sexta-feira, 27 de novembro de 2015

FILME: CHRISTINA NOBLE - 2014


Direção: Stephen Bradley - 2014
Duração: 100 min
País de Origem: Irlanda

Cinebiografia de Christina Noble

O filme retrata a vida de Christina Noble desde sua infância pobre e difícil na Irlanda, quando sua mãe faleceu e o pai um alcoólatra não consegue cuidar dos filhos. A pequena Christina (Gloria Cramer Curtis) cantava muito bem, e isto a ajudava a ganhar um pouco de dinheiro para comprar comida. Porém o inspetor da escola que sempre quis pegá-la nestes momentos a denuncia e a polícia vai buscar todos. O tribunal decide que cada um irá para um orfanato diferente, demonstrando a total falta de sensibilidade da justiça irlandesa. A criança não se dará por vencida, tenta uma fuga mas não é bem sucedida, depois acaba aceitando sua situação.

Quando jovem ( Sarah Greene) ela sai do orfanato e vai ao encontro do pai que a engana para ficar com o único dinheiro que tinha dado pelas freiras para iniciar sua vida. Ela acaba dormindo em um parque que fecha a noite e consegue um trabalho numa lavanderia. Em uma das noites que retorna o parque é estuprada. Desta violência nascerá Tomas, num abrigo para jovens dirigido por freiras. Como é conhecido esta questão, inclusive é do que trata o filme Philomena, as freiras dão a criança para adoção. Christina nunca mais encontrará este filho.

Ela parte para Londres com uma amiga onde conhece seu futuro marido, porém este casamento que parecia finalmente ser um porto seguro, um lugar de paz, se transformará em violência doméstica. Finalmente ela se separa e vai embora com os dois filhos. 

O filme nos mostra simultaneamente a vida de Christina (Deirdre O'Kane)  já uma mulher madura, que vai para o Vietnã por causa de um sonho que teve. Ela não sabe o porque desta viagem, até que se dá conta de inúmeras crianças na rua, abandonadas, com fome. Principalmente o encontro com duas meninas órfãs que procuram comida no lixo a remeterá ao seu passado. Ela acolherá as meninas e cuidará delas. É então que percebe o que lhe reserva a vida, a mão que lhe faltou na infância ela decide dar aos outros, e desta forma dá início a um trabalho imenso onde se transformará na Mama Tina para milhares de crianças.



Ao conhecer um orfanato particular Christina irá se empenhar em conseguir verbas para melhorar e aumentar o mesmo. Não será uma tarefa fácil, ela terá que conseguir uma permissão de trabalho que lhe é concedida por 03 meses, e neste tempo mostrar que foi capaz de fazer algo. No último dia ao ir para o aeroporto Gerry ( Brendan Coyle), empresário de uma petroleira,  lhe avisa que ela conseguiu a verba.

É o início de um imenso trabalho que Christina fará pelas crianças abandonadas. Ela desenvolverá mais de 100 projetos no Vietnã e na Mongólia. Hoje são seus filhos que administram isto. 

Um exemplo de coragem, determinação e amor.

Christina Noble 

Stephen Bradley é um diretor, roteirista e produtor irlandês

terça-feira, 24 de novembro de 2015

FILME: PHOENIX - 2014


Direção: Christian Petzold - 2014
Duração: 98 min
País de Origem: Alemanha

Nelly Lenz (Nina Hoss) é uma sobrevivente de um campo de concentração nazista. Ajudada por sua única parente viva, Lene (Nina Kunzendorf) ela passa por uma cirurgia, pois seu rosto está desfigurado. Após retirar as bandagens ela não se reconhece no espelho o que a angustia. 

Com a morte de seus parentes Nelly é herdeira de uma grande quantia de dinheiro, e foi isto que possibilitou a cirurgia de reconstrução de seu rosto. Lene quer ir embora, ir para Israel e tenta convencer Nelly a ir também, porém esta deseja reencontrar seu marido Johnny (Ronald Zehrfeld) ao que Lene se opõe alegando que ele esteve envolvido em sua captura pelos nazistas. 

Porém Nelly não se convence e parte em busca do marido, encontrando-o trabalhando na boate Phoenix. Ele não a reconhece, mas percebe uma semelhança com sua esposa e faz um proposta de transformá-la em Nelly para poder ter acesso a herança que ela tem direito, mas para isto tem que estar viva o que Johnny pensa não ser possível. 

Nelly era uma cantora, e agora em meio aos escombros e diante de um marido que não a reconhece e do qual se suspeita a tenha entregue aos nazistas para se safar quando foi preso, ela tem que reconstruir sua identidade. É o se recriar, e se recuperar diante do trauma. 

O que ela tenta é voltar ao passado, é recuperar sua vida, ao contrário do que Lene lhe fala, em criar uma nova vida, em outro lugar, ela quer de volta o que era. O filme trata de traumas, de não se saber mais quem se é, de perceber de que se está morta para aqueles que se ama, que não tem mais identidade, de que não é mais quem era. 

Sobreviver a um campo de concentração, ter vivido o horror, e se encontrar com a desolação, com um não-lugar, com a destruição, e ainda ter que construir algo novo para si mesmo, ao invés de ser acolhido após tantos traumas. Aos poucos vamos assistindo ao mergulho de Nelly em seus medos enquanto tenta mentir para si mesma. É difícil enfrentar o real que se impõe, estar ao lado do homem que foi seu marido, e que agora é um estranho que não a reconhece, até chegarmos ao momento final do filme, de sua libertação, a partir do momento em que ela desce do trem, de uma beleza sensível e indescritível. 


Christian Petzold nasceu em 1960 em Hilden, Alemanha

DOCUMENTÁRIO: IRIS - 2015


Direção: Albert Maysles - 2015
Duração: 76 min
País de origem: Estados Unidos

Documentário sobre Iris Apfel

O documentário nos fala da vida de Iris Apfel, designer e um ícone de estilo na moda, mas o que realmente é interessante é ver esta mulher de 93 anos ativa, criando e vivendo. 

Ela criou um estilo próprio, chamado de fashion atualmente, excêntrico antes, mas que no fundo nos mostra que a moda é algo que se cria para si mesmo, é ter um estilo do qual você gosta e se sente bem, ou seja, é usar roupas que são sua pele, sua cara. 



Utilizando um pouco de tudo que ela garimpa em vários lugares ela vai compondo um visual, mistura, compõe, é pura arte. Uma colecionadora, possui muitas roupas de época, trajes, e objetos que aos poucos vai doando a museus em sua velhice. 



Pouco conhecida no Brasil é um ícone fora daqui, casou-se com Carl Apfel em 1948 e que completou 100 anos durante a filmagem, vindo a falecer em agosto deste ano, eterno companheiro, sempre juntos. 

Mas o filme vai além deste enfoque de moda e estilo, ela nos fala sobre o que pensa da vida, do que é considerado belo, e mostra que é possível sim criar e ter uma vida ativa e inspiradora aos 93 anos, mesmo levando em conta as limitações que o corpo nos coloca. 


Albert Maysles nasceu em 1926 em Dorchester, Boston, Massachusetts, EUA e faleceu em 2015 em Manhattan, Nova Iorque, EUA após as filmagens do documentário. 

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

LIVRO: IDENTIDADE E VIOLÊNCIA a ilusão do destino - AMARTYA SEN


Sen, Amartya. 1ª ed. Iluminuras, 2015
208 páginas
Tradução: José Antonio Arantes
Título Original: Identity and violence: the illusion of destiny

Um livro muito atual. O que Amartya defende é que não devemos considerar o outro por uma única identidade aglutinadora, uma vez que as pessoas são muito mais do que uma única identidade. Ao fazer isto, por exemplo, considerar os muçulmanos todos como terroristas, estamos alimentando um discurso de ódio que acaba levando à violência, sendo que a realidade é que alguns terroristas são muçulmanos. 

Um outro ponto extremamente importante é a questão de confusões conceituais que também leva à violência. Ele cita a globalização como um dos exemplos. Há uma ideia generalizada de que a globalização é algo ruim, e que acaba empobrecendo muitas pessoas além de explorá-las. É um fato que realmente isto ocorre, porém a globalização é muito mais do que isto, uma vez que sem ela não haveria a troca de ideias, a troca da ciência, da literatura, do saber. Então a questão não é a globalização em si, mas em como ela opera em diferentes setores. Ele também levanta a questão da ideia falsa de que a democracia seria algo ocidental. Se pensarmos a democracia como a possibilidade de todos participarem não é possível dizer que o Oriente não foi e não pode ser democrático, pelo contrário, é possível ver que a democracia neste sentido surgiu lá muito antes do que na Grécia. 

A questão nisto tudo é que acabamos cristalizando certas ideias e conceitos sem ampliar nosso pensamento o que nos leva infelizmente à pré-conceitos. 

Amartya cita o exemplo da Índia, um país considerado hindu e que tem um número maior de muçulmanos no país. Mas as pessoas são muito mais do que isto, se identificam com sua profissão, com sua situação social, com sua família, com sua língua e muito mais.

Um dos pontos forte do livro é a questão da falsa oposição entre Ocidente e Antiocidente que acaba sendo utilizado para criar ressentimentos que permitem os atos terroristas. É fato que certas atitudes e comportamentos de alguns países ocidentais acabaram criando este ressentimento, porém, é a insistência nesta divisão que alimenta o ódio, e não é apenas do lado do Oriente que isto é utilizado, pois quando os Estados Unidos alega ser difícil ou impossível "impor" a democracia no Iraque está fazendo a mesma coisa. Quando se pensa desta forma, agindo contra o outro, não se está se libertando do outro, pelo contrário, é uma mentalidade de colonizado.

Vale a pena ler o livro, aprendi muito com ele e sacudi um pouco minhas ideias e isto é sempre muito bom.

Amartya Sen nasceu em 1933 em Santiniketan, Índia. É economista e recebeu o Prêmio Nobel de 1998 pelas suas contribuições à teoria da decisão social e do "welfare state".

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

FILME: BABEL - 2006


Diretor: Alejandro González-Iñárritu - 2006
Duração: 142 min
País: Estados Unidos - México - França
Roteiro: Guillermo Arriaga

Babel é um filme denso e extremamente atual que pode ser visto sob várias perspectivas. Um ônibus com turistas travessa uma região do Marrocos, nele estão Richard (Brad Pitt) e sua esposa Susan (Cate Blanchett), um casal de americanos, e outros europeus. Eles fazem esta viagem numa tentativa de reconciliação. No alto das montanhas estão dois garotos, Ahmed e Youssef que são pastores de cabras. Eles acabam de ganhar um rifle do pai para proteger os animais dos chacais. Eles competem entre si para ser o melhor atirador e duvidam do alcance do tiro da arma, para tirar a dúvida atiram primeiro contra um carro que passa na estrada, não acerta, e depois contra o ônibus. Susan é atingida.

Os filhos de Richard e Susan ficaram nos Estados Unidos aos cuidados de Amélia ( Adriana Barraza) que é a babá dos dois desde pequenos. Ocorre que é o dia do casamento de seu filho e não há ninguém para cuidar das crianças. Richard lhe diz que sente muito, mas que ela não poderá ir. Amélia porém não quer deixar de ir ao casamento que é numa cidade no México, e decide levar as crianças junto. Seu sobrinho Santiago (Gael García Bernal) vem buscá-la de carro.

No Japão um homem tenta superar a morte trágica de sua esposa que se suicidou e ajudar sua filha (Rinko Kinkuchi) que foi a primeira a encontrar a mãe e é surda. Ela é jovem, e vive a adolescência com toda a efervescência da sexualidade.

Partindo deste roteiro estas vidas irão se entrecruzar de alguma maneira, e o tiro dado nas distantes montanhas do Marrocos de alguma maneira afetará a todos. O interessante é que isto nos leva a pensar justamente no fato de vivermos num mundo global, onde algo que ocorre num lugar distante afeta a vários outros lugares e pessoas, mas o paradoxo é que se por uma lado tudo parece ligado e próximo, o isolamento é cada vez maior. Podemos também ver a história em dois planos familiares, dos pais e dos filhos. O casal americano que tenta se reconciliar no Marrocos e seus filhos que estão nos Estados Unidos e que com a babá irão para o México. O japonês que deu a arma a um guia marroquino que é o pai da jovem que é surda, e a família marroquina e seus filhos de onde parte o tiro inicial da trama.

Há também todos os aspectos culturais e do medo do estranho e os preconceitos. Aqui também novamente vemos também a falta de comunicação em função seja de ideias preconcebidas em relação ao outro ou pela própria língua falada, onde quando um marroquino fala a um americano, não há muita diferença da surdez da jovem em Tóquio. 

O comportamento dos europeus no Marrocos e do casal americano. Eles sentem medo das pessoas, se sentem em perigo na aldeia marroquina, estranham tudo e querem ir embora. Susan antes de ser atingida tem um gesto com o gelo quando almoçam jogando fora, dizendo que não se sabe de onde vem a água. Já os Marroquinos estão curiosos com o que está acontecendo, é uma vila do interior, algo de diferente está ocorrendo. Eles são prestativos, mas com sua aproximação assustam ao estrangeiro. Porém serão eles que serão solidários com Richard e seu drama, pois os europeus irão embora com o ônibus abandonando-os a sua sorte. O guia marroquino fará de tudo que for possível para ajudar e eles serão acolhidos na casa dele. 

Nos Estados Unidos o sobrinho de Amélia não se agrada dela levar as crianças, mas aceita. O menino diz que sua mãe lhe falou que o México é perigoso. Mas apesar do receio inicial, dos sustos, como crianças, acabam brincando com as outras crianças e se divertem muito na festa de casamento. O problema é na volta, quando o sobrinho embriagado cria confusão na alfandega diante da desconfiança do policial que ali está. Aqui vemos nitidamente os dois lados, o policial que desconfia dos mexicanos e os considera de alguma maneira um problema, e o mexicano que por saber que são vistos assim não é nada simpático e inclusive um tanto revoltado. Ele fura a barreira e se dá início uma perseguição que o levará a abandonar a tia e as crianças em pleno deserto. Amélia tenta encontrar ajuda, mas é presa. Apesar disto as crianças são encontradas, mas afastadas do perigo chamado Amélia, que ao ver da polícia é perigosa para elas, justo ela que as criou desde pequenas. O resultado é sua deportação para o México. A lei é fria e não leva em conta nada, as relações humanas que existiam ali, os 16 anos de vida de Amélia nos Estados Unidos, tudo isto é desconsiderado.

Os meninos marroquinos logo no início percebemos a rivalidade dos irmãos e que se acentua quando o pai designa o menor para dar o primeiro tiro o que faz com que o mais velho reaja. Ele pode dar o primeiro tiro, mas erra e isto é comentado. Youssef também observa a irmã se trocando, e depois acaba se masturbando nas montanhas. É esta rivalidade que irá levar ao tiro que dá início ao que ocorre no filme, é o gatilho. Youssef ainda é uma criança, mas que já se interessa por seu corpo e pelo o que sente. Seu irmão que é mais velho se contém, mas provavelmente também desejaria ver a irmã nua, que por sua vez é conivente com o irmão. Isto virá a tona quando o pai descobrir o que eles fizeram e que foram responsáveis pelo tiro, e ao inquiri-los Ahmed falará tudo, inclusive sobre isto, onde percebemos a raiva e a inveja que sentia de seu irmão mais novo e entregando-o se ilude ao acreditar que agora será o bom filho amado.

O tiro irá se transformar num atentado terrorista, principalmente com o incentivo da imprensa. De um acidente, de uma rivalidade entre irmãos que acabam cometendo um grande erro, chegamos ao terrorismo, e a polícia procura os terroristas. Um absurdo neste contexto, mas que demonstra a paranoia que é muito atual em relação ao outro, e principalmente do Ocidente em relação aos muçulmanos  confundindo pessoas que tem uma religião com pessoas desta mesma religião, mas que são terroristas. 

Enquanto isto a jovem no Japão se defronta com suas questões de sexualidade, ela tem dificuldades em lidar com isto, e acaba apelando para formas simbólicas ou gestuais para sinalizar seu desejo, de uma forma errônea, sem saber como agir. Como isto é recebido ou com risadas ou com rejeição ela se sente cada vez mais só em seu mundo. Ela tenta chamar a atenção, ser desejada, ser amada. Apesar de seu pai tentar ajudá-la há uma distância entre eles, primeiramente a típica de jovens em relação aos pais, mas também há uma frieza, uma falta de afetos, de aproximação maior, até que finalmente diante de algo que talvez desperte em seu pai um medo do suicídio, ele se rende a abraçá-la com amor. 

Poderíamos questionar o que leva um pai a dar uma arma a duas crianças? Ali trata-se de um ritual masculinizante, e para proteger o rebanho, matar os chacais que atacam as cabras. Mas a imaturidade dos dois os leva a competir entre si para dar tiros. A jovem no Japão apesar de surda tem um grupo, ela é inserida socialmente, mas lhe falta a mãe e outra mulher mais velha para lhe servir de espelho em sua feminilidade e como atuar com ela. Eles vivem num belíssimo apartamento com conforto, mas este espaço é frio e silencioso. 

Há também a questão do enfoque do filme. Em alguns momentos senti que o Marrocos e o México estariam sendo enfocados por um ângulo de muita pobreza, promiscuidade, como por exemplo, alimentos cheio de moscas em cima, mas se pararmos para analisar o filme veremos que o enfoque do europeu e dos americanos nos mostra uma suposta demonstração de superioridade , que estão amedrontados, são preconceituosos, tentando preservar-se longe de tudo que eles consideram uma civilização inferior, mas são tão sozinhos e desamparados quanto os outros. O Japão e sua bela cidade moderna, belos apartamentos, e a solidão, o vazio das vidas. Já o Marrocos com sua aparência de pobreza, não se esquecendo que as vilas de montanhas são assim, nos mostra um povo muito mais caloroso e hospitaleiro. Assim como os mexicanos e toda sua festa em torno do casamento. Como poderia uma mãe mexicana deixar de ir ao casamento de seu filho? A cena que mais me tocou foi quando Richard ao ir embora abre a carteira e retira dinheiro para pagar ao guia, que por sua vez recusa. Há uma incapacidade do americano em ver no outro alguém que foi solidário e que o acolheu em seu momento de dor e dificuldade, é como se ele considerasse que o outro lhe prestava um serviço e que teria que ser pago, e com isto também não há uma dádiva ali, mas ele quitaria sua dívida pagando.

Também me chama a atenção que apesar de Richard não dar queixa de Amélia, em momento algum ele se dispõe a defendê-la perante as autoridades levando em conta que ela estava com eles desde que seus filhos eram pequenos. O que vejo é a repetição do ato com o guia, ela era paga, ele não devia nada à ela. E por um lado não deixa de ser correto, é um trabalho, mas por outro me pergunto se caso fosse uma pessoa americana se ele não agiria de outra forma. De qualquer maneira talvez o fato de não dar queixa já seja uma maneira de demonstrar que ele aprendeu algo com tudo que ocorreu, seja o possível para ele dentro da cultura que vive. 

Ao final o que vemos são acontecimentos da vida, não há nenhum terrorismo, nenhum sequestro de crianças, nenhum tráfego de drogas nem de armas, exceto os criados pela mente humana dentro de seus preconceitos, medos, intolerância ao outro, dificuldades em lidar com o diferente, e a arrogância de alguns de se considerarem superiores ao outro e os efeitos que isto provoca. E é muito válida a crítica à imprensa que sempre sensacionaliza tudo, apelando para estes jargões e deduzindo em tudo um ato terrorista. 



Alejandro González Iñárritu nasceu em 1963 na Cidade do México, México. 

LIVRO: MINHA PARIS MINHA MEMÓRIA - EDGAR MORIN



Morin, Edgar. 1ª ed. Bertrand Brasil, 2015
224 páginas
Tradução: Clóvis Marques
Título Original: Mon Paris, Ma Mémoire

Neste livro Morin nos traz uma autobiografia de sua vida através dos endereços onde morou em Paris, uma vez que foi nesta cidade que ele viveu seus momentos mais importantes, confundindo suas memórias com as da cidade e todos os eventos ocorridos ao longo dos anos, desde seu nascimento até os dias atuais. 

Mas Morin não nos fala apenas sobre eventos públicos, mas principalmente sobre ele mesmo diante destes acontecimentos, assim como sobre o que ocorria em sua vida pessoal. Sua infância, sua adolescência, seus amores, sua vida acadêmica, seus aprendizados com a vida e suas lutas.

Lendo as memórias de Morin nos damos conta de como ele formou seu pensamento complexo. Ele nos relata a história de seu país e de sua cidade através de sua história passando pela Resistência durante a Segunda Guerra, sua adesão ao comunismo e depois sua saída, suas amizades, e  me interessei especialmente pela amizade com Marguerite Duras.

Morin é também um grande cinéfilo e no livro nos fala dos principais filmes que marcaram sua vida. Agora o mais impressionante é seu desejo de viver, e mesmo agora, nonagenário continua ativo e vivendo o que o mundo oferece de bom e de ruim, sempre aprendendo e buscando compreender.

Este livro nasceu de seu desejo de escrever sobre Paris como palco de suas memórias após pronunciar o discurso de agradecimento ao receber em 05 de junho de 2012 das mãos do Prefeito Bertrand Delanoë a Médaille de Vermeil de la Ville de Paris.

Edgar Morin nasceu em 1921 em Paris, França.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

FILME: A PELE DE VÊNUS - 2013



Direção: Roman Polanski - 2013
Duração: 96 min
Título Original: La Vênus a la fourrure
Roteiro: Roman Polanski e David Ives
País: França - Polônia


Baseado no romance do século XIX do austríaco Leopold Sacher-Masoch publicado em 1870 que acabou originando o termo masoquismo, baseado em seu nome.

"E o todo poderoso o golpeia e o coloca nas mãos de uma mulher."

"Amar e ser amado é como ser encantado. Entretanto, mais forte e mais lindo. E esse tormento que me consome. A cópula com essa mulher para a qual sou um brinquedo, um escravo miserável, servil, o chão onde ela pisa, minha deusa, minha ditadura, minha vênus coberta por peles."

Thomas ( Mathieu Amalric) é um dramaturgo que pretende encenar no teatro uma livre adaptação do livro de Sacher-Masoch. Ele está a procura de uma atriz e tem dificuldades em encontrá-la. Mas eis que surge Vanda ( Emmanuelle Seigner), atrasada, toda atrapalhada, quase que implorando uma chance para fazer o teste do papel de Vanda, pois o personagem tem o mesmo nome.



Se no início Vanda parece despreparada além de criticar a peça aos poucos ela adentra o personagem de forma impressionante e conduz Thomas a desempenhar o papel de Severin. De repente já não sabemos o que é encenação e o que é realidade, os papéis se invertem, há momentos que Vanda o chama de Thomas e outros de Severin, levando-o a confessar que há muito de sua vida pessoal na peça.

Quando Vanda lhe passa (à Severin) a sua "pele" (no filme um cachecol de lã), suas mãos tremem. Vanda lhe pergunta o porque e indaga se em sua infância não houve algo ao que Severin responde: " nós todos somos explicáveis e permanecemos inextricáveis. A vida nos faz ser o que somos num instante, imprevisível." É quando ele lhe conta sobre sua tia que usava uma pele. Ele foi uma criança terrível que perturbava a vida dos criados e do gato, e também não se portava bem com sua tia, até o dia que ela resolve se vingar e lhe dar uma lição. Ela entra em seu quarto junto com duas criadas munida de uma vara, ele tenta fugir, mas as criadas o seguram, é jogado sobre a pele, e elas cavalgam sobre ele enquanto de calças arriadas a tia lhe dá uma surra, o chamam de menina. A tia ainda o obriga a agradecer de joelhos e a beijar seu pé. A partir deste dia uma pele nunca mais foi uma simples pele e uma vara uma simples vara. "Em um instante ela fez de mim este que sou agora."

Até os dias atuais ela retorna em seus sonhos, e Severin diz à Vanda que ela lhe ensinou a coisa mais preciosa do mundo, que nada é mais sensual que a dor, nem nada mais excitante que a degradação. Ela se tornou meu ideal diz ele. Desde então eu procuro sua réplica e quando encontrar essa mulher me casarei com ela.

Há muito de psicanálise nisto. Quando nos apaixonamos geralmente o fazemos por nós mesmos,ou seja, vemos no outro nosso ideal. Aqui no filme talvez Séverin diz meu ideal como o ideal de mulher para ele, ou seja, alguém que o faça sofrer. Mas ao nos apaixonarmos também vemos um traço, que geralmente é de nossos amores objetais primários, ou seja, normalmente a nossa mãe. Porém em casos de abusos na infância, de algo que marca muito forte, que causa um trauma, esta marca pode mudar e permanecer se não for analisada e desvendada, para poder ser superada. Há a introjeção do agressor ou a posição de objeto deste agressor. De cruel ele passa a ser o objeto da crueldade de outro, de um sádico. Por que sua tia bem o é, uma vez que não seria necessário isto para educar o garoto.

O filme pode ser visto também sob o viés da questão do poder. No amor como na política, só um pode ter o poder, diz Severin. Vênus só pode reinar em um mundo de escravos. No início Vanda parece frágil, está à mercê do poder do diretor da peça do teatro, mas aos poucos isto muda, e na medida em que ambos vão ensaiando a peça, eles encarnam seus personagens, trocam de lugar, e ao final temos Vanda no lugar do mais forte, do que subjuga o outro.



Mas se pensarmos no que aconteceu na infância de Severin, e o diretor Thomas não nega que há muito de sua vida e de si mesmo na peça, vamos ver alguém que tem o desejo da dor como prazer, e que irá em busca de alguém que seja o sádico. Porém Vanda questiona isto, não aceita o desejo de dominar pois compreende que ele ao lhe pedir que o domine a está submetendo ao desejo dele e com isto a domina. É aqui o ponto da liberdade de Vanda que não entra neste "jogo" nem de poder, nem do sadomasoquismo.

Temos uma cena num divã onde Vanda nos parece assumir o lugar de um psicanalista. Thomas está no divã e ela lhe fala de sua noiva e da relação dos dois. Fala sobre o desejo dele.

Um filme que fala do amor, do patológico, de desejos, de poder. Do querer ser um objeto para preencher um espaço vazio que se vê no outro.



Roman Polanski nasceu em 1933 em Paris, França. Emmanuelle Seigner, protagonista deste filme é sua esposa.