segunda-feira, 30 de junho de 2014

FILME: O PORTEIRO DA NOITE - 1974


Direção: Liliana Cavani - 1974
Duração: 117 min
Título original: Il portieri di notte 

Um filme que pode ser polêmico uma vez que trata de um oficial nazista que se esconde em Viena trabalhando como porteiro de um hotel e uma judia que foi presa no campo de concentração e torturada por ele. Não se trata aqui do bem e do mal, em colocar o nazista como um mostro e que deve pagar pelo o que fez e a judia vítima, mas sim, justamente quando a vítima se identifica ao agressor e o introjeta mantendo com ele uma relação de gozo, mesmo que na dor, e o agressor também participa deste gozo.

Lucia Atherton (Charllote Rampling) é uma sobrevivente de um campo de concentração, casada com um maestro que vai se apresentar em Viena. É o ano de 1957, portanto doze anos após o fim da guerra, e ela o acompanha. Maximilian Theo Aldorfer (Dirk Bogarde)  é o oficial nazista que foi seu torturador e se esconde como porteiro de hotel. Os olhares se cruzam no instante em que ela o vê. Um olhar que diz muito, que marca, que revive, um traço. Aquele olhar que a viu, bem mais jovem, uma garota, nua.

Ela vai se recordando de cenas do que ocorreu no campo. Como ela poderia se negar a fazer o que ele queria? para sobreviver ela tinha que lhe obedecer, mas se a um tempo ele a torturava, a outro ele era gentil, gerando uma relação de amor-ódio. Ele um oficial, mais velho do que ela, com poder de vida e morte sobre ela.

Max também se envolveu nesta relação, ela a chama de "minha garotinha", e saiu de seu lugar de SS onde deveria torturar e matar para gozar esta relação sadomasoquista e "proteger" esta garotinha.

Além do olhar de Max ,ela está nua no campo, seu olhar a desvela, mas ele também a veste, como a uma criança, há os toques, o beijo em seu ferimento, o ato de lhe dar de comer na boca como se fosse uma criança. A vítima do abuso, do agressor sente o prazer que lhe vem dos toques originários, do olhar da mãe, e os confunde com o prazer que poderia ter numa relação normal com outro homem. Ela passa a precisar deste prazer, não de uma forma saudável, não é o desejo, é o gozo. Não se trata aqui de um prazer consentido, é algo que se rememora no corpo.

Ao se reencontrarem passam a reviver tudo isto de uma forma doentia e Lucia deixa o marido para gozar nesta dor que lhe dá prazer. Não poderia terminar bem isto. Na relação atual chega-se ao ponto de ambos serem vítimas, eles se trancam no apartamento de Max para se protegerem do grupo de nazistas que os persegue, acabam como no campo, com fome e sede. Só que bastaria ligar para a polícia, mas ninguém faz isto. Nem ele para salvá-la, nem ela para se salvar. Acabam não aguentando mais, se vestem como antes, ele com seu uniforme da SS e ela com um vestido de garota, como o que ele usou para cobri-la no campo e saem, são seguidos e mortos.

Ao olharmos o filme nos inquietamos, nos questionamos o que leva à isto? por que ela não o entrega? não o acusa? de onde esta impossibilidade? E ele? por que não faz o que o grupo ao qual pertence que elimina as testemunhas vivas costuma fazer: arquivar as testemunhas? ou seja, matá-las?

Liliana Cavani nasceu em 1993 em Carpi, Itália. Cavani realizou este filme para tentar compreender, reprojetar a relação de seus pais, sendo que o pai era facista e a mãe judia. 

LIVRO: PALAVRAS CRUZADAS Da dor à verdade - GABRIEL ROLÓN



Rolón, Gabriel. Editora Planeta, 2010
238 páginas
Tradução: Sandra Martha Dolinsky
Título Original: Palabras Cruzadas

Em minha recente viagem à Buenos Aires entrei na El Atheneu, uma mega livraria que fica numa ópera e nas minhas andanças por ela vi o livro de Rolón. Optei por comprá-lo no Brasil em português o que facilitaria minha leitura.

Rolón é um psicanalista argentino, e neste livro ele nos relata 05 histórias de pacientes que passaram por uma análise dolorida, mas que ao final encontraram uma verdade que era a sua e puderam finalmente tentar construir uma vida mais prazerosa e de acordo com seus desejos.

Conforme acompanhamos e também ouvimos o paciente é possível ao mesmo tempo pensar em si mesmo, pois são tantas as possibilidades e muitas vezes também estamos passando por coisas parecidas, próximas, e que não sabemos nem que está ocorrendo ou o porque de estar acontecendo. A culpa, o medo, a dor, a sexualidade, o amor, a violência, o luto. E tudo isto faz parte da vida.

Gabriel Rolón nasceu em 1961 em Buenos Aires, Argentina, é um psicanalista.

sábado, 28 de junho de 2014

FILME: CLÉO DAS 5 ÀS 7 - 1962


Direção: Agnès Varda - 1962
Duração: 90 min
Preto e Branco

Cleo (Corinne Marchand) é uma cantora que está aguardando o resultado de um exame médico, e durante este tempo de espera o filme se desenrola mostrando seus pensamentos, medos, angústias enquanto anda por uma Paris dos anos 60.

O filme inicia com uma sessão de tarô em cores e depois passa para o preto e branco, fazendo uma distinção entre o que é real e imaginário, ilusório. Não apenas na consulta ao tarô, mas há outras superstições, como nunca usar nada novo numa terça-feira, um espelho que se quebra e significa morte, o número do táxi, o que aumenta sua angústia e medo dos resultados pois os sinais confirmam que será algo muito ruim e sério e mortal.

Ela anda por Paris, os cafés, cartazes nas paredes anunciam o filme Um cão Andaluz de Buñuel, vai se encontrar com uma amiga que posa para escultores e depois ao estúdio de seu namorado onde roda o curta  "Os noivos da Ponte MacDonald" com Jean-Luc Godard e Anna Karina, até que conhece Antoine (Antoine Bourseiller)  que está partindo para a Argélia como soldado.

Durante estas duas horas que ela perambula pela cidade algo se transforma nela. Cleo vivia uma vida mimada, por sua assistente, seu amante ausente, mas sempre sendo atendida em seus caprichos, mas o que fazer diante do real, da doença, contra a qual ela nada pode nem ninguém pode protegê-la? Eis sua agonia, mas que ao andar por Paris, observar, ouvir, olhar para o outro, esquecer um pouco dos espelhos e de sua imagem criada, aos poucos ela vai se transformando.

Ela inicia o processo quando deixa a casa tirando sua peruca, se vestindo de preto e indo para a rua. Ela vê a cidade como se fosse a primeira vez, as pessoas, e começa a se relacionar com elas ao invés de se manter ao abrigo, protegida. E ao final ela se sente feliz e capaz de enfrentar a doença que se confirma.

Ela se transforma através da cidade e das pessoas, que por seu lado também estão constantemente mudando no filme, são fragmentos de conversas, são vários locais, são pequenos pedaços que formam a cidade, que a constitui, como vai constituindo também Cleo.

Assista a Cleo cantando

Musicas do filme: Michel Legrand que participa do filme 



Agnès Varda nasceu em 1928 em Bruxelas, Bélgica e está radicada na França. 

MICHEL LEGRAND - MÚSICA - nasceu em 1932 em Paris é um pianista, compositor e arranjador. 

segunda-feira, 16 de junho de 2014

LIVRO: HITLER A TIRANIA E A PSICANÁLISE - Ensaio sobre a destruição da civilização - JEAN-GÉRARD BURSZTEIN



Bursztein, Jean-Gérard. Companhia de Freud, 1998
96 páginas
Tradução: Dulce Duque Estrada
Título Original: Hitler, la tyrannie et la psychanalyse - Essai sur la destruction de la civilisation

Um livro muito interessante com a análise sobre o nazismo e Hitler pelo viés da psicanálise nos oferecendo uma resposta ao Por que? por que o povo alemão aderiu à Hitler? por que Hitler conseguiu fazer o que fez?

Bursztein parte do laço social, o que nos une aos outros, agrupando-nos através da cultura numa civilização. Pelo viés da psicanálise somos introduzidos na Lei pelo pai que interfere na relação fusional entre mãe e filho levando-o a se separar e desistir de seu desejo pela mãe voltando-se para o mundo, para outros, e fazendo desta falta seu desejo de se mover. É a aceitação inconsciente da diferença homem e mulher e da interdição do incesto. Recalcamos então o ódio ao pai, este que impõe a lei e o transformamos no pai simbólico, o que nos rege em nossos valores, princípios e moral.

Os judeus são um povo que não se referem à um país ou uma língua, mas sim à lei, a Torá, e por isto mesmo representam este pai. A Alemanha no pós Primeira Guerra estava deprimida, e Hitler encarna o ideal de eu que o povo busca, utiliza-se do mito nacional, do povo ariano, da cultura germânica resolvendo para todos o problema que enfrentavam, nada como um pai que vem socorrer e acaba com os outros que são a ameaça.

Quando se rompe o laço social, ou seja, a lei que une os seres humanos, instala-se o que Bursztein chama de psicose social. As pessoas passam a não se importar mais com o outro, e buscam um bode expiatório para ser o responsável por todos seus problemas.

Por outro lado, Hitler é um psicótico, delira, tem visões, megalomaníaco. Ele hipnotiza o povo, fala e eles aderem, e como a psicose social elimina toda e qualquer moral, não irão contra ele. Hitler está acima da lei, está foracluído, só faz o que quer, e tudo gira em torno dele. Não há mais a lei, a civilização, apenas ele e o povo alemão.

Obviamente não foram todos os alemães que aderiram, mas a grande maioria sim, o que permitiu o que aconteceu, por que Hitler sozinho não teria conseguido fazer o que fez. Só foi possível com o apoio do povo em seu ódio ao judeu.

O racismo é sempre um ódio ao diferente. Porém o judeu é um semelhante, ele é assimilado, integrado, e no caso da Alemanha, se consideravam alemães. O que faz a diferença aqui é o significante judeu, e o que ele diz, transformando então os judeus em diferentes.

O que ocorreu com o nazismo é que temos o mito como referência delirante ( o mito do povo ariano, puro, belo e perfeito), a cultura é reduzida à mitologia e o direito é uma ideologia delirante (Hitler acima da lei, fora da lei), e eis que o laço social se rompe. A civilização se reduz à mestria e emerge um tirano. Não há mais espírito crítico, identificação simbólica.

Ao contrário de uma civilização com laço social, onde o mito é uma referência nacional e possui significantes de referência simbólica, a cultura é um discurso (na realidade vários discursos), o direito é uma autoridade legítima e a civilização anda.

Um livro que vale a pena ser lido para melhor compreensão não só do nazismo, mas de todas as tiranias, e das perversões também.


Jean-Gérard Bursztein é um psicanalista francês e doutor em filosofia. 

domingo, 15 de junho de 2014

DOCUMENTÁRIO: HITLER ET SES DÉMONS - HITLER E SEUS DEMÔNIOS - 2013



Editor: E.P.I. Difusion - 2013 
Duração: 120 min

Este documentário que assisti em francês trata da parte referente ao ocultismo que envolveu o nazismo. Hitler se acredita o escolhido pelos mestres antigos que vivem no interior da terra para desenvolver o novo mundo, muito melhor, belo e forte do que os que haviam.

É um mergulho nos fantasmas, delírios e visões de Hitler, seu lado psicótico, mas também na sua loucura, nos incestos, em todo o pesadelo que foi a mente deste homem que infelizmente alcançou o poder e deixou atrás de si um rastro de morte e destruição. Um trauma que a civilização levará ainda muitos anos para superar.

A crença num povo antigo, seus mitos e histórias, o retorno. Himmler criará a SS baseado nisto, para criar o novo povo alemão como um super homem.

A maioria dos principais líderes nazistas tinham problemas psíquicos. Goering saiu de um hospital psiquiátrico quando foi reintegrado por Hitler, Speer tinha sonhos megalomaníacos para a arquitetura. Hitler parecia muitas vezes estar em transe durante seus discursos que inflamavam a população, que segundo Goebbels se ele mandasse que saltitassem sobre as cadeiras eles o fariam.

Os grupos que foram enviados atrás do Santo Graal, a busca pelas supostas entradas para a terra oca onde devem viver estes mestres antigos na fronteira com o Nepal e o Tibete. Uma visita à Amazônia em busca de rituais, plantas alucinógenas. Todo um lado de misticismo e ocultismo que envolveu os líderes do nazismo.


sexta-feira, 13 de junho de 2014

LIVRO: SERGIO Y. VAI À AMÉRICA - ALEXANDRE VIDAL PORTO


Porto, Alexandre Vidal. 1ª ed. Companhia das Letras, 2014
181 páginas

Recebeu o prêmio Paraná de Literatura de 2012 na categoria Romance 

Um livro instigante que nos prende até o final. Quem nos relata sobre Sérgio é seu psiquiatra Dr. Armado  que o tratou por um tempo breve até o dia em que ele simplesmente anunciou que não voltaria mais. Isto balança Armando que se vê diante de um paciente que ele não sabe o que lhe ocorreu e porque foi embora assim. Durante muito tempo ele fica obcecado com isto até o dia em que encontra a mãe de Sérgio que lhe diz que ele está muito feliz vivendo em Nova Iorque e que devia a ele poder ter encontrado seu caminho e ser feliz.

Se por um lado Armando fica feliz em saber que ele está bem, por outro se questiona sobre como ele pode ajudar este paciente que vivia dizendo que seu único problema era não ser feliz, apesar de ter tudo na vida para o ser. O psiquiatra decide-se a visitar Sérgio em sua ida à Nova Iorque por ocasião da formatura de sua filha dentro de alguns meses, mas algo irá acontecer que mudará isto e levará Armando a se questionar mais ainda e ao sentimento de culpa, incompetência profissional, e muitas dúvidas.

É o relato de um psiquiatra que sempre se teve em alta conta como profissional, dedicado, estudiosos e que sempre obteve bons resultados com seus pacientes, e eis que com Sérgio as coisas parecem que não seguiram seu rumo costumeiro. Ele então terá que se reavaliar como profissional, mas também a si mesmo, aprendendo lições de humildade e compreensão.

Também é um relato sensível sobre escolhas sexuais e possibilidades no mundo atual, sobre mudanças que podem levar a uma vida mais prazerosa e produtiva. O autor enfrenta um tema difícil com simplicidade e de forma delicada.

Quantas pessoas deixam de viver uma vida melhor em função de preconceitos ou para não desagradar ou perder o amor da família? Independente do que possa acontecer o valor da tentativa permanece sempre, e mesmo que se seja para ser feliz por apenas pouco tempo é melhor esta escolha do que a dúvida, a tristeza e falta de perspectiva por uma vida toda. É preciso coragem, mas a covardia pode encerrar uma vida num casulo onde apenas se irá sobreviver, e atender ao outro.


Vale a leitura.

Alexandre Vidal Porto nasceu em 1965 em São Paulo. É diplomata e escritor. 

quinta-feira, 12 de junho de 2014

DOCUMENTÁRIO: ARQUITETURA DA DESTRUIÇÃO - 1989


Diretor:  Peter Cohen - 1989
Duração: 119 min 
Narração: Bruno Ganz 
Origem: Suécia 
Título original: Undergangens Arkiketur 

Este documentário é considerado um dos melhores estudos sobre o nazismo feito pelo cinema.

Hitler, um artista frustrado, ele foi recusado pela Academia de Artes de Viena quando jovem, que pintava paisagens em formato de cartão postal, admirava a ópera de Wagner tinha fixações na estética da beleza, na antiguidade, em Wagner. Ele desejava embelezar o mundo, para isto se baseando na estética do belo segundo o seu julgamento. A questão é que o belo elimina o feio segundo seus critérios.

Inicia-se o processo com as exposições de arte nazista e arte degenerada, ou seja, a dos bolchevistas, judeus e toda arte moderna. São feitas exposições paralelas com a apresentação de fotos de pessoas doentes mentais comparadas às pinturas da arte moderna para que as pessoas pudessem ver a analogia que Hitler via ali e desta forma concordar com ele. Coisas que normalmente não teriam associação acabam tendo. É o período da arianização da arte, atendendo sempre a padrões clássicos de beleza. Tinha especial apreço por paisagens de Montanhas e florestas.

Hitler sonhava com um mundo puro e belo, admirava a arte grega, o super homem, e detestava tudo que fosse diferente, novo, moderno. Ele não suportava lidar com o diferente, com as diferenças que o outro tem. E baseava-se unicamente em seus critérios pessoais que impunha a todos. Ele julgava. Tinha planos imensos, megalomaníacos para reconstruir as cidades alemãs. Faz desenhos e incumbe os arquitetos de realizarem seus desejos.

Usa a metáfora da bactéria, da doença, do piolho para apresentar sua teoria de limpeza, higiene e belo. No caso tudo que não fosse de acordo com o que ele desejava era uma bactéria que vinha infectar o mundo e destruir, enfraquecer, sujar e precisava ser eliminada, da mesma maneira que se eliminam os insetos, os ratos, os piolhos. E de fato foi o que ele fez, usando o gás para matar, baseado em como se dedetizava os locais para eliminar as pragas.

Por trás de todo horror perpetuado pelo nazismo contra o outro há toda uma racionalização, e diferente de eliminar o inimigo numa guerra, era uma eliminação do ser humano que era diferente. Era a destruição de tudo que não lhe agradava. Ele poupa Paris porque sempre desejou conhecer a cidade e o faz numa manhã bem cedo após a conquista e então diz que Berlim será muito melhor e portanto fará sombra à Paris, e por isto não é preciso destruí-la.

Também na guerra se utiliza da antiguidade. Conduz o exército alemão como se fosse as Guerras Púnicas, onde a destruição total do inimigo e das cidades diferem dos padrões de guerras modernas, onde o objetivo é vencer a guerra, e os alvos civis são evitados na medida do possível. Ele imita o Delenda Cartago. Seus modelos são Roma, Cartago e Atenas. Como os romanos queria dominar o mundo, ser o terceiro maior império, o Terceiro Reich, após os Romanos e o Império Austro-Húngaro.

A parte mais interessante do documentário é quando se analisa o judeu como sendo o principal inimigo de Hitler justamente por se tratar de um povo puro, que soube se manter unido e não se misturou, não se miscigenou, enfraquecendo seu povo. Aqui temos um ponto de vista onde o judeu é uma imensa ameaça à Hitler, pois somente eliminando o povo puro ele poderia ter os méritos e transformar o povo ariano em puro, por isto, mesmo perdendo a guerra, ele se fixa na solução final.

O judeu é o outro, o estranho familiar. Talvez por ser um povo sem território e que vive na errância isto assuste, se torna sempre estrangeiro, mas de onde?

Hitler nunca havia viajado, não conhece o diferente e é péssimo em fazer julgamentos sobre os outros e suas diferenças, ele se fixa em seus pensamentos. O judeu é o povo da lei simbólica, ou seja, é um significante, não está no imaginário do outro. A coletivização do ódio ao judeu é aceita, uma vez que inconscientemente todos odiamos o pai e queremos matá-lo, mas também o amamos. Então aqui vemos que Hitler no fundo se baseava na pureza que ele via no povo judeu e por isto mesmo tinha que eliminá-lo.

Por outro lado, todo o imaginário de Hitler e seus sonhos megalomaníacos, provenientes da infância, de suas leituras. Ele acreditava que não é necessário sair de onde se está para conhecer o outro, é possível visualizar isto e acertar.Ele fantasiava seu grandioso futuro.

Ele queria ser o grande pai, o Deus que regia a tudo e a todos e transformaria o mundo num lugar belo, limpo onde se pudesse viver bem. Para isto precisa eliminar as pragas, as bactérias que causam doenças. Ele monta toda uma coreografia para que o povo aceite isto levando-o à histeria.

O ideal de beleza como sinônimo de saúde, mas para construir o belo é necessário destruir tudo que não fosse belo segundo seus padrões e julgamentos, levando à destruição que foi.


Peter Cohen nasceu em 1946 em Lünd, Suécia. Seu pai foi um judeu perseguido pelo regime nazista que fugiu de Berlin em 1938. O documentário Arquitetura da Destruição precisou de muitos anos de pesquisa. 

quarta-feira, 11 de junho de 2014

FILME: O PASSADO - 2013


Direção:Asghar Fharadi - 2013
Duração: 130 min

Título original: Le passé
País: França - Irã 

Indicado para o Festival de Cannes 2013 como longa-metragem

Ahmad (Ali Mosaffa) , um iraniano, retorna à França após 04 anos a pedido de sua ex-mulher Marie (Bérénice Bejo) para oficializar o divórcio e rever as duas filhas dela de um relacionamento anterior. Logo ao chegar ele vê um menino na casa de Marie e descobre que ela vive com alguém, Samir (Tahar Rahim), um árabe cuja esposa está em coma num hospital devido a uma tentativa de suicídio.

Lucie (Pauline Burlet) a filha mais velha de Marie não aceita esta relação e vive fora de casa chegando muito tarde todas as noites. Marie pede à Ahmad que converse com ela. Aos poucos vamos vendo o drama familiar se desenrolando.

Cada um vê a história pelo seu ponto de vista, mas há muitas suposições na história na busca pela verdade que é sempre fugidia. O passado se impõe no presente e ameaça o futuro.

Marie está estressada, de certa forma deseja se vingar de Ahmad por tê-la deixado. Samir vive entre Marie e sua mulher em coma. Os filhos sofrem as consequências de tudo isto. Ahmad parece um mediador de tudo isto, mas porque aceita este papel? porque não vai embora? Mas é Ahmad que aos poucos vai desvendando e desvelando a cada um, menos a si mesmo, ficamos sem saber muito dele.

Marie não reservou um hotel para Ahmad e ele fica na casa dela. Aos poucos vão retornando coisas mal resolvidas entre os dois e ao mesmo tempo ela o envolve na situação atual. A filha Lucie no início se parece como uma filha adolescente que não aceita que sua mãe se relacione com outro homem que não aquele que ela gostaria, mas não é tão simples, depois a vemos acusar a mãe de ser culpada pela tentativa de suicídio da mãe de Fouad, e finalmente descobrimos que ela carrega um segredo e muita culpa. Fouad o filho de Samir sofre por sua mãe haver tentado o suicídio e parecer uma morta agora, e ao mesmo tempo ele está deslocado mas buscando carinho e amor o que encontra em Lea, a outra filha de Marie, já que não tem muita atenção de Marie envolta em suas questões e sem paciência e seu pai, com a chegada de Ahmad está incomodado.

Um filme que mostra a humanidade de cada um dos personagens, suas dores, raivas, ciúmes, dúvidas, vinganças. Estamos sempre pensando no outro dentro da nossa visão, e muitas vezes a verdade para o outro é muito diferente da nossa.



Asghar Farhadi nasceu em 1972 em Khomeini-Shahar, Irã. 

terça-feira, 10 de junho de 2014

FILME: O MARIDO DA CABELEIREIRA - 1990


Direção: Patrice Leconte - 1990 
Duração: 82 min 
Título original: Le mari de la coiffeuse 


Ganhou o César de melhor filme


Qual o traço que nos marca e que iremos procurar sempre ao nos apaixonarmos?

Antoine (Jean Rochefort) quando criança viu uma cabeleireira com os seios a mostra, e isto o marcou, fazendo com que adorasse ir cortar os cabelos, ia mais até do que necessário. Já adulto se apaixona por Mathilde (Anna Galiena), também cabeleireira.

O objeto perdido e o traço do amor, que permanece e aparece em toda busca amorosa. O filme irá falar da descoberta da sexualidade, do erotismo, da velhice e da morte. O que faz uma mulher quando descobre o real, quando se dá conta que o traço que carrega e que faz com que o outro se apaixone nada tem a ver com ela em si mesma? mas que é algo que ficou marcado em algum momento da infância?

Vale a pena assistir.


Patrice Leconte nasceu em 1947 em Paris, França 

segunda-feira, 9 de junho de 2014

FILME: EU, MAMÃE E OS MENINOS - LES GARÇONS ET GUILLAUME, À TABLE - 2013


Direção: Guillaume Gallienne - 2013 
Duração: 85 min
Título original: Les garçons et Guillaume, à table. 

Após rir muito pela comédia, que me lembra bem a Comédia Humana, vejo o filme como algo extremamente sério. Um filme brilhante que se utiliza do humor, há melhor cura? para tratar de um tema difícil, a mãe e a identidade sexual do filho, de forma sensível.

A mãe de Guillaume costumava chamar seus filhos para ir à mesa dizendo: Les garços et Guillaume, à table. Os meninos e Guillaume, à mesa. Esta é a frase que marcou sua primeira infância.

Guillaume (Guillaume Gallienne) é tratado pela mãe (interpretada também por ele) como uma menina, e ele acredita ser uma menina. Ela é autoritária, mas o ama, e ele mais ainda. Nem a intervenção do pai (André Marcon) é capaz de mudar algo. Partindo da forma como a mãe chamava os filhos ele passa a ver que é diferente "dos meninos", portanto, deve ser uma menina. Seus irmãos faziam coisas diferentes dele, nas férias viajavam com o pai, e ele não ia porque não gostava de nada do que eles faziam, segundo a mãe, e Guillaume acredita nisto tudo. Seu problema é convencer o pai que é uma menina.

Ele passa a maior parte do filme buscando se afirmar como uma menina, nunca lhe passou pela cabeça ser um homossexual até o dia que sua mãe lhe diz isto. A partir daí ele começa a se questionar, ele diz: eu não sou um homossexual, sou uma menina e por isto gosto de meninos. Mas como é do sexo masculino terá que ir para o exército. Não será aceito e o médico o aconselha a procurar um psicanalista. Ele vai à vários, conversa com suas tias, avó, numa busca de se constituir, de sua identidade. Finalmente começará a compreender e seu primeiro passo é vencer seu maior medo, o de cavalos, o que fará. Então irá a uma reunião só de mulheres, e é quando ouve a frase oposta, As meninas e Guillaume, à mesa.

Durante toda sua vida havia sido tratado como homossexual, pela mãe, pelo seu pai e seus irmãos, pelos colegas do internato, até que neste momento alguém o identifica como homem, como alguém diferente das meninas.

E nesta reunião ele conhece Amandine, e se apaixona. Agora terá que se confrontar com a mãe, que durante o filme todo lhe aparece em visões, fazendo as escolhas por ele, incentivando ou desaconselhando-o a fazer algo. É a cena mais linda do filme, quando ele diz que há duas coisas que ele precisa lhe dizer, e a primeira é que ele não é homossexual e sim heterossexual. O diz informando que irá escrever uma peça de teatro sobre uma família que criou seu filho menino como se fosse um homossexual. A mãe o questiona, pergunta pela prova de que ele seja realmente heterossexual. Sim, se toda a família o via assim, ou todos são idiotas ou ele tem que ter uma prova. Então ele compreende. O medo dela de que ele amasse outra mulher, de que deixasse aquele lugar da menina que ela desejava. A segunda coisa a dizer é que ele e Amandine irão se casar, e a mãe em seu grand finalle diz: com quem?

O bebê nasce sem ter nenhuma noção de que é menino ou menina, isto lhe vai ser passado, vai ser constituído. Começa pelo nome, pelo o que lhe dirão, a educação que lhe darão, até o momento onde a criança descobre que há diferença sexual em seu corpo, o menino é diferente da menina. Mas a maior formação desta identidade vem pela linguagem e pela identificação com um dos pais. E é aí que Guillaume se identifica com a mãe, quer ser como ela, tão bonita, tão inteligente. A mãe já tinha dois filhos e desejava uma menina e ele se identifica a este desejo e o atende, é  o seu fantasma. E a mãe aceita isto. É uma fantasia tão forte que ele não percebe que não é uma menina, só o faz quando a mãe o chama de homossexual.

A Interpretação de Guillaume nos dois papéis é fantástica, a ponto de demorarmos para perceber que é o mesmo ator. Um filme que vale a pena assistir, seja para rir muito, seja para compreender o papel que uma família tem na construção da identidade de uma pessoa.

A música final é ótima. Recomendo.


Guillaume Gallienne nasceu em 1972 em Neuilly-Sur-Seine, França.

Trilha sonora de Marie-Jeanne Serrero. 

FILME: DIVÃ - 2009


Direção: José Alvarenga Jr. - 2009
Duração: 93 min

Baseado no livro homônimo de Martha Medeiros

Mercedes (Lilia Cabral) está com 42 anos, é casa com Gustavo (José Mayer) e tem dois filhos. Tudo parece estar bem, mas ela resolve procurar um psicanalista, Dr. Lopes,  e fazer uma análise pois acha que sua vida está completa demais, perfeita demais.

Nada melhor do que uma análise para desmontar isto, e é o que ocorre. Aos poucos ela vai começar a questionar tudo e ver sua vida ir mudando. Ela vai descobrir muito sobre si mesma, seus desejos, irá fazer loucuras, e também chorar. Viverá experiências novas, questionará a rotina de sua vida, a monotonia que é seu casamento.

Mercedes vai descobrir que pode resolver suas questões sozinha, fazer suas escolhas, vai compreender os motivos destas escolhas, de suas frustrações, mas também vai saber viver o prazer e ter satisfações. Irá se libertar e aprender a conhecer seu inconsciente e a si mesma.


José Alvarenga Jr. nasceu em 1960 no Rio de Janeiro

FILME: O FILHO DA NOIVA - 2001


Direção: Juan José Campanella - 2001 
Duração: 123 min
Título original: El hijo de la novia

Rafael Belvedere (Ricardo Darín) tem 42 anos e cuida do restaurante que foi de seu pai, vive sozinho, e sempre correndo, totalmente estressado. Tem uma ex-mulher que lhe cobra maior atenção para a filha e sua namorada Naty (Natalia Verbeke) que lhe solicita atenção e companhia. Sua mãe está internada, está perdendo a memória, está com Alzheimer, e ele raramente a visita. Seu pai Nino (Hector Alterio) o visita no restaurante e está com uma idéia que Rafael reluta em aceitar, ele quer realizar o sonho de Norma (Norma Aleandro) de se casar na igreja.

Com toda esta correria ele acaba tendo um enfarte. É o momento para repensar toda sua vida e ele acaba aceitando a ideia do pai sobre o casamento.

O filme nos mostra um Rafael cheio de conflitos e angústias. Ele não consegue se relacionar com as pessoas, tem dificuldade com tudo que seja íntimo, e mergulha no trabalho no restaurante, mas mesmo ali, nem tudo corre tão bem assim. Ele foge da mãe, não vai visitá-la e somente depois de muita insistência de seu pai acaba indo. Se depara com a fragilidade dela, já não é sua mãe da infância, onipotente. A morte, os conflitos não resolvidos emergem.

Vemos um Rafael ainda infantil, que aos poucos vai atravessando a dor do crescimento, da separação, de aceitar que é um ser único, solitário mas que depende dos outros. A cena quando ele pensa em vender o restaurante, e que seu pai lhe diz que foi a vida deles, mas que ele, Rafael, tem que ter a sua vida.

O casamento esbarra em dificuldades, sua mãe tem Alzheimer, não está de posse de suas faculdades mentais, mas Rafael acaba resolvendo isto, e encenam o casamento com a ajuda de um amigo.

Um filme sobre o crescimento, sobre a separação do infantil rumo para a maturidade, sobre a separação que todos nós devemos fazer dos pais simbolicamente, rompendo com o que nos ilude na infância, as fantasias, o Zorro de Rafael.


Juan José Campanella nasceu em 1959 em Buenos Aires, Argentina. 

FILME: PAIXÕES QUE ALUCINAM - 1963



Direção: Samuel Fuller - 1963
Duração: 101 min
Título original: Shock Corridor 
Filme Preto e Branco

Johnny Barrett (Peter Breck) é um jornalista que pretende ganhar um prêmio, o Pullitzer,  se conseguir descobrir quem foi o assassino de um crime que ocorreu dentro de um hospício. Para descobrir isto ele resolve se infiltrar no hospício como um doente. Se prepara, tem a ajuda de um psiquiatra.

Sua namorada Cathy (Constance Towers) é contra isto tudo, mas ele insiste e se interna. O psiquiatra que o orienta o fará se apresentar como um caso de alguém que alimenta uma paixão incestuosa por sua irmã, que no caso é Cathy quem representa este papel, indo até uma delegacia e prestando queixa contra seu "irmão". Após isto ele será internado.

No começo tudo parece dar certo, mas a convivência com outros que estão doentes e toda sua ansiedade em resolver o caso irá interferir em seu plano, e quando finalmente ele consegue saber quem foi o assassino já é tarde demais para ele, que alucina e nem consegue se lembrar do nome. Receberá tratamento de Dr. Cristo, o diretor do Hospital, inclusive eletrochoques e mergulhará na insanidade para desespero de Cathy.


Samuel Fuller nasceu em 1912 em Worcester, Massachusetts, EUA e faleceu em 1997 em Los Angeles, EUA. 

LIVRO: O SEGREDO DO ORATÓRIO - LUIZE VALENTE


Valente, Luize. Record, 2012.
317 páginas

Depois de assistir ao documentário A Estrela Oculta do Sertão de Luize Valente e Elaine Eiger fui atrás do livro para ler.

Luize transpôs para o livro o documentário, mas em forma de romance. É a história de Ioná, uma médica paraibana que vai em busca de suas origens no sertão nordestino depois que descobre que é descendente de cristãos novos.
Ioná é apaixonada por Daniel, um judeu ortodoxo e conhece Ana, uma jornalista que está no Recife acompanhando a professora Ethel que é uma especialista em Inquisição Portuguesa. Aí começa a aventura do livro pelo sertão, São Paulo e indo até Nova Iorque.

Encontramos no livro tudo que foi mostrado no documentário e um pouco mais. É muito interessante vermos que não apenas os judeus conversos, mas os brasileiros cristãos acabam adquirindo muito desta herança, seja como superstições que tenham, sejam nos ditos populares. Eu sempre gostei de descobri de onde vem os ditos, onde surgiram e porque. Neste livro descobri de onde vem o "pensando na morte da bezerra".

O livro traça o panorama desde a fuga dos conversos, sua vinda para o Brasil e depois sua nova dispersão, sendo que vários partiram com os holandeses, e destes uma nau acabou em Nova Iorque. Trata dos costumes e tradições mantidas, mas diferente do documentário, aqui a Tia Ioná sabe o que está fazendo e porque, e é esta herança que ela precisa passar para sua sobrinha-neta.

Apesar do romance ser uma ficção ele trata de um fato histórico e real e que ocorreu com muitos que são descendentes de cristãos novos.


Luize Valente 

domingo, 8 de junho de 2014

FILME: O MÉDICO ALEMÃO - 2013


Direção: Lucía Puenzo - 2013 
Duração: 93 min
Título original: Wakolda 

Baseado em fatos reais.

Após a queda do Terceiro Reich muitos nazistas fugiram para a América do Sul. A região de Bariloche era um reduto de fugitivos nazistas.

1960 - A família de Lilith (Florencia Bado) está indo para Bariloche para cuidar da Hospedaria que os pais de sua mãe deixaram. Um médico, Helmut Gregor (Alex Brendemühl), pede para seguir atrás deles em caravana para atravessar o deserto da Patagônia e depois quando chega à Bariloche se torna o primeiro hóspede deles. Aos poucos ele ganha a confiança de Lilith e de sua mãe Eva (Natalia Oeiro).

Ele observa a menina que tem doze anos e um corpo de oito anos, conversa com sua mãe e lhe diz que está no momento certo para um tratamento de crescimento. O pai é contra, e não simpatiza com o hóspede. Lilith entra para uma escola alemã, e começa a sofrer um bullying por ser menor que todos. Os meninos dão zero para seu corpo quando passa para ir à piscina. As meninas a chamam de nanica. Em função do sofrimento da filha a mãe aceita o tratamento, mas não conta ao pai. Ela está grávida, e ele começa a lhe dar vitaminas e depois passa a cuidar dela ao descobrir que ela espera gêmeos.

Para conquistar a confiança do pai Enzo (Diego Peretti) ele irá investir em suas bonecas que ele fazia artesanalmente, transformando-as em bonecas arianas, com olhos azuis e cabelos loiros e produzidas em massa. Lilith começa a sentir dores em seu corpo e ter febre, o médico diz que é normal. Na volta da viagem que fazem para ver a produção das bonecas os gêmeos nasceram e o pai já está furioso pois descobriu que sua filha vinha sendo tratada pelo médico.

A partir daí vemos o verdadeiro Helmut, que é o fugitivo nazista Josef Mengele , conhecido por suas experiências genéticas com prisioneiros em Auschwitz, conhecido como Anjo da Morte. Ele não era um médico que tratava de pessoas, mas um experimentador, louco, que usava os seres humanos para suas experiências, e que gostava muitos de gêmeos, deixando sempre um para controle de sua experiência no outro.

Eva ainda confia nele, o pai não, mas é neste momento que Eichmann é preso em Buenos Aires e Mengele tem que fugir, a fotógrafa Nora, que é uma agente de Israel é quem descobre com quem eles estão lidando. É tarde, Mengele foge, Nora será assassinada dois dias depois e a família de Enzo arcou com as consequências.

Mengele fugiu para o Paraguai e depois veio para o Brasil passando por várias cidades e vindo a falecer em uma praia de Bertioga por afogamento.

É interessante ver um paralelo entre a criação de bonecas de Enzo e as experiências de Mengele, só que Enzo está lidando com um objeto e não vidas humanas. Ele quer que a boneca tenha um coração que bata, e de certa maneira desta forma se tornar única. E esta é uma lição do filme, se aceitar, como somos. Para uma criança/adolescente é difícil enfrentar as gozações dos colegas que são cruéis, chamando de nanica, ou de gorda, ou de dois olhos e assim vai. É neste momento que os pais tem que dar suporte para isto, o que o pai de Lilith fez, mas sua mãe quis mudar o que Lilith era.

Eva vê em Helmut a lembrança de sua infância, do alemão, da escola, de sua família, ela confia nele, e foi seu maior erro. Ele não tem humanidade nenhuma, atende unicamente ao seu desejo de criar um ser puro, perfeito, corrigir defeitos, testar geneticamente possibilidades de mudanças, para criar o super homem, que era o ideal de Hitler.

Os cadernos de Mengele com as anotações sobre a família são perturbadores, causam mal estar, e ele seguiu fazendo suas experiências, nunca foi preso.



Josef Mengele 

Lucía Puenzo nasceu em 1976 em Buenos Aires, Argentina 

sábado, 7 de junho de 2014

FILME: PEQUENAS HISTÓRIAS - 2008


Direção: Helvécio Ratton - 2008 
Duração: 79 min

Numa varanda de uma casa do interior uma mulher (Marieta Severo) costura uma toalha feita de retalhos coloridos com os personagens de várias histórias que ela nos conta a medida que vai aumentando um ponto no trabalho. São histórias infantis ou locais principalmente de Minas Gerais.

São elas: o marido da mãe d'água, Procissão das almas, um natal feliz e a história de Zé Burraldo.

O marido da mãe d'água é sobre Tiburcio um pescador que encontra Iara a mãe d'água. A Procissão das almas é sobre um menino que vive ligado na internet e de repente é escolhido para ser o novo coroinha da Igreja, não querendo decepcionar a mãe, lá vai ele aprender, mas o que houve o deixa aterrorizado. Já um natal feliz é sobre um papai noel que mesmo não tendo nada acaba fazendo a alegria de um garoto pobre e finalmente o Zé Burraldo, que o nome já o diga, mais burro impossível, mas um sujeito de bom coração e seu burro.

A cada história se dá um ponto, e se tece a vida. Um belo filme não só sobre nossos contos, artesanato, mas também de como a vida vai se tecendo desta forma, e a cada vez que recontamos a história também aumentamos um ponto. É considerado um filme infantil, mas que qualquer adulto vai se deliciar.

Elenco: Patrícia Pilar, Maurício Tizumba, Gero Camilo, Paulo José, Miguel de Oliveira,Constantin de Tugny.

A criação da toalha bordada é de Betânia Santos.
A História de Zé Burraldo é inspirado no conto de Ricardo Azevedo.

Tem o site do filme: http://www.pequenashistorias.com.br/



Helvécio Ratton nasceu em 1944 em Divinópolis, Minas Gerais

DOCUMENTÁRIO: RAÍZES DO BRASIL - Uma cinebiografia de Sérgio Buarque de Hollanda - 2003


Direção: Nelson Pereira dos Santos - 2003 
Duração: 148 min 

Cinebiografia de Sérgio Buarque de Hollanda

O filme se divide em duas partes. Na primeira vemos o universo afetivo do historiador. Seus sete filhos, sua esposa Maria Amélia, seus netos. Os locais onde viveu, e seu escritório, um lugar sagrado onde ninguém entrava, mas a porta estava sempre aberta. Há o relato de como ele era um apaixonado por livros, e paixão com toda sua força, capaz de fazer loucuras para ter os livros, como deixar de pagar  o aluguel, ter a ajuda da empregada para pegar os livros pela cozinha e voltar para entrar pela porta da frente, deixando a todos mais tranquilos, pois não havia comprado livros. Engraçado, pois eu durante um tempo fiz exatamente a mesma coisa contando com a ajuda da Maria que trabalhava em casa que levava os livros e os deixava em minha janela do quarto. Assim minha família não os via. Só que minha biblioteca é extremamente modesta ao lado da de Sérgio que no final tinha dez mil volumes, mas poderia ter chego a quarenta mil volumes não fosse o fato dele fazer doações e dar de presente os livros.

Na segunda parte temos o cenário histórico do Brasil onde ele viveu e as falas de seu livro Raízes do Brasil lidos por filhos e netos. Fala-se de seus amigos, da boêmia, de seus cargos em instituições, viagens, da alegria que sempre o acompanhava. Era um homem muito sério na intelectualidade, mas com muito bom humor e divertido. Esta parte é uma cronologia de sua vida intelectual e pessoal, e como pano de fundo temos os acontecimentos históricos do Brasil.

Sérgio nasceu em São Paulo em 1902. Foi jornalista, escritor, historiador, sociólogo. Um grande leitor e também escrevia  e nestes momentos algo se apossava dele, como uma febre. Casou-se com Maria Amélia (Memélia) e teve sete filhos, entre eles Chico Buarque e Miúcha. Faleceu em 1982 em São Paulo. Viveu também uma parte de sua vida no Rio de Janeiro. Era carinhosamente chamado de Papyoto pelos filhos e família.

Nelson Pereira dos Santos em 1928 em São Paulo, Capital. Considerado um dos maiores cineastas brasileiros.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

FILME: CAFUNDÓ - 2005


Direção: Clóvis Bueno e Paulo Betti - 2005 
Duração: 102 min

Baseado na história real de João Camargo, um ex-escravo que viveu em Sorocaba -SP no fim do século XIX  e inicio do XX, era um preto velho milagreiro, mas apesar de sua simplicidade era muito complexo. 

João Camargo (Lázaro Ramos)  é um escravo liberto que tem sede de viver, mas o fim da escravidão não traz prosperidade para os negros, e ele terá que passar por trabalhos pesados, irá para a guerra, lutará para sobreviver, mas encanta-se com a cidade, suas cores, sua alegria, suas festas e mulheres. Leva sua mãe para viver junto a outros negros e volta, conhece Rosario (Leona Cavalli) e se casa com ela, mas ela não se acostuma a vida simples de João. Em uma ida à cidade eles dão de encontro com o que chamam de Peste, mas é a febre amarela. João corre ver sua mãe, mas ela está morrendo. Na volta encontra Rosario com outro homem. Ele a expulsa, passa a beber, perde o rumo de sua vida.

Um dia após beber muito ele cai, e tem uma visão com o padre da cidade, que lhe diz que ele tem uma missão, a de curar as pessoas. João já havia tido visões antes, até mesmo Rosario parece algo misterioso. Ele ouvia vozes. A partir deste momento sua vida toma outro rumo, ele se volta para a espiritualidade, constrói uma igreja para Nosso Senhor do Bonfim, mas acolhe nela todos os santos, mas também entidades da Umbanda, espíritos, e até mesmo símbolos judaicos. Ele acredita que pode curar e passa a fazê-lo. Claro ,irá enfrentar o desagrado da igreja católica e dos que são racistas e não gostam destes rituais, ou do espiritismo.

O filme retrata o sincretismo religioso do Brasil, onde o povo se apega a todos os santos e também às oferendas, rezas, poções, óleos, ervas. A parede da igreja está coberta de ex-votos, mas também de pedidos. Mostra que naquela época havia uma divisão entre a religião dos brancos e a dos negros, há santos para ambos, e há locais no Brasil onde haviam igrejas católicas para negros e outra para os brancos. Além do contraste entre o bem e o mal, a todo momento surgem cenas que se referem a isto, como a mulher que foge com seu amante e ele correndo atrás com um chicote e a aparição de uma igreja.

O Brasil se formou com os índios, afros e portugueses, e há também aparições no filme de um índio, mas o forte é mesmo a mistura que se concretiza de todas as crenças num povo de fé.

João de Camargo teve uma vida difícil, primeiro em uma senzala como escravo, depois se deparou com um mundo que não conhecia e que o encanta. Era ingênuo, simples, não conseguia usar as botas da farda de soldado, preferia andar descalço. Não sabia ler, tinha que sobreviver. Apaixona-se e é traído, perde a mãe, e entra em depressão e cai no alcoolismo. Ouvia vozes, tem visões, e acredita nelas. A força da crença e da fé.

Cafundó significa um lugar de difícil acesso, um mundo além, longe, o fim do mundo como diz o menino no filme . Um lugar imaginário.Existiu um lugar no Estado de São Paulo que se chamou Cafundó, que era uma comunidade de negros libertos. Eles receberam esta terra para morar, desde que não saíssem de lá. Foram enviados para o Cafundó, onde quase não se vai. A expressão popular nos cafundós de judas é para se referir a um lugar perdido, muito longe, difícil de se chegar. Mas o cafundó também pode estar dentro de si mesmo, um lugar perdido que pode proporcionar experiências místicas, iluminações. No filme o Cafundó é a África, pelo tipo de casas construídas, os rituais, é a mãe.

A mãe de João era uma curandeira, ela conhecia os segredos das ervas e rezas. O interessante é que ela coloca pedras na cruz do menino Alfredinho, o que seria um costume judaico.Um filme que nos mostra a imensa riqueza do Brasil em termos de cultura, rituais, crenças, e da nossa capacidade de crença e fé, e de como mesmo diante de situações difíceis sempre há uma maneira de se falar com o divino, não importa a via que se use. João adere ao sincretismo afro-indigena-católico-judaico. Tornou-se após sua morte com 84 anos uma lenda. Seu enterro foi um dos mais concorridos de Sorocaba.

O filme foi rodado em quatro cidades do Paraná em torno de Ponta Grossa.



Clóvis Bueno nasceu em 1940 em Santos, Brasil








Paulo Betti nasceu em 1952 numa zona rural de Rafard, interior do Estado de São Paulo, Brasil. Mudou-se ainda durante a infância para Sorocaba. 

LIVRO: TODAS AS CORES DO MUNDO - GIOVANNI MONTANARO


Montanaro, Giovanni. 1ª ed. Objetiva, 2014
142 páginas
Tradução: Joana Angélica d'Avila Melo
Título Original: Tutti i colori del mondo.

Gheel é uma pequena cidade no Norte da Bélgica que tem uma característica que a diferencia de todas as outras, ela acolhe em suas casas os loucos que levam uma vida muito diferente do que se fossem internados em manicômios ou hospícios. Esta história se passa no século XIX em 1881, é uma ficção, apesar de que os trechos das Cartas de Vincent Van Gogh estão em seu livro de Cartas para Théo e ele realmente cita a cidade.

Montanaro então imagina um período da vida de Van Gogh que o teria levado a se tornar um pintor, o que ele não foi logo de início, só passando a pintar mais tarde em sua vida. Como o pintor também era uma pessoa difícil, nunca constituiu uma família, tinha muitas dificuldades em relacionamentos humanos, vivia buscando algo que não encontrava e acabou se suicidando, nada como a passagem por Gheel, esta cidade que costuma acolher os loucos, como o ponto de início para sua arte.

Lá vive Teresa Sem Sonhos, este é seu nome, ela nasceu de uma mãe louca que ali vivia, não sabiam quem era seu pai, e ela foi acolhida por duas famílias, sendo que a segunda a declarou como louca para poder receber a ajuda do Estado que era concedido a cada família que abrigava um doente. Porém, Teresa não era louca. Sonhava em se casar com Icarus, que estudava os mineiros para escrever um livro, até a chegada de um estranho à vila, alguém chamado Vincent.

Teresa irá se apaixonar por Van Gogh e os poucos dias que passará ao lado dele modificará para sempre sua vida, mas também mostrará a ele o mundo das cores. Anos depois, Teresa irá escrever ao Senhor Van Gogh numa tentativa de colocar ordem no caos onde vive.

Um belo livro sobre almas aprisionadas, seja a de Vincent ou a de Teresa, ou de muitos que buscam algo e não encontram, ou como diz Vincent, são sem pátria, não sabem onde viver para estar bem. De pessoas que não seguem as normas sociais, que almejam mais para suas vidas, mas se defrontarão com o preconceito, com aqueles que querem colocar as coisas nos seus lugares, mas de acordo com o que eles acreditam, tolhendo a liberdade do outro e demonstrando a intolerância com tudo e todos que se diferenciem do que eles consideram ser o normal.

Giovanni Montanaro nasceu em 1983 em Veneza, Itália. 



Gheel se tornou uma vila que acolhia aos loucos devido uma lenda sobre Santa Dimphna. Uma filha de um rei irlandês que precisou fugir de seu pai após a morte de sua mãe. O rei era muito apaixonado pela esposa, e viu na filha a mulher que perdeu, quis casar com ela, mesmo sendo incesto, mas Dimphna não quis e fugiu, foi se esconder em Gheel onde o rei a encontrou. Ela preferiu a morte ao incesto. Como ela enfrentou seu pai e o seu desejo diabólico passou a ser uma Santa que protegia os loucos. A loucura era considerada uma possessão e o rei foi considerado como possuído pelo diabo.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

FILME: A MONTANHA MÁGICA - 1982



Direção: Hans W. Geissendörfer - 1982 
Duração: 153 min. 
Título original: Der Zauberberg 
País: Alemanha 

Baseado no romance homônimo de Thomas Mann 

Não é tarefa fácil filmar um livro tão denso e repleto de diálogos como A Montanha Mágica. Realmente, apesar do filme conseguir condensar o livro com suas principais passagens, ainda assim a riqueza dos diálogos, do amadurecimento de Hans Castorp não é captado em sua plenitude no filme, o que não faz com que o mesmo tenha menos mérito e deve ser assistido.



Hans Castorp (Christoph Eichhorn) é um jovem que acaba de se formar em engenharia e antes de assumir seu novo posto vai visitar seu primo que está internado em um sanatório em Davos. Joachim (Alexander Ziemben) tem tuberculose e está em tratamento, já em recuperação e não vê o momento de poder voltar para a Alemanha e ser um oficial no exército. Castorp vai para ficar três semanas, mas irá ficar sete anos.



No filme sentimos a falta dos diálogos entre os dois primos, que são muito enriquecedores, seus passeios pela montanha e pela vila. Castorp irá conhecer Settembrini (Flavio Bucci) um humanista e idealista que muito lhe ensinará, mas não será apenas ele, temos também Naphta (Charles Aznavour) um jesuíta revolucionário e Peperkorn (Rod Steiger).

Ele adoecerá, e conhecerá o amor, apaixonando-se por Clawdia Chauchat (Marie France Pisier), a sexualidade, verá a morte de frente, mas ao mesmo tempo ele se isola do mundo ali. Aos poucos ele formará seus próprios pontos de vista e terá uma nova percepção do tempo, de sua passagem, muito diferente do que se estivesse na cidade onde vivia. Afinal o que é o tempo lá em cima? o sentimos passar? ou não?

Os diversos personagens encarnam as várias ideologias do momento, um pouco antes da Primeira Guerra Mundial e as psicologias do ser humano deste contexto. Por outro lado há um questionamento sobre o que é a doença, sobre o corpo e a somatização. De como muitas vezes desejamos esta doença, o que ela pode nos trazer que não percebemos ou não queremos admitir.

No final estoura a primeira guerra, todos devem deixar o sanatório, exceto os muito doentes.

Para quem já leu o livro é interessante ver o livro no filme, os lugares, os personagens, tudo que imaginamos e criamos na mente durante a leitura. Para quem ainda não leu o livro o melhor é lê-lo para ter acesso a todos os diálogos que são riquíssimos e que no filme seria muito longo e difícil de colocar.



Hans W. Geissendorfer  nasceu em 1941 em Augsburg, é um diretor alemão

domingo, 1 de junho de 2014

DOCUMENTÁRIO: A ESTRELA OCULTA DO SERTÃO - 2005



Direção: Elaine Eiger e Luize Valente - 2005 
Duração: 85 min 

O documentário conta com a participação da historiadora da USP Anita Novinsky especialista em inquisição no Brasil, de Paulo Valadares, genealogista e de Nathan Wachtel, antropólogo do Collège de France.

A ideia de realizar o documentário surgiu quando as diretoras leram um artigo no jornal sobre um rabino americano que estivera numa vila chamada Venha Ver que tem menos de 800 habitantes e se situa no extremo oeste do Rio Grande do Norte. O rabino constatou que a população local mantinha costumes que não eram cristãos, mas que eram notadamente judaicos, apesar de já terem caído em desuso no judaísmo. Esta constatação revelou que ali moravam descendentes de cristãos-novos conhecidos como marranos.

Durante a perseguição pela inquisição inicialmente na Espanha promovida pelos reis católicos Isabel de Castela e Fernando de Aragão e depois com a instituição do santo ofício em Portugal, muitos judeus foram forçados a se converterem ao cristianismo. Em Portugal no tempo de Dom Manuel sequestravam seus filhos para serem criados por cristãos, o que obrigava aos judeus a se converterem. Isto foi antes da conquista do Brasil.

Quando ocorreu a conquista do Brasil pelos portugueses muitos cristãos novos vieram para cá, e mais tarde com a invasão holandesa também, uma vez que muitos judeus convertidos fugiram depois para os países baixos. Há documentação sobre isto até o fim da inquisição, depois mais nada. Eles se dispersaram pelo país, mas o maior núcleo é no Nordeste.

O documentário nos mostra Luciano Oliveira, um médico da Paraíba que busca suas origens, e também João Medeiros, um engenheiro aposentado de Natal e Odmar Braga um policial negro de Pernambuco. O que aproxima estes três é o fato de serem descendentes de cristãos novos. Os três nasceram de famílias nordestinas no sertão que são cristãs, mas tem costumes e práticas judaicas.

Venha Ver é uma pequena vila onde praticamente todos são parentes. Os casamentos ocorrem entre primos e tios e sobrinhas, caracterizando a endogamia. Uma visita ao cemitério é um encontro com todos os parentes mortos, ali é a avó, lá a tia, aqui o primo, mais adiante o avô. Quando alguém morre lava-se o corpo, cortam-se as unhas a noite, e o corpo é envolvido na mortalha costurada ali mesmo com pontos largos e soltos. Usam o caixão para transportar o morto até o túmulo, mas são enterrados diretamente na terra. É necessário jogar fora as águas da casa quando alguém falece.

A maneira de varrer uma casa, não comer carne de porco, a maneira que se sacrifica o animal para comer, como é feito o corte do pescoço da galinha e o sangue que tem que ser tirado, uma vez que o sangue representa a vida e não se come a vida. Colocar pedras nas cruzes em túmulos, todos costumes judaicos.

Mas e Dona Cabocla que tem um altar com 26 santos? uma cruz na porta, mas também mantém todos estes costumes? E o padre de Seridó extremamente católico mas que se apresenta como um judeu da diáspora?

Nenhum deles tem lembrança de uma ancestralidade judaica, só sabem o que fazem. A herança psíquica, o que se faz inconscientemente sem saber por que o faz. Minha mãe fazia, minha avó fazia, isto vai se perpetuando. O Oratório, algo cristão mas que tem um símbolo judaico. Rezar para os santos, mas também para a lua nova. Por que ninguém se questiona por que faz aquilo? por que está enraizado, está no inconsciente, e se faz e nem se percebe que se faz. E em uma comunidade onde todos são parentes e agem igual, não há como perceber também estas diferenças, de como um cristão enterra um morto da forma como eles o fazem. Eles se espelham entre si.

Aos poucos, pessoas como Luciano passam a se questionar, e ir em busca destas raízes, querem ser reconhecidos como judeus, uma questão de identidade, já para outros são questões históricas e para Dona Cabocla é algo inconsciente.

Luciano vai em busca e se confronta com o judaísmo ortodoxo e percebe que não basta ser descendente. Primeiro, a descendência se dá pelo lado materno. Depois a questão dos judeus convertidos é delicada, os judeus não aceitam o retorno, muitos dizem que tem que morrer judeu. É preciso se converter para ser judeu, não apenas retornar. Na época quando ocorreu a perseguição na Península Ibérica não se aceitava que os judeus se convertessem ao cristianismo, mesmo que isto significasse sua vida ou de sua família, era considerado uma traição pelos judeus.
A questão é sobre ter que se converter, mas a conversão é para quem não é judeu se tornar um. O que Luciano busca é o retorno, é o reconhecimento de suas raízes. A conversão para ele seria como negar todo o passado, ser considerado como um judeu convertido, que inicia neste momento sua história judaica.

Novamente vemos aí questões de fé, preconceito, tolerância, aceitação. Para Luciano é importante o reconhecimento do outro, para Dona Cabocla basta ser o que ela é.

Uma ressalva para a belíssima canção cantada por Fabiane Araujo - Hatikvah no final do documentário.

Um documentário importante que revela sobre o Brasil, sua formação e sua constituição, trazendo a tona as origens de muitas práticas que são inconscientes.


Hatikvah - Esperança - Hino Nacional de Israel.

Elaine Eiger nasceu em São Paulo
Luize Valente nasceu no Rio de Janeiro