.

Mas suas frases e apontamentos são extremamente lúcidos desde que se tenha escuta para eles. O trocadilho, uma inversão, é lógico. Sua consciência ambiental supera em muito as pessoas ditas normais. Que ela tenha raiva de Deus, diante de sua realidade e também do real que se apresenta, principalmente num estupro, e não foi só isto, ela foi abusada pelo avô, e sua mãe também sofreu incesto e depois deixada num prostíbulo com 12 anos por este avô.  Ela não era perturbada, era muito religiosa, achava que as dificuldades eram uma provação, até o momento que não deu mais conta do real e ao olhar um coqueiro disse que isto era o real e o poder. Começa o processo se sentindo perseguida pelo FBI.

Seus delírios, visões, o que ela ouve é a maneira que seu psiquismo encontrou para lidar com o real. O estupro é o real, não há palavras para o dizer. Ela não teve ajuda neste momento, não pode usar de uma forma alternativa se apegando a um Deus, por exemplo. Mas Estamira se relaciona com os outros, é falante, ela chora, ama seus filhos, sofre pelas traições que sofreu e principalmente chora porque colocou sua mãe no hospício Engenho de Dentro, não se perdoa por isto. Tem saudades de seu pai e fala dele com carinho.  Ela diz que é má, ruim, mas não é perversa.

Suas frases me tocam: " isto aqui é um depósito de restos. Às vezes é só restos e vem também descuido. " se referindo ao lixo. Ela diz que tem que conservar, proteger, lavar, limpar e usar mais, o quanto pode. Economizar é maravilhoso, quem economiza tem.
Diz- miséria não, regras sim. Ela aceita a Lei, a regra. Fala que quanto menos se tem mais menosprezam e jogam fora. Que os laços negativos sujam tudo. Que sacrifício é diferente de trabalho, ela defende o trabalho. E a frase que mais me tocou: " tudo que é imaginário existe".

Seu  discurso é místico,  ela tem revelações que avisa aos inocentes, ela já sabia de tudo antes de nascer. Faz uso de uma linguagem não compreensível aos outros para se comunicar com este outro mundo, mas que para ela faz sentido. É uma mística não religiosa, mas do mundo, do real. Ela mata Deus, assim como Nietzsche o fez.

Seu discurso busca colocar ordem no caos. Ela diz que as vezes sua mente é como água com gás, borbulha. Ela está gritando algo que ninguém consegue ouvir, precisa de alguém que o consiga.

Quando algo do real não é possível e falar ele atua de alguma forma, vai gritar, o corpo vai gritar, os atos vão gritar, é necessário o que a psicanalista Radmila Zygouris chama de transferência cruzada numa análise, quando é o analista que passa a falar, colocar ordem, dar palavras ao que não é possível dizer. Processo lento e doloroso. O analista repete o crime e o nomeia.

Tudo que é diferente e estranho nos assusta e logo é rotulado, é uma louca. Não, Estamira não é louca, ela tem coerência em sua fala, ela é humana, mas tem uma ruptura que precisa ser nomeada. Ela tem noção de quando fala através de suas visões e quando não, o percebe. Isto também lembra as místicas que relatam ou tentam relatar através de metáforas o que vêem ou sentem durante seus êxtases. O doente mental não separa o delírio da realidade. Ela sabe cuidar de si mesma, não depende de ninguém, tem amigos no aterro, construiu um barraco para si, vai sozinha às consultas médicas.

Sua ida para o aterro sanitário de Gramacho localizado em Duque de Caxias na Baixada Fluminense foi uma tentativa talvez de esquecer, ou de poder ser onde não a internariam. Ela ficou lá por mais de 20 anos. O fato de não cuidar muito de si mesma, de pegar conservas no lixo para fazer comida, isto não pode ser considerado loucura, é a vida dos catadores que ali vivem, é a realidade social deles.

Estamira faleceu no dia 28 de Julho de 2011 no Hospital Miguel Couto em consequência de uma septicemia.


Marcos Prado nasceu em 1961 no Rio de Janeiro. 

FILME: COISAS INSIGNIFICANTES - 2008


Direção: Andrea Martínez - 2008
Duração: 98 min
Título Original: Cosas insignificantes

País de Origem: México

Esmeralda (Paulina Gaitan) é uma adolescente que coleciona objetos que encontra em seu dia a dia e os guarda em uma caixa. São objetos esquecidos, perdidos ou descartados, insignificantes para ela, mas que possuem um significante em cada um para aqueles que os deixaram para trás. 

O filme nos mostra as histórias de cada uma dessas pessoas que tem em comum o fato de não conseguirem demonstrar e expressar o amor. Cada um destes objetos foram esquecidos, feitos ou descartados em momentos onde faltou a palavra, onde algo não pode ser dito. Um pai que passou 20 anos sem ver a filha, uma mãe que não consegue expressar seu amor pelo filho, um casal que tem problemas e a própria Esmeralda que não consegue expressar seu amor pela irmã e pela avó. 

Os pequenos objetos da caixa representam esta falta, ausência de comunicação, mas também a sua possibilidade. 

Quantas vezes não falamos através de algo? Quando guardamos uma flor que ganhamos de alguém que amamos, este gesto é um significante, fala de amor, que muitas vezes não foi dito, falado. Objetos que representam algo que nunca foi dito, que não chegou ao outro. 

No momento que Esmeralda consegue ultrapassar esta barreira e expressar seu amor pela irmã e pela avó, participando inclusive das alucinações desta, ela não precisa mais da caixa e a repassa ao médico que não consegue falar com sua filha. 

Ao assistir o filme me lembrei que também tenho uma caixa assim, com flores secas, um guardanapo de uma lanchonete, um maço de cigarros, uma bonequinha, um papel de bala, e que todos representam amores que tive em minha vida. Será que consegui expressar os significantes que estão ali? 


Andrea Martínez 

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

LIVRO: O FEMININO E O SAGRADO - CATHERINE CLÉMENT e JULIA KRISTEVA



Clément, Catherine; Kristeva, Julia. Rocco, 2001
220 páginas
Tradução: Rachel Gutiérrez

Um livro escrito a duas mãos, duas vozes. Catherine Clément e Julia Kristeva através de cartas falam sobre o feminino e o sagrado.

O que é o sagrado para o feminino?

Não é fácil escrever sobre este livro que acabo de reler. Os temas são variados dentro do que ambas consideram como sagrado e nem sempre vai de encontro ao que eu mesma penso sobre isto, mas é muito interessante e enriquecedor. 

Kristeva fala do lado Ocidental, com sua formação psicanalítica e linguística, nasceu na Bulgária e vive na França, já Clément é  francesa, judia e viveu por muitos anos na Índia e África, romancista, estudou filosofia, professora e jornalista, tem uma visão mais antropológica. Elas concordam e discordam, há um momento no livro que se sente um pouco a tensão entre as duas que defendem seus pontos de vista, uma certa agressividade até, para depois se recomporem e continuar. Não há nada de conclusivo e nem era esta a intenção, o que elas fazem é levantar questões e falar sobre elas cada uma de seu ponto de vista e compreensão. 

Kristeva fala da Virgem Maria, das místicas ocidentais, de suas analisandas, da anorexia; Clément das africanas e do transe, sobre as tradições Indus, sobre o pudor e a sujeira. Pessoalmente me sinto mais atraída pela visão de Clément que está falando do que viu, viveu, do que acontece de fato na realidade que ela vive. Kristeva em um dado momento chama de sedução de terceiro mundismo, não gostei desta posição dela. Penso que para falar do sagrado a antropologia está mais habilitada do que a filosofia ou a psicanálise. Mas isto é uma opinião pessoal que não significa que Kristeva também não agrega pontos muito interessantes, principalmente sobre as místicas, as santas, sobre Catarina de Siena. Será ela que depois vai escrever um belíssimo livro sobre Teresa D'Ávila. Mas Clément escreveu a Louca e o Santo junto com um psicanalista hindu. 

Num ponto elas concordam, o sagrado é uma separação, ele separa, classifica, é uma maneira de se sair do profano, do mundano, do cotidiano, e viver algo diferente, recuperar-se, e voltar. O sagrado não é divino, há uma diferença, e por isto mesmo nem sempre está ligado à religião. É uma experiência privada, e o risco de se tornar coletiva é o fundamentalismo, a violência, pelo menos no mundo atual, uma vez que entre os povos ditos "primitivos" os rituais eram coletivos e cumpriam seu papel. As aldeias tinham seu espaço sagrado e era respeitado. No mundo atual para se encontrar um espaço sagrado realmente precisamos da privacidade e penso que se trata de uma experiência pessoal para cada um. O sagrado pode estar numa música, num lugar, na dança. Eu mesma considero minha casa um espaço sagrado e a rua o profano, mas também busco na natureza e na terra esta experiência. 

Catherine Clément 

Julia Kristeva nasceu em 1941 em Sliven, Bulgária