sexta-feira, 31 de julho de 2015

FILME: VOYAGE EN CHINE - 2015


Direção: Zoltan Mayer - 2015
Duração: 95 min
País: França

Liliane (Yolande Moreau) é casada com Richard (André Wilms), um homem que lhe dá pouca atenção. Em uma noite ela recebe um telefonema que seu filho Christophe faleceu em um acidente na China, onde estava morando. Liliane deseja trazer o corpo do filho para a França, mas se depara com uma burocracia infinita e incompreensível que não lhe esclarece absolutamente nada. Finalmente se decide a ir pessoalmente à China para buscar o corpo, mas irá sozinha, não quer que o pai a acompanhe, uma vez que pouco se importou com o filho durante toda sua vida, não precisa se importar agora. 



Esta viagem de dor e luto irá mudar a vida de Liliane completamente. Ela chega a um país com uma cultura totalmente diferente da sua e sem falar uma palavra de chinês. Sentimos em nós a angústia que isto causa, sem poder compreender ninguém, nem falar com o outro, porém há uma diferença crucial, pois não existe muita diferença entre seu percurso na França em busca de informações de como transladar o corpo do filho, onde todos falam francês, mas não dizem nada e não se compreende nada, e sua situação na China com a língua, mas ali as pessoas a acolhem, se esforçam para compreender e ajudá-la. 




Ela irá para o interior do país, e as paisagens são belas. Conhecerá Danjie (Qu Jing Jing) que foi a namorada de seu filho. Será acolhida pela senhora dona da hospedagem e fará um amigo que a ajudará a conseguir os documentos necessários. É justamente aí que vemos quando o ser humano deseja ajudar o outro ou não. Mesmo sem falar chinês e eles sem falarem francês, ela consegue o que precisa. 



Liliane conhecerá os amigos do filho e saberá algumas coisas sobre sua vida. Ela sente não ter ido antes quando ele ainda estava vivo, e começa a escrever uma espécie de diário onde conversa com ele sobre suas impressões do que está vivendo, como forma de compensar este vazio que sente. Ao descobrir que para o taoismo as pessoas que morrem em acidentes não vão para o céu, ou nirvana, ela resolve com Danjie cumprir os rituais necessários para que sua alma se liberte. E depois opta pela cremação por ser uma forma mais fácil inclusive de levar o filho para a França, realizando também o ritual fúnebre na China. 



Um filme que mostra que a dor muitas vezes é uma porta para uma nova vida, pois nos dá coragem de agir. 


Zoltan Mayer nasceu na França 

FILME: FOTÓGRAFO - 2015


Direção: Irena Pavlásková - 2015
Duração: 120 min
Título Original: Fotograf
País: República Tcheca

Não conhecia nada sobre o fotógrafo Tcheco Jan Saudek, mas ele me lembrou Lucian Freud, neto do psicanalista, que desenha e pinta também as pessoas que não correspondem exatamente ao ideal de beleza e de corpos magros que a sociedade nos impõe atualmente, e penso que isto é importante, pois a beleza está muito além destes estereótipos. 

A vida de Jan Saudek (Karel Roden) é centrada nas mulheres, desde as que pousavam para ele até as que a rodeavam em sua vida, o que nem sempre dava bons resultados para sua vida pessoal, uma vez que uma mulher quando se sente rejeitada ou trocada por outra é capaz de ser extremamente vingativa e é o que faz Líba (Marie Málková) se apoderando de tudo que ele possui. Jan apesar de lutar para tentar reaver seus bens e os negativos de suas fotos não se dá por vencido, e recomeça sua vida de artista e também de eterno amante das mulheres. 



Jan Saudek é filho de judeus e esteve num campo de concentração quando criança escapando por pouco das experiências de Josef Mengele, ele sobreviveu. Sua arte talvez reflita inconscientemente esta parte trágica de sua infância, quando conheceu de perto o horror, os limites humanos e a extrema magreza e fome. Ele tem uma percepção crítica e ácida sobre a sociedade que se finge de moralista enquanto em suas mentes são devassos e desejosos. 

Saudek é pouco conhecido no Brasil, mas é o mais importante fotógrafo da República Tcheca e reconhecido na Europa como um dos maiores fotógrafos. Ele tira fotos principalmente de mulheres gordas com um fundo marrom claro e depois as pinta à mão deixando-as com tons sépia e aparência do século XIX. Ele representa uma sociedade livre e erótica. 



Em suas palavras: "Para mim a diferença entre Arte e Pornografia é simples. Você pode olhar a Arte por uma eternidade, enquanto a pornografia você olha rapidamente e coloca de lado, porque tudo é explícito; não há mistério, a fantasia não tem espaço ali." 



Uma definição perfeita entre o real e o imaginário, e o amor e o sexo necessitam do imaginário e da fantasia. Sem o véu, o mistério, ele é como diz Saudek , algo que se olha rapidamente, ou nem se olha. 

Suas fotos são realmente impressionantes e interessantes.Fotografa modelos nuas ou vestidas, ou semi cobertas, captura cenas belas e estranhas, mas podemos ver em suas fotos algo como quando olhamos um homem ou uma mulher e o despimos mentalmente, ou imaginamos algo diferente do que está ali. É o imaginário, a fantasia atuando sobre o real. É o que desejamos fazer e não temos a coragem ou audácia para fazer, é o que desejamos ver. Seria como o que o inconsciente deseja. 

Coincidentemente ontem vi um artigo na internet sobre uma fotógrafa brasileira, Mariana Godoy, que também faz ensaios com fotos com mulheres gordas. Ela fiz que gosta e usa a palavra gorda justamente para combater a gordofobia. Já Saudek ao ser questionado sobre sua preferência por mulheres gordas e se isto estaria relacionado a sua passagem pelos campos e concentração o nega dizendo que gosta de mulheres gordas e que a maioria dos homens é assim, apenas não o admitem. 



Irena Pavlásková nasceu em 1960 em Frýdek-Místek, República Tcheca


Jan Saudek nasceu em 1935 em Praga, República Tcheca





quarta-feira, 29 de julho de 2015

FILME: A HISTÓRIA DA ETERNIDADE - 2014


Direção: Camilo Cavalcante - 2014
Duração: 120 min
Roteiro: Camilo Cavalcante
País: Brasil

Nosso sertão tantas vezes filmados está novamente neste filme, porém não vem para nos contar a dura vida do povo que o habita, ou falar das secas ou das injustiças, mesmo que a seca esteja presente no filme, o que este filme traz é a história de três mulheres e seus desejos. 



Logo no começo do filme vemos passar um enterro naquela vastidão com uma única árvore onde se abriga um sanfoneiro cego e um menino. É o enterro de uma criança e a mãe Querência (Marcelia Cartaxo) o segue com dor, apoiada por Das Dores (Zezita Matos). Em seguida vemos Alfonsina (Débora Ingrid) ouvindo uma música num rádio a pilha e sonhando com o mar até que seu pai (Claudio Jaborandy) e irmãos chegam e ela precisa servir a janta. Ela nunca senta à mesa com o homens.Em seguida ela pede permissão para fazer o prato de seu tio Joãozinho (Ihandhir Santos) e o leva até sua casa, este irmão desprezado por seu pai por ser um artista, se dedicar à arte e representações, e por isto considerado um vagabundo que nada faz, além de louco, porque ele tem epilepsia. 


Estas três mulheres que desejam, tem pulsões, amam, sonham e vivem neste pequeno vilarejo no meio do sertão limitadas pela região, pela seca, pela pobreza, pelas dificuldades e pelos homens, que são rudes, mas também doces como o sanfoneiro e Joãozinho, todos em tão pequeno espaço, mas que são como todos, como o ser humano, capazes de sonhar, de criar, de desejar, mas também de matar ao outro. 

Alfonsina a mais jovem, vai completar 15 anos e seu maior desejo é ver o mar. Ela pede ao seu pai que a leve, mas ele diz que ela ficou doida, mas que vai fazer um forró e matar quatro bodes para a festança. A jovem fica triste. Seu tio então lhe diz que tem uma surpresa e que tem a ver com o mar, mas que lhe dirá o que é no seu aniversário, o que será uma das mais belas cenas do filme, quando a arte e a imaginação é capaz de vencer todos os limites e trazer o mar para o sertão. A jovem está na fase das descobertas sexuais, e quem mais do que seu tio com sua sensibilidade poderia atraí-la? Ele resiste, mas ela não desiste. 



Querência logo no começo tem um homem que vai embora. O sanfoneiro esperava por isto há muito tempo, mas ela está triste, de luto. Ele então lhe diz que vai ficar ali fora tocando até ela abrir a porta e deixar seu amor entrar. 



Das Dores é viúva e quem cuida da igreja, tem um oratório em casa e sempre reza. Sua filha liga e avisa que o neto está indo para lá. O jovem chega, mas ele não foi para lá para visitar sua avó, está fugindo, fez coisas ruins e está sendo procurado, querem matá-lo. Das Dores sente atração pelo garoto. Ela abre sua mochila, pega uma cueca, depois encontra uma revista pornográfica que fica olhando. Seu corpo clama, arde. Ela o observa dormir. 



Joãozinho prepara uma apresentação. Coloca seu toca discos do lado de fora, ele teceu uma rede como de pescaria com vários objetos pendurados, usa como se fosse um xale e dança com a música "Fala" dos Secos e Molhados. 



Neste aparentemente pequeno mundo vemos um panorama do ser humano com seus desejos e dores, e a história da eternidade que se repete, onde o trágico acompanha sempre o humano. Também fiquei pensando no nome Alfonsina que deseja ver o mar e Alfonsina del mar.

Se Guimarães Rosa dizia que o sertão é o mundo, Cavalcante faz um filme onde mostra isto. 

Belíssimo filme. 

Camilo Cavalcante nasceu em 1974 em Recife, Pernambuco

FILME: M. BUTTERFLY - 1993


Direção: David Cronenberg - 1993
Duração: 100 min
Roteiro: David Henry Hwang
País: Estados Unidos

Filme impressionante! Lembrando de início que não se trata de Madame Butterfly, a ópera sobre a história de um oficial da marinha americana Benjamin Pinkerton que se casa com uma gueixa Cio-Cio San. Ele retorna aos Estados Unidos prometendo voltar, o que não faz e se casa com uma americana. Butterfly (Cio-Cio San) então se mata. A ópera é de Giacomo Puccini e o filme esta relacionado a ela e também a fatos reais que inspirou uma peça de teatro de David Henry da qual o filme é a adaptação, sobre o relacionamento entre um diplomata francês, Bernard Boursicot, e um cantor da ópera de Pequim, Shi Pei Pu. 



René Gallimard (Jeremy Irons) é um diplomata francês em Beijing, China, nos anos 60. Ele conhece Song Liling numa apresentação na Embaixada que canta Madame Butterfly e se impressiona com ela. René é casado com Jeanne ( Barbara Sukowa), mas se apaixona por Song. Eles iniciam um relacionamento, e são separados quando começa a Revolução Cultural na China. O Embaixador Toulon (Ian Richardson) diante da depressão de René pela separação resolve que ele vai voltar para a França. 



Não entrarei em detalhes do filme, vale a pena assistir. Mas o que me impressionou é que se trata de um dos melhores filmes que assisti sobre a patologia do amor, quando completamente cegos não enxergamos mais nada.



René vê em Song uma idealização de mulher perfeita, influenciado por ela mesma e por tudo que sabe sobre a cultura oriental, onde a mulher é educada para agradar ao homem. Seu casamento não ia bem, e seu desejo é despertado diante de Song, ele se encanta e isto o torna absolutamente cego, a um ponto inimaginável que para muitos é difícil de compreender e acreditar, mas o fato é que isto é possível. Quando alguém se apaixona em geral se apaixona ou por si mesmo ou pelo o que vê na pessoa e deseja para si, mas isto normalmente está muito longe de quem é o outro. Quando a paixão se desfaz é que veremos o outro já de uma outra maneira, mas mesmo assim sempre permanece um véu, uma máscara atrás da qual está o verdadeiro outro. O filme nos mostra como funciona a paixão para o que está envolvido nela, que perde a noção do que é real para criar para si mesmo um ser desejado que é o objeto da paixão. 

A falta que René tinha e que preenchia com seu trabalho, e em sua dedicação inclusive de ser incorruptível desagradando aos seus colegas se volta para Song, ela vem preencher este lugar, e desperta em René o que ele escondia de si mesmo e não conhecia. 

Para se aprofundar mais é preciso falar do filme e do que acontece. 

David Cronenberg nasceu em 1943 em Toronto, Canadá

terça-feira, 28 de julho de 2015

LIVRO: QUE FIM LEVOU JULIANA KLEIN? - MARCOS PERES



Peres, Marcos. 1ªed. Record, 2015
347 páginas

Um livro que traz como cenário Curitiba tanto a de Dalton Trevisan como a do Batel. 

Um delegado de polícia de Maringá é chamado para ajudar num caso em Curitiba. Irineu chega no aeroporto Afonso Pena e se dirige para o casarão do Batel para encontrar Gabriela Klein, a filha de Juliana que está traumatizada com o último episódio sangrento da família. Aos poucos Irineu vai nos contando esta história que começa na Alemanha, a briga filosófica entre os Klein defensores da filosofia de Nietzsche e os Koch, que agora são professores da Universidade Federal do Paraná e da Puc.

O desaparecimento trágico de Juliana Klein foi precedido por outros assassinatos como o de Teresa Koch, professora da Puc, assassinada no teatro Guaíra pelo marido de Juliana após uma conferência onde ela defende que o destino não existe.

Irineu foi o responsável pela prisão de Salvador, o marido de Juliana, e se apaixonou por ela lhe prometendo proteger sua filha Gabriela. Agora diante de mais um assassinato,desta vez de Mirna Klein, a irmã de Juliana, ele volta a se envolver nesta eterna briga de famílias.

Ao longo das páginas somos informados do passado e acompanhamos as novas ocorrências trágicas que envolvem estas família e de sua briga dita filosófica. Juliana sempre dizia que tudo se repete, tudo retorna, e explicava para Irineu o pensamento do Eterno Retorno de Nietzsche, que tudo se repetiria.

Um romance policial filosófico onde a resposta para o mistério se encontra na filosofia de Nietzsche. Não quero me adiantar mais para não tirar o prazer de quem for ler o livro, mas me permito ter um enfoque por outro viés, ou seja, pela psicanálise. Aliás, sempre encontro um paralelo muito grande entre Nietzsche e Freud.

O Eterno Retorno de Nietzsche e a herança psíquica são muito próximos, e é o que veremos no decorrer do livro. A repetição de tudo, com a diferença que  podemos romper o círculo da repetição ou o tempo cíclico de Nietzsche, desde que conheçamos o que move o inconsciente e que nos faz sempre repetir e que acabamos passando aos nossos filhos. E no livro percebemos isto, o quanto tudo se repete e volta, e retorna, só que a ruptura não ocorre.

O autor também se utiliza da Divina Comédia de Dante, com a inscrição da porta do inferno onde contém uma aviso sobre deixar toda esperança do lado de fora, e na porta do quarto de Gabriela tem uma placa que diz que ali tem esperança. Associando a filosofia de Nietzsche o que realmente isto quer dizer é que a esperança é algo que se projeta, algo que se espera, e com o eterno retorno ela deixa de existir.A questão é um tanto religiosa, ou seja, não há vida após a morte, não há esperança que algo mude, exceto no aqui e agora. O inferno é o aqui, o presente, o único lugar onde se pode fazer algo de bom que então irá se repetir.

Ao final do livro teremos três versões para o que aconteceu, mas eu não deixo de fazer uma pergunta em relação à uma das pessoas assassinadas e que é: como o corpo foi retirado da mansão? O que deixa em aberto mais uma possibilidade que foi levantada pelo delegado Irineu já no final da história.

Marcos Peres nasceu em Maringá - PR. 

domingo, 26 de julho de 2015

FILME: OS MEUS BONS CONTERRÂNEOS - 1969



Direção: Vojtech Jasny - 1969
Duração: 120 min
Título Original: Vsichni dobrí rodáci
País: República Tcheca

Uma pequena aldeia na Morávia, antiga Tchecoslováquia, em 1948 após o fim da Segunda Guerra Mundial vemos sete amigos cuidando de suas vidas e se encontrando sempre para beber , cantar e tocar música, numa relação boa, de fraternidade. Aos poucos somos apresentados a cada um deles. Tudo estaria perfeito não fosse que agora que os nazistas se foram aparecem os soviéticos e o socialismo que acabará por dividir estes amigos, sendo que alguns ficarão ao lado de Frantiek (Radoslav Brzobohatý) que fará oposição ao regime político.



Um filme sobre a realidade do socialismo muito longe de sua utopia e teoria e de como o ser humano, independentemente do regime político se deixa corromper pelo poder. Mas nada dura para sempre, e as situações se invertem.



Fico pensando que muitos países do norte Europeu sofreram com a Segunda Guerra, mas após seu fim retomaram sua liberdade política, o que não ocorreu no leste e este filme retrata justamente isto, um local pacato, pequeno, que sofre as consequências de outro regime político. Gostei muito do filme e também do fato de trabalhar com os aldeões , alguns já bem idosos, retratando como funciona a vida nestes lugares pequenos e rurais, e por outro  lado mostrando como se obriga uma pessoa a fazer o que não deseja, mesmo com toda lealdade que sentem por Frantiek o medo muitas vezes é maior. O que era uma aldeia pacífica e o que eram amigos unidos pelo afeto se transforma e se perdem os laços entre as pessoas, em função de um regime político.

Assista um trecho:



Votjtech Jasny nasceu em 1925 em Kelc, República Tcheca 

FILME: TERRA D'ÁGUA - 1992


Direção: Stephen Gyllenhaal - 1992
Duração: 95 Min
Título Original: Waterland
Roteiro: Graham Swift 
País: Reino Unido e Irlanda do Norte

Um filme sobre as consequências de atos da juventude que acabamos carregando por toda uma vida e também de nossa história familiar e que se refletem nas escolhas que fazemos. 

O professor de História Tom Crick (Jeremy Irons) sofre críticas de seus alunos, principalmente de um deles, Price (Ethan Hawke) que questiona para que serve a História e usa o discurso do fim da História. Diante de jovens que não conseguem mais visualizar a importância desta disciplina e que influenciam inclusive as decisões da escola em Pittsburg , uma vez que se valoriza a produção e ganhar dinheiro e se esquece que é preciso também aprender a viver, o professor mostra que somos todos história, e o faz de uma forma diferente contando sua própria história que começa na Inglaterra.

É interessante a forma como foi filmado as lembranças do professor, levando a todos para a época vivida, como ocorre no filme (mini-série) O mundo de Sofia - Romance da filosofia, ou apenas como uma lembrança. A história de vida de Crick e de sua esposa Mary (Sinédia Cusack)  é revivida desde a juventude e está repleta de descobertas, amor, crueldade, incesto, sexualidade, culpa, dores que nunca foram resolvidas, mas é justamente trazendo este passado à tona e ao revive-lo de outra maneira, com outro olhar e significação, que é possível sim encerrar uma etapa da vida, mas ela continua, e é aí que está a possibilidade de uma vida ter outros finais, e não apenas uma que termina. 

Fugir não resolve, negar também não, esquecer não é possível, somente lembrando se esquece. Tom e Mary tentaram esquecer mudando-se para outro continente, mas não é a distância física que modifica algo, você se carrega junto em qualquer viagem, é preciso sim enfrentar o passado, interpretá-lo, falar sobre ele, pois somente assim os fantasmas nos deixam. 

Stephen Gyllenhaal nasceu em 1949 em Cleveland, Ohio, EUA. 

quinta-feira, 23 de julho de 2015

FILME: BEM VINDO À ALEMANHA - 2011


Direção: Yasemin Samdereli - 2011
Duração: 101 min
Título Original: Almanya Willkommen in Deutschland
Roteiro: Yasemin Samdereli e Nesrin Sandereli
País: Alemanha

Este filme é muito atual, e nos mostra o lado oposto, de como se sentem os imigrantes ao chegar a um país e do quanto também estranham a cultura local. 

Logo após a Segunda Guerra devido a falta de mão de obra a Alemanha abriu suas fronteiras para receber imigrantes, principalmente turcos. 

Hüseyin (Fahri Yardim) era um jovem turco que se apaixonou por Fatma (Demet Gül), como a família dela foi contra o casamento eles fugiram. Mas a vida de casados e a vinda dos filhos não foi fácil, e por mais que Hüseyin trabalhasse nunca era o suficiente, até o dia que ouviu sobre as propostas de trabalho na Alemanha. Ele foi o primeiro a partir deixando sua família na Turquia. Mais tarde a família toda se mudou para lá. 



Vemos logo no início do filme um garoto, o neto de Hüseyin (Vedat Erincin) que se encontra num dilema de identidade. Na escola ele não pode fazer parte do time de futebol dos turcos porque não fala a língua deles, e não pode fazer parte do time alemão, porque não o consideram alemão. E eis aí resumido o conflito que sempre acompanha os imigrados, a falta de um lugar, de reconhecimento e a pergunta: quem sou eu? 

Nesta mesma época seu avô e sua avó Fatma (Lilay Huser) recebem o passaporte alemão, após muitos anos vivendo ali o que deixa Fatma feliz, mas não Hüseyin. Diante da situação de seu neto que chega em casa com um olho roxo devido a briga por causa dos times de futebol ele começa a remorar sua história, que vai sendo relatada por sua outra neta, que se encontra grávida do namorado, um inglês. Finalmente o avô se decide que é hora de passar férias na Turquia e compra uma casa lá. A família toda embarca para lá.

Ao longo do filme nos divertimos com as situações hilárias da vinda da família para a Alemanha e as diferenças culturais, o aprendizado da língua, as primeiras compras, o convívio com os outros. Também vemos a cultura turca na rememoração da vida dos avós quando jovens. 

Durante as férias o avô acaba falecendo e novamente surge a situação: tem que ser enterrado no cemitério dos estrangeiros porque o passaporte é alemão, mas ele nasceu ali e viveu ali muitos anos. O filme retrata bem todas estas questões de ser de um país e viver em outro, de adquirir uma cidadania, mas de se manter fiel ao país de nascença. 

Um bom filme para as questões atuais, mas enfocando não pelo lado eurocêntrico, mas do outro, e recordando a todos que a Alemanha em um momento e não somente ela, abriu suas portas por precisar de mão de obra. Coincidiu justamente com Angela Merkel declarando que alguns refugiados na Alemanha terão que voltar, e no filme é também ela quem concede o prêmio ao avô por sua dedicação à Alemanha. 


Yasemin Samdareli nasceu em 1973 em Dortmund, Alemanha

quarta-feira, 22 de julho de 2015

LIVRO: ROSA CANDIDA - AUDUR AVA ÓLAFSDÓTTIR



Ólafsdóttir, Audur Ava. 1ª ed. Objetiva, 2015
299 páginas
Tradução: André Telles
Título Original: Afleggjarinn 

País: Islândia. 

Penso que criei uma expectativa sobre o livro que acabou não condizendo com que li. Não é fácil então falar do livro quando isto acontece e receio ser injusta. 

Esperava algo mais profundo de um romance de iniciação de um jovem, e também mais detalhes sobre o jardim e as rosas. 

O jovem Lobbi mora com seu pai na Islândia e cuida das plantas em uma estufa que era de sua mãe que faleceu em um acidente de carro. Ele tem um irmão gêmeo que é autista e vive num Centro Especial, vindo para casa nos fins de semana. Em um encontro de uma única vez com Anna ela engravida. Diante de tudo isto e suas interrogações sobre o que fazer com sua vida ele aceita ir cuidar de um famoso porém, abandonado, jardim de rosas que fica num mosteiro e com isto ter tempo para si mesmo. 

Lá ele conhece Frei Tomáz, um cinéfilo que acaba lhe indicando vários filmes para ver diante das questões que lhe surgem, porém não teremos acesso a análise que ele faz destes filmes, o que ele aprende com eles, o que é uma pena. O jardim também logo fica de lado uma vez que Anna o procura e pede que cuide da filha para ela poder estudar para seu mestrado. 

Ao final realmente ocorre uma modificação em Lobbi que cresce diante da vida e das circunstâncias, mas seria mais interessante se durante a leitura pudéssemos ter acesso as suas reflexões, o que acaba empobrecendo a leitura. Há muitas informações sobre suas compras, e tentativas de cozinhar, mas poucas sobre o que realmente ele sente. Percebemos seus medos e receios, suas dúvidas, seus desejos, mas fica o vazio do crescimento que temos que tentar preencher para acompanhá-lo. O livro acaba focando mais o externo que o interno, como se o que ocorre fora é o que pudesse mudar o interior, e não o contrário, apesar de que não posso discordar que experiências e vivências nos amadurecem, porém é preciso sentir e refletir. 

Como eu disse no começo, talvez minha expectativa tenha sido alta, mas o livro não deixa de ser interessante e gostoso de ler. 

Audur Ava Ólafsdóttir nasceu em 1958 em Reykjavík, Islândia

LIVRO: O FRÁGIL TOQUE DOS MUTILADOS - ALEX SENS



Sens, Alex. 1ª ed. Autêntica Editora,2015
415 páginas

Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura 2012

É gratificante encontrar um escritor brasileiro que surpreende de várias maneiras. Primeiramente um jovem que eu diria que tem uma alma velha, tem profundidade e toca em assuntos dolorosos com sabedoria, e em segundo por sairmos da literatura regionalista que foca o Brasil entrando num mundo contemporâneo que pode estar localizado em qualquer lugar do mundo. O cenário onde se passa a história, uma pequena cidade à beira de uma praia, o mar que está constantemente presente ao longo da história e que também tem seu papel, não sabemos onde fica e somente no final somos informados que se trata do Brasil. 

Três irmãos, Magnólia, Orlando e Elisa se encontram após muitos anos para passar as férias na casa do irmão que fica de frente para o mar. Será um momento de reencontro mas que traz toda a carga de culpas, mágoas, desencontros que toda família tem e que quase sempre é varrido para baixo do tapete. Incrível a dificuldade de falar, de expor os sentimentos ao outro, mesmo sendo seu irmão ou irmã, o que acaba se traduzindo em atos ou palavras, provocações, críticas que ao invés de aliviar só pioram a situação. 

Orlando perdeu sua esposa Sara que morreu afogada ali em frente à casa, tem dois filhos - Muriel e Tomás. Após a morte da esposa passou a beber, deixou seu trabalho na rádio e tenta pintar quadros. Ele é o irmão do meio. Magnólia é a mais velha, está casada com Herbert, um apaixonado por Virginia Woolf e que tenta escrever um ensaio sobre ela e quer aproveitar as férias para isto, mas sua esposa tem um transtorno psíquico denominado Borderline, ela tem altos e baixos, se automutila se cortando, ou segurando durante um tempo uma pedra de gelo em sua mão, durante as férias abandona os remédios e passa a tomar muito vinho, aliás, os vinhos fazem parte de sua profissão. Elisa optou por uma vida zen, quer manter uma energia positiva a sua volta para não sofrer as interferências disto em seu equilíbrio, diz que todos temos escolhas, o que irrita e muito Magnólia. 

O livro começa com uma cena onde algo grave ocorreu no último dia das férias para depois entrar na história deste mês e do encontro dos irmãos. Cena esta que só iremos compreender ao final do livro, o que também nos mantém interessados e curiosos, como em um romance policial. Acompanhamos então todo este mês, dia a dia. Magnólia não se importa com o outro, quer atender a seus desejos e é tremendamente crítica e provocadora com tudo que não condiz com o que ela pensa, mas tem pavor de ser abandonada. Orlando vive colocando panos quentes em tudo, sente muita culpa e escapa pela bebida, já Elisa apesar de toda sua aparência zen também tem questões sérias. 

Gostei muito do livro, mesmo que ele não se aprofunde muito nas causas destes problemas dos três irmãos, como sua infância, dando apenas pinceladas, é extremamente válido no sentido de ver como agem e repetem em sua vida adulta questões que nunca foram resolvidas e das quais se foge ao invés de enfrentar, o que aliás, infelizmente, ocorre na maioria das famílias, até porque somos todos esfacelados, ou mutilados e nosso toque ou tentativa de tocar o outro é frágil. 

Alex Sens nasceu em 1988 em Florianópolis SC e se radicou em Minas Gerais 

terça-feira, 21 de julho de 2015

FILME: LE LIVRE DE MARIE - 1984


Direção: Anne-Marie Miéville - 1984 
Duração: 35 min
País: França - Suíça 

O filme vem antes de Je vous Salue Marie. Trata-se da história de Marie, uma menina de onze anos que vive momentos difíceis, pois seus pais (Bruno Cremer e Aurore Clément)  estão se separando e tudo irá mudar para ela. 

Marie tenta se consolar ouvindo Réssurection de Gustav Mahler, mas não obtém êxito. A dificuldade para qualquer criança ou jovem diante da separação dos pais que rompe com o imaginário infantil dos pais perfeitos e ao mesmo tempo abala a segurança da criança. 

A diretora Anne-Marie Miéville é a terceira esposa de Jean-Luc Godard e o curta foi escrito como um complemento para o filme Je vous Salue Marie.



Anne-Marie Miéville nasceu em 1945 em Lausane, Suíça 

FILME: JE VOUS SALUE, MARIE - 1985


Direção: Jean-Luc Godard - 1985
Duração: 102 min
Roteiro: Jean-Luc Godard 
País: França - Suíça

Filme que causou tanta polêmica e escândalo e que eu não havia assistido. No entanto o que encontro neste filme é pura arte. Uma nova maneira de contar a história de Maria e José, mas dentro de um contexto moderno, mesmo que em vários momentos do filme apareça escrito Naquele tempo.. , mas o que justamente o filme nos lembra a da contemporaneidade da história que não se perdeu lá atrás e que é possível trazer este mistério para o mundo atual com um casal jovem que nunca transou e justamente por isto deixa José (Thierry Rode) incrédulo  no começo sobre Maria (Myriem Roussel) ser virgem e estar grávida. 

Paralelamente temos a história de um professor de ciência (Johan Leysen) que estuda a origem da vida e tem um caso com uma de suas alunas, Eva (Anne Gautier), não à toa chamada de Eva, e que come uma maçã. 

José trabalha como taxista e está sempre com seu cachorro e Maria estuda, joga basquete e ajuda seu pai no posto de gasolina. Vemos um avião sobrevoando para aterrissar e depois vemos Gabriel acompanhado de uma menina maliciosa. Gabriel não se pode dizer que seja um primor de delicadeza, nem um pouco angelical digamos, mas é ele, o anjo Gabriel que vem até Maria e que depois irá de maneira um tanto grosseira e bruta abrir os olhos de José para que ele acredite, para que creia, para que confie, o que no final acabará ocorrendo, mas não sem antes ele se debater muito e inclusive se aproximar de Juliette (Juliette Binoche), mas que não conseguirá conquistá-lo. 

Como estamos na modernidade o que Maria enfrentará é o ceticismo, até mesmo do médico que a viu nascer que ao constatar sua virgindade e ao mesmo tempo a gravidez, não consegue conceber que ela não tenha tido algum contato com José. Não há escândalo, há indiferença, ok!, então que assim seja. Ela também irá duvidar do amor de José ao saber de seus encontros com Juliette. 

Finalmente eles se acertam e passam a viver junto, a criança nasce. Mas Maria não é diferente das outras mulheres, ela gosta de se vestir bem, não é uma santa, e a castidade que lhe é imposta pesa, ela tem desejos e tem que lutar contra esta tentação. É um percurso espiritual, onde ela quer que a alma seja corpo. Não se trata de uma Maria passiva, ela tem que alcançar algo, se superar, estar acima dos outros, é este seu percurso e que não é fácil, ela é humana. Com isto ela se encontra na solidão, aquela de todos que são diferentes, mas a dela é maior. 

O professor de ciências não consegue afinal explicar a origem da vida, há um ponto onde ele não consegue mais e tem que admitir que há algo maior. José também quer compreender, quer saber tudo, é cego, não consegue ver além da ciência, do materialismo. Para ele é o corpo que age sobre o espírito e terá que percorrer seu caminho de crescimento também até encontrar o amor. 



No final vemos um casal banal, o filho parte, Maria sabe que tem que ser assim, mas ela volta a ser uma mulher como qualquer outra, perde sua pureza. 

Há algo na mulher que é mistério, mas na modernidade atual isto se perdeu, nem mesmo Maria o mantém, nem mesmo quando o anjo Gabriel a saúda, ele por um momento faz com que ela lembre, vem algo, mas ela retoma a vida cotidiana e banal. 


Jean-Luc Godard nasceu em 1930 em Paris, França 

segunda-feira, 20 de julho de 2015

DOCUMENTÁRIO: GUERNICA - 1950


Direção: Alain Resnais e Robert Hessens - 1950
Duração: 13 min
País: França

Um documentário curto de 13 min sobre Guernica. Logo no início temos uma breve narração por Jacques Pruvost sobre a atrocidade de Guernica em abril de 1937. María Casares recista um poema de Paul Eluard sobre o assunto ilustrando com pinturas e desenhos de Pablo Picasso.



Guernica é um painel pintado por Pablo Picasso em 1937, medindo 350 por 782 cm é uma tela pintada a óleo representativa do bombardeio sofrido pela cidade Espanhola de Guernica em 26 de abril de 1937 por aviões alemães apoiando o ditador Francisco Franco.







O quadro encontra-se atualmente no Museu Nacional centro de Arte Reina Sofia em Madrid na Espanha. Foi feita com as cores preto e branco, como repúdio ao bombardeio, em estilo cubista.




Alain Resnais nasceu em 1922 em Vannes e faleceu em 2014 em Paris, França