sexta-feira, 31 de outubro de 2014

FILME: VIAJO PORQUE PRECISO, VOLTO PORQUE TE AMO - 2010


Direção: Karim Aïnouz e Marcelo Gomes 
Duração: 71 min 

País de origem: Brasil 

José Renato é geólogo e aceita fazer uma viagem pelo sertão do Nordeste, região semi-árida, para fazer o levantamento para a construção de um canal que sairá do único rio da região, o Rio das Almas.

Em momento algum veremos José Renato, é ele quem nos fala, conta o que está vivendo em sua vida pessoal e fala sobre a região por onde passa, até que nos damos conta que ambos se parecem, o vazio, algo seco, algo morrendo, o silêncio, tudo se repete e nada se move.

Às vezes ele precisa de gente e então se dirige para alguma cidade saindo de seu percurso. Desta forma ele vai a Juazeiro, vemos uma procissão com caminhões pau de arara, ex-votos, as casas do sertão que me encantam por sua história nas paredes, retratos da família, homenagens aos santos protetores e agradecimentos. Me chamou a atenção o colchão feito de palha e chita, uma parede onde está escrito solidão nn .

Aos poucos vamos descobrir que sua mulher amada, sua galega como ele a chama, o deixou e ele está viajando para esquecer. O que a paisagem reflete é o que ele sente dentro de si mesmo, mas ele continua, não desiste.

Sai com algumas garotas de programa e uma delas lhe diz que seu maior desejo é ter uma vida lazer. Ele pergunta o que é isto - é ficar em casa, ter filhos, ter alguém que te ame. José Renato também quer uma vida de lazer. Em um momento ele olha para os homens e se pergunta: o que estes homens fariam se fossem todos abandonados?

Ele finalmente chega à cidade de onde sairá o canal, já quase vazia, abandonada como ele. Sobe um morro e lá no topo há um monumento: Homenagem do povo do século XIX ao povo do século XX.

José Renato então fala que fez a viagem para se mover, para sair da paralisia, e que agora sente vontade de mergulhar na vida, como os homens que mergulham dos rochedos em Acapulco.

O interessante é que José Renato faz uma leitura de tudo que vê na paisagem e nas pessoas com o que ele mesmo está vivendo, trazendo o externo para dentro de si, mas ao mesmo tempo fazendo o movimento inverso.

O filme foi montado com as imagens filmadas ou fotografadas pelos diretores em suas viagens pelo sertão do Ceará. A voz de José Renato é de Irandhir Santos.
Karim Aïnouz nasceu em 1966 em Fortaleza, Ceará. 


Marcelo Gomes nasceu em 1963 em Recife, Pernambuco 











segunda-feira, 27 de outubro de 2014

LIVRO: FRIDA KAHLO para-além da pintora - MARLI BASTOS


Bastos, Marli Miranda. Mauad X, 2010
115 páginas

Bastos faz uma análise da obra de Frida Kahlo para além da pintora pelo olhar da psicanálise.

O que se evidencia é que Frida se tornou pintora para da conta do real, o real do acidente, do seu corpo esfacelado, das suas dores. O que ela não conseguia dizer pela palavra ela pintava. Mas Frida foi além disto também, porque escrevia cartas e poesias.

Devido o acidente e diante de um corpo traumatizado que lhe restringia vários aspectos ela dá um destino a sua pulsão sexual que ao invés de se dirigir para o sexo, para o objeto sexual, se sublima e ao invés de ser recalcado se dirige para a arte.

Bastos nos faz um breve resumo da vida de Frida Kahlo, desde a infância onde sofreu com a poliomelite que lhe deixou uma perna mais fina que a outra e um pouco manca, o acidente, seu amor-paixão por Diego Rivera, sua militância política, seu amor pela cultura mexicana, e todos os casos amorosos que teve ao longo da vida. Ela não desistiu de viver após o acidente, ela não se entregou ao drama e trágico de seu estado, mas também não o negou. Ela o transpôs para a arte. Por isto os quadros de Frida Kahlo são em sua maioria autorretratos e expressões do que sentia. Ela se utiliza de cores vivas, que representam a vida, mas também a alegria do México e toda sua cultura em relação à morte. O vermelho sangue que ao mesmo tempo representa todo o sangue seja do acidente, seja dos abortos que sofreu, também é a cor da vida, a cor da paixão.

A arte nasce em torno de uma vazio, o contorna. Todo o excesso que não consegue ir a algum lugar se expressa na arte, a pulsão que poderia ficar perdida e rodopiando se canaliza para algo. A arte lhe possibilitou seguir sua vida apesar de todos os sofrimentos pelos quais passou, levando tudo que era inefável para o simbólico.

Marli Bastos é psicanalista, Mestre em psicanálise, saúde  e sociedade  pela Universidade Veiga de Almeida (UVA-RJ), é formada em Psicologia pela Universidade São Marcos-SP, com especialização em Psicologia Clínica pela PUC-Rio. 

LIVRO: A MULHER PERDIDA - TIM WINTON


Winton, Tim. Paz e Terra, 2009
439 páginas
Tradução: Juliana Lemos
Título original: The Riders

País: Austrália

Um livro que nos leva para as profundezas da alma, daquilo que desconhecemos de nós mesmos. Sempre achamos que conhecemos o outro que vive conosco, e mais ainda, temos certeza de nos conhecer, e de repente tudo isto muda.

Scully é um australiano que tem um bom coração, se contenta com pouco, e se esforça ao máximo para ver sua esposa Jennifer feliz. Ele não é bonito, tem uma cicatriz no rosto, é grandão, já sua esposa é muito bonita. A filha de ambos Billie compara seu pai a Quasímodo, o corcunda de Notre Dame. Ele faz todas as vontades de sua esposa, e por isto deixaram sua casa na Austrália para viver em vários lugares como Grécia, Paris, onde ele sempre trabalhava em trabalho braçais por ser ilegal e desta forma sustentar a família. Enquanto isto Jennifer tentava atingir seu ideal de eu, sonhando em ser uma artista aplaudida.

Quando finalmente decidem retornar à Austrália resolvem antes de ir embora fazer uma viagem à Irlanda, e lá Jennifer tem um pressentimento diante de um casebre de camponês e diz que é ali que serão felizes. Mais uma vez Scully atende ao seu desejo, e enquanto ela vai à Austrália com Billie para vender a casa , ele fica para reformar a casa, esperando a chegada delas para o Natal. No dia marcado ele está lá no aeroporto, feliz, mas quem surge é Billie com uma etiqueta escrita: criança desacompanhada, Jennifer não veio.

A partir daí Scully começará uma busca por vários locais para encontrá-la. Billie não dirá nada, e ele desesperado tenta encontrar sua esposa.

Scully não consegue enfrentar a realidade, e começa dando mil razões para sua mulher ter feito o que fez, nem mesmo os pequenos indícios que aparecem ao longo do livro o fazem pensar que foi abandonado. Ele fica tão obcecado que pensa que todos estão lhe escondendo algo, me lembrando aqui do médico no livro A origem do mundo, que postei recentemente.

Ele vai mergulhar no inferno. E eis que surge um Scully que também ninguém conhece, nem ele mesmo, ele vai fazer coisas que jamais se imaginaria fazendo. Será sua filha Billie de sete anos que terá que amadurecer precocemente e trazer seu pai de volta à realidade. Mas ela só o conseguirá depois que ele tiver passado por uma descida ao fundo do poço.

Jennifer não aparece ela mesma em nenhum momento no livro e vamos montando uma ideia dela através do que dizem os outros, mas é bom ficar atento, pois alguém pode realmente conhecer alguém? E o autor nos deixa sem saber qual foi realmente o motivo dela ter abandonado seu marido e sua filha.

É difícil aceitar a perda e as escolhas que o outro faz, aqui temos pai e filha tendo que aceitar o abandono por parte da esposa e da mãe, mas Billie dirá ao seu pai: você me basta! Ela aceita o real, lida com ele, apesar de também ter ficado traumatizada com isto o que se evidencia principalmente pelo seu silêncio e algumas passagens no livro onde ela pensa.

Scully em momento algum vai tratar o desaparecimento de sua mulher como um fato, o real, até mesmo procurando ajuda da polícia para encontrá-la, uma vez que ele fica sem saber nada sobre o que aconteceu.

O livro leva ambos por vários lugares como a Grécia, Itália, Paris, Holanda, mas esta descida ao inferno que Scully enfrentou poderia muito bem se passar dentro dele sem sair de onde estava.

Recomendo!

Tim Winton nasceu em 1960 em Karrinyup, Austrália. 

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

FILME: UMA VIDA ILUMINADA - 2005


Direção: Liev Schreiber - 2005 
Duração: 100 min 
Título Original: Everything is illuminated 

Baseado no livro de Jonathan Safran Foer. 

Jonathan (Elijah Wood) é um jovem americano que  após receber uma foto com uma corrente com a estrela de Davi decide ir até a Ucrânia atrás da mulher que salvou a vida de seu avô na Segunda Guerra Mundial. Como não fala uma palavra de ucraniano contrata um tradutor e guia, Alex (Eugene Hutz) que o acompanha junto com seu avô Alex ( Boris Leskin ) e sua cadela Sammy Davis Jr.Jr., seu cão guia, uma vez que se faz de cego.

O filme no início é leve e engraçado até, mas aos poucos, a medida que eles vão avançando pelo território da Ucrânia muitas lembranças da Segunda Guerra irão aflorar, principalmente para o avô de Alex que preferia ter esquecido tudo isto.

Jonathan tem uma estranha mania, colecionar coisas, mas sem nenhum sentido exceto as datas de quando ele coletou e que se relacionam as pessoas de sua família. Uma das peças desta coleção é um pingente que ele pegou no criado mudo de seu avô quando este faleceu. Ao olhar a foto ele reconhece o pingente no pescoço de Augustine, que seria a mulher que salvou seu avô. E também fica sabendo pela família que deveria procurar por um lugar chamado Trachembrod.

Ninguém conhece este local, mas finalmente o avô para em frente a uma plantação de girassóis e aponta uma casa e diz ao neto para ir perguntar lá. Uma senhora idosa atende Alex e após algumas tentativas ela diz para ele que ele encontrou Trachembord.



Ao entrarem na casa se deparam com muitas caixas, coleções de objetos, com datas e nomes. Como faz Jonathan. E ao lhe perguntarem se vive sozinha, diz que não e aponta para a coleção e a chama de Trachembord. Finalmente ela levara os três e o cachorro até o local onde ficava Trachembord e atualmente é sinalizada apenas por uma placa memorial com os dizeres: homenagem aos 1024 cidadãos mortos pelos nazistas em 18 de março de 1942. Então ela conta a história e o que aconteceu.



O filme é uma interação entre o passado e o presente, mas também entre alteridades, pois o avô de Alex não parece gostar muito dos judeus, e também irá surgindo no relato da história da guerra o quanto houve ucranianos anti-semitas. A cadela  que no início é violenta e parece meio insana acaba se afeiçoando a Jonathan que tem pavor de cachorros. Aos poucos o avô rabugento vai mudando, ao se confrontar com seu passado ele começa a ficar calado e taciturno, ou como diz seu neto, ele parece cada vez mais aflito.

Mas será através dos objetos que este passado irá se reconstruir, e se repetir também no presente, em ambas as coleções, aquela dos que morreram e a de Jonathan no presente. Ele tenta recuperar algo que poderia ter sido sua vida se não houvesse tido a guerra, e a senhora mantém vivo o passado através dos objetos e com isto acaba não se situando no presente, pois irá perguntar se a guerra acabou ao avô de Alex. Este por sua vez terá que finalmente se confrontar com seu passado.

No início do filme se faz uma referência ao passado como algo que deve ser enterrado e fazer parte apenas de lembranças, como memória, mas o que eles aprendem é justamente que é o passado que ilumina o presente, que tudo é iluminado pelo passado vindo de dentro para fora.

As paisagens do filme são belas, os campos, as cores, há referências ao tempo da União Soviética e a curiosidade de Alex sobre como é a América.

Liev Schreiber nasceu em 1967 em São Francisco, Califórnia, EUA

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

FILME: FRIDA, NATUREZA VIVA - 1986


Direção: Paul Leduc - 1986
Duração: 108 min
Título Original: Frida, Naturaleza viva

Já havia assistido ao filme Frida de Julie Taymor de 2002 que já postei aqui no blog. Agora encontrei este que é anterior e o primeiro filme sobre a pintora mexicana Frida Kahlo.



Diferentemente do segundo filme este nos mostra fragmentos da vida de Frida nos remetendo à própria pintora que teve seu corpo fragmentado e invadido por inúmeras cirurgias após o acidente que a vitimou ainda bem jovem.

Toda sua pintura se remete a ela mesma, a sua dor e vazio que ela expressa na arte.

No filme temos Frida (Ofelia Medina) que se recorda de sua vida quando está beirando a morte. Através de seus quadros ela recorda seu grande amor por Diego Rivera (Juan José Gurrola), suas participações políticas , sua vida sentimental incluindo alguns casos com mulheres e também seu caso com Trotsky (Max Kerlow) que graças as intervenções de Diego conseguiu asilo no México e ficou na casa dos Rivera onde se encantou com a beleza e personalidade da pintora.



A solidão de Frida é profunda e o vazio de seu ventre diante do desejo de ter um filho que a leva a pintar o aborto, seu corpo mutilado, uma pessoa cindida, dividida desde a infância, pai alemão e mãe mexicana, se retrata no quadro das duas Frida(s) .

Gosto muito dos quadros de Frida, apesar da dor que está ali são vivos, coloridos, sempre com fundos de natureza, plantas ou animais. A mexicanidade de Frida que aparece na maneira como ela olha para a morte e para a dor. Uma vida que sofreu reveses desde a poliomelite que teve na infância, o acidente, sua paixão por Diego Rivera, a traição deste com a irmã da pintora, mas Frida continuou e não se entregou a uma depressão ou desistência, a dor ia para os quadros mas aquelas cores fortes ainda mostravam que estava viva.



Paul Leduc nasceu em 1942 na Cidade do México



quarta-feira, 22 de outubro de 2014

FILME: AS INVASÕES BÁRBARAS - 2003


Direção: Denys Arcand - 2003 
Duração: 94 min 
Título Original: Les invasions barbares 

Rémy (Rémy Girard) está com câncer terminal. Encontra-se num hospital público no Canadá e vemos um cenário com corredores repletos de macas com pacientes. Sua ex-mulher liga para os filhos para dizer que é o fim, e pede ajuda a Sébastien (Stéphane Rousseau) que vive em Londres.

Sébastien vem com sua namorada. Num primeiro momento tem um desentendimento com o pai por querer levá-lo para os Estados Unidos onde poderia ter mais conforto e privacidade, seu pai lhe diz que ele lutou pela estatização e que agora tem que aguentar as consequências. Sébastien resolve ir embora, mas sua mãe lhe pede e recorda o quanto seu pai sempre lhe foi dedicado quando criança. Ele fica, mas resolve agir. Seu pai está só, e ele irá ligar para todos seus amigos. Também irá subornar a direção do hospital para que possa utilizar o segundo andar que está vazio e sem uso para poder acomodar seu pai ali onde seus amigos poderiam estar presentes. Para isto também terá que subornar o sindicato. Até aqui temos uma crítica a estatização onde as coisas continuam funcionando como sempre, mas sob outra máscara. Também vemos um homem que não está em boas relações com sua família, sua ex-mulher o deixou por suas traições e os filhos foram embora, cada um para seu lado. A filha também está longe, num barco no Pacífico.

Mas o filme não se prende à uma crítica social, muito pelo contrário. Os amigos virão e será neste convívio que veremos como a vida de Rémy foi boa. Ele ama a vida. O grupo se recorda de suas vidas, de todos os livros e intelectuais que leram, nos quais acreditaram, e como cada um foi passando, todas as ideologias nas quais acreditaram e que depois se mostraram tão ruins quanto o que havia antes, senão pior. Também lembrarão da revolução sexual e da vida livre que levavam buscando orgasmos e prazer no sexo. Mas será Rémy quem dirá que toda sua vida por um tempo ele dormia e sonhava que estava com uma atriz que ele tinha visto em algum filme ou na TV até o dia que ele acordou e percebeu que havia sonhado com o mar do Caribe. A velhice havia chegado.

Sébastien irá atrás de uma amiga de infância que é drogada para conseguir heroína para seu pai, pois isto o ajudaria a enfrentar a dor. A relação dela com Rémy a fará ver a vida de outra forma, pois ela não via sentindo nenhum na vida, viver para quê?

Rémy opta pela eutanásia e é um dos momentos mais tristes do filme, a despedida, mas como lhe disseram, no momento em que ele fechar os olhos outros milhões no mundo também estarão morrendo. A morte faz parte da vida.

Mas o que há de mais forte no filme é que apesar de toda esta aparente futilidade da vida, onde tudo aquilo em que acreditamos de repente de mostra horrível, onde não há sentido em nada, e no caso de Sébastien que vive no mundo atual pragmático, onde se corre a todo instante sem parar, e não se consegue desligar, até que sua amiga joga seu celular na fogueira, o que há de mais belo e válido são os laços afetivos, a família, os filhos e os amigos, aqueles com quem podemos contar na hora que precisamos. Rémy estava só e de repente se viu rodeado de pessoas. No filme isto ocorre num momento difícil, mas é bom prestar atenção e levar isto a sério, na vida o que é mais importante são os laços que nos unem uns aos outros.

Quanto ao título do filme o que penso é que todos estavam vivendo uma vida insignificante e de repente houve uma intrusão, uma invasão em suas vidas, e eles tiveram que se mexer e ir ao encontro de Rémy, e este por sua vez sofreu uma invasão em seu corpo com o câncer.

Denys Arcand nasceu em 1941 no Canadá 

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

LIVRO: A FESTA DA INSIGNIFICÂNCIA - MILAN KUNDERA



Kundera, Milan. 1ª ed. Companhia das Letras, 2014
134 páginas
Tradução: Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca
Título Original: La Fête de l'insignifiance

Projeto um livro por país.
País: República Tcheca


Cinco amigos que vivem em Paris em seu cotidiano nos mostram o quanto a vida é insignificante, onde tudo se repete e não há mais individualidade. Alain chega a esta conclusão ao se dar conta que o erotismo se transferiu das coxas, bundas e seios para o umbigo que agora todas mostram, mas o que há de erótico em um umbigo? É possível distinguir uma mulher amada ou desejada pelas suas pernas, bunda ou seios, mas pelo umbigo? são todos iguais.

Charles e Calibã se divertem no trabalho organizando coquetéis onde Calibã finge ser um paquistanês. Para isto inventam uma língua, só que ninguém repara, ninguém se interessa, é um ator sem público. Ramon está interessado em uma mulher nesta festa, mas ela vai embora, e justo com quem? com o mais silencioso e apagado da festa, que parece que com seu silêncio chamou mais a atenção. Além disto ele deseja ver a exposição de Chagall, mas desiste toda vez por causa da fila. Fica irritado com isto e comenta com Alain que desde quando todos eles se interessam por Chagall? ou estariam simplesmente matando tempo devido ao tédio?

D'Ardelo acaba de receber a maravilhosa notícia de que não está com câncer, mas ao encontrar Ramon sem saber porque mente e diz que está doente. Talvez uma forma de dar alguma sentido à sua existência? Como Alain que sempre imagina como seria seus diálogos com sua mãe que o abandonou na infância e na única vez que se encontraram fixou seu olhar em seu umbigo. Um umbigo sem mãe, sem ter a quem se atar, mas que mesmo assim vai permanecer sem o corte.

Paralelamente vemos um teatro, onde Stálin se diverte apavorando seus companheiros. Ele sabe que os domina e que jamais emitiram sua própria opinião, exceto o mais tolo de todos, Kalinin que sofre de problemas de contenção de urina e precisa ir ao banheiro a todo instante,o que acaba gerando ternura em Stálin que o homenageia mudando no nome da cidade de Kant para Kaliningrado. Stálin debocha do medo  de todos que os leva a serem submissos à ele e talvez por isto goste de Kalinin que suporta até onde pode sua vontade de urinar até que molha as calças ali mesmo atendendo á sua necessidade.

Há um pequeno capítulo sobre a culpa e o eterno pedido de desculpas que vale a pena ser lido.

Um livro curto mas que diz muito. O desencanto da vida, a futilidade que reina, a insignificância de cada um de nós. O livro é um alerta. Realmente vivemos num mundo onde a futilidade, o consumismo, a mesmice é visível, porém acredito na capacidade de cada um de construir um sentido para sua vida, mesmo que seja através de um teatro, porque no fundo, a vida é um teatro, um romance de ficção que nós mesmos escrevemos.

Milan Kundera nasceu em 1929 em Brno, República Tcheca. Vive atualmente em Paris e se naturalizou francês. 

domingo, 19 de outubro de 2014

FILME: QUANDO NIETZSCHE CHOROU - 2007



Direção: Pinchas Perry - 2007
Duração: 105 min
Título original: When Nietzsche wept


Baseado no livro homônimo de Irvin D.Yalon. 


Como terminei de ler Nietzsche na Itália de Paolo D'Iorio, já postado, resolvi rever este filme que havia assistido já faz alguns anos, e também já li o livro no qual o filme é baseado.

É uma ficção, apesar de trazer alguns fatos reais, ele se baseia num encontro que nunca ocorreu entre o filósofo Nietzsche (Armand Assante) e o Dr. Joseph Breuer (Ben Cross) a pedido de Lou-Andreas Salomé (Katheryn Winnick).

Lou procura Breuer para ajudar Nietzsche pois este se encontra desesperado por ela não haver aceito seu pedido de casamento. Ouviu falar sobre a cura pela palavra no caso Anna O. ou Bertha (Michal Yannai). De início Breuer se recusa, mas acaba aceitando o desafio.

Breuer é casado com Mathilde (Joanna Pacula) e amigo do jovem Sigmund Freud (Jamie Elman) que acompanhou o caso de Bertha.

É um filme que vale a pena ser visto pois se desenvolverá uma relação terapêutica entre Breuer e Nietzsche, mas neste caso será o filósofo quem atuará como um psicanalista sobre a obsessão de Breuer por Bertha.  O plano inicial era que desta forma Nietzsche confiaria em Breuer e lentamente começaria a falar de si mesmo e de sua paixão por Salomé, mas no filme o que ocorre é o contrário, e quem acaba livre da obsessão é Breuer. Há passagens ótimas sobre a filosofia de Nietzsche que ele utiliza em suas sessões com Breuer. Freud um jovem aprendiz ainda acompanha tudo e acabará hipnotizando Breuer o que o fará ver a realidade.

Nietzsche exporá no filme o eterno retorno perguntando a Breuer se caso houvesse um demônio que fizesse com que tudo que nos acontece, sentimos, falamos, sempre se repetisse sem parar por toda eternidade, ou seja, voltaríamos sempre para reviver exatamente as mesmas coisas, o que ele pensava? seria bom reviver sua vida? E também falará que amamos muito mais o ato de desejar do que o objeto do desejo.

A filosofia e o embrião da psicanálise é real, e Yalon faz uma junção muito boa da filosofia de Nietzsche e da psicanálise, apesar de Freud sempre ter dito que não leu as obras do filósofo, há muitas coisas que são as mesmas, apenas faladas em linguagens diferentes.

Nietzsche realmente se apaixonou por Salomé que acabou ficando com seu amigo Paul Rée, e sofria de enxaquecas terríveis. Breuer protegia e ajudava Freud naquela época, e realmente estudaram juntos o caso de Ana O. e a histeria, que depois Freud irá publicar em um dos seus livros. Salomé sob a supervisão de Freud se tornará uma psicanalista.
Quando Mathilde descobriu que Anna O. dizia estar grávida de Breuer exigiu que ele encerasse o tratamento, o que ele fez, e partiram ambos em um segunda lua de mel da qual nasceu uma filha, que anos depois iria morrer assassinada pelos nazistas. Bertha se tornou uma assistente social reconhecida.

Pinchas Perry 

LIVRO: NIETZSCHE NA ITÁLIA - A viagem que mudou os rumos da Filosofia - PAOLO D'IORIO



D'Iorio, Paolo. 1ª ed. Zahar, 2014.
214 páginas
Tradução: Joana Angélica d'Avila Melo
Título Original: Le voyage de Nietzsche à Sorrente (Genèse de la philosophie de l'esprit libre)

No outono de 1876 Nietzsche parte para o Sul, na Itália, para passar um ano sabático à convite de sua amiga Malwida von Meysenburg acompanhado de seu amigo Paul Rée com quem rompera mais tarde por causa de Lou-Andreas Salomé. Outro amigo se junta a eles, Albert Brenner.

Esta viagem será o divisor de águas entre o que Nietzsche havia dito antes e o que passa então a pensar e escrever em seus livros, após o rompimento com Richard Wagner devido seu cristianismo. É o Nietzsche mais verdadeiro que aparece e o que ele realmente pensa e sente. Ele abandona a ideia wagneriana de renovar a cultura alemã que defendeu em "O nascimento da Tragédia".

Será em Sorrento que ele irá começar a escrever "Humano, demasiado humano" adotando a partir daí o aforismo como estilo de escrita. Nesta temporada também surgirá seus esboços para "Assim falava Zaratrusta" que é repleto de referências às experiências vividas e também aos lugares que mais impressionaram Nietzsche.

O livro é um relato desta viagem, mas também uma apresentação acessível da filosofia de Nietzsche e de como suas ideias amadureceram. Muitos dos que admiravam sua filosofia anterior romperam com ele, exceto sua amiga Malwida, que manteve intacta sua esperança que isto seria uma fase passageira e que ele retornaria a sua antiga filosofia, não se dando conta que foi justamente esta outra fase que foi uma passagem para a filosofia definitiva de Nietzsche.

Há passagens extremamente interessantes e explicativas, como a da Epifania que muito me interessou e também sobre os sinos.

Para quem gosta de filosofia recomendo, mas não deixa ser um relato também da visão do filósofo sobre o sul, ele que vivia no norte frio.

Paolo D'Iorio nasceu em 1963 em Seravezza, Itália. Formou-se em filosofia na Universidade de Pisa. Atualmente leciona na École Normale Supérieure de Paris e dirige o Institut des textes et manuscrits modernes em Paris. É especialista em Nietzsche

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

FILME: NOTAS SOBRE UM ESCÂNDALO - 2006


Direção: Richard Eyre - 2006
Duração: 92 min 
Título Original: Notes on a scandal

Baseado no livro de Zoe Heller

Barbara (Judi Dench) é uma professora de história em uma escola pública de Londres. Pessoa solitária que vive com sua gata, possui muitos preconceitos, é inflexível, e autoritária. Por tudo isto não é amada pelos seus alunos que a temem. Ela também não se esforça nem um pouco para ser simpática ou agradável com seus colegas. Sheba (Cate Blanchet)  é a recém contratada professora de artes da mesma escola. É jovem, bonita, casada com Richard (Bill Nighy) com quem tem dois filhos, sendo que o menino é portador da síndrome de Down.

Barbara escreve diários, diz que sempre ouviu os segredos de todos, mas os dela,somente o diário os conhece. Sheba se encontra em apuros por causa da briga de dois alunos e então Barbara se intromete e acaba com a confusão. É assim que começa a amizade das duas. Sheba a convida para um almoço em sua casa onde Barbara se surpreende com seu marido bem mais velho e com as crianças fazendo comentários ácidos em seu diário. Neste dia Sheba a leva conhecer seu refúgio no jardim, um atelier. Ali as duas conversam, ou melhor, Sheba fala de sua vida, da mãe difícil, de ter passado dez anos cuidando de seu filho e que só agora ele está indo para uma escola e que por isto ela quer trabalhar.

Tudo parece ótimo, Barbara a solitária encontrou uma amiga que a convida, a traz para o convívio de sua família e Sheba também encontrou uma mãe que a ouve e acolhe. Até que Barbara descobre o segredo de Sheba, ela está tendo um caso com um aluno de 15 anos, o mesmo da briga. Chocada e com ciúme Barbara pensa em denunciá-la, mas percebe que se não contar vai se beneficiar muito mais, pois Sheba ficará presa a ela pelo segredo e lhe devendo isto. Para não denunciá-la impõe que ela se afaste do garoto, mas isto não vai ocorrer apesar da promessa de Sheba.

Um dia ela vai atrás de Sheba porque seu gato está sendo sacrificado e então quer que ela volte junto ao veterinário para buscá-lo, mas é o dia da primeira apresentação de teatro do filho de Sheba, e ela não irá abrir mão de seu filho em prol de Barbara o que a outra não aceitará e com isto resolve se vingar o que fará. O escândalo estoura.

Barbara é uma pessoa que busca um gozo, ela não ama Sheba, vê nela um objeto de  desejo, quando não consegue o que quer se vinga. Depois ela novamente irá ficar ao lado de Sheba que vai morar com ela por um tempo, até que esta irá descobrir os diários de Barbara. Barbara então não sofre como poderíamos imaginar que iria acontecer, pelo contrário, ele segue sua vida e no final do filme já está procurando outro objeto de desejo. No filme é a terceira mulher que ela assedia, a primeira chegou a procurar ajuda na justiça e se mudou de cidade.

Sheba tem uma mãe que também só quer que seu desejo seja atendido, a relação com sua filha é difícil e se nota que ela compete. Numa passagem muito rápido vemos a mãe falando sobre quando o pai de Sheba morreu, e também fala que ela é muito bonita, mas não tem conteúdo. É notório a questão do édipo, seja em seu casamento com um homem mais velho e que era seu professor, seja em sua relação com o garoto.

Quando há o encontro destas duas mulheres inicialmente parece perfeito. Barbara tão solitária encontrou finalmente uma amiga e que a introduz no convívio de sua família, pelo menos é assim que Barbara o vê, família esta que é um obstáculo aos desejos de Barbara, tanto que ela os menospreza. Mas isto Sheba não sabe. Mas os indícios estão por ali, e Sheba os nega, ou não vê. Ela busca um apoio protetor de mãe, alguém que a ouça e proteja, como faria uma mãe, e Barbara percebe isto quando ela diz que a noviça foi buscar ajuda com a madre superior. Barbara vive um delírio sobre a vida que as duas teriam juntas, como se tivesse certeza de que é isto que Sheba também deseja, por isto diz que perdoa-a sobre o garoto, pois ela vale a pena. Vale a pena como qualquer objeto que se cobiça.

Sheba não está satisfeita com sua vida amorosa, sexual e pessoal. Dedicou-se ao filho durante 10 anos e deixou de viver sua vida. Seu marido é um paizão, exatamente o lugar que inconscientemente ele ocupa para Sheba também. Um garoto se interessa por ela, ela se sente viva, desejada, e não pensa nos aspectos éticos disto, se entrega com o corpo e o desejo. Não é uma relação de amor, nem para um nem para o outro.

Richard Eyre

DOCUMENTÁRIO: O PODER DO MITO PARTE TRÊS - 1988


Joseph Campbell com Bill Moyers

São dois DVDs com as entrevistas de Joseph Campbell com Bill Moyers
Duração:354 min

Joseph Campbell é um consagrado estudioso de mitos. Nestas entrevistas ele fala sobre mitos, história, religião, filosofia, psicologia, arte e cinema. As entrevistas aconteceram no Rancho Skywalker e no Brasil foram exibidas pela TV Cultura.

É notório a paixão e o prazer que Campbell sente ao falar destes assuntos, ele se encanta, ele vibra, ele nos transmite lições para a vida e sobre como viver.


PARTE 3 - OS PRIMEIROS CONTADORES DE HISTÓRIAS

Esta parte do documentário é realmente fabuloso. Fala dos mitos, dos ritos de passagem e do que isto significa em nossas vidas e modo de viver e olhar o mundo. Infelizmente atualmente os ritos estão diminuindo, ou estão perdendo seu sentido e com isto seu efeito, e com isto temos este mundo violento, onde não se respeita mais o outro, onde não se respeita a natureza e os animais.

Campbell segue o difusionismo e também Jung com o inconsciente coletivo, mas isto não entra em conflito com minha visão da psicanálise e do estruturalismo. Para Campbell temos os registros do pré-histórico no inconsciente e na mente e por isto ao vermos os traços disto o sentimos. Como quando vemos uma pintura rupestre por exemplo, ou quando vivenciamos algo que nos remete a estes tempos. Eu acredito que recebemos através da cultura, do social e da palavra todo este conhecimento e que está em nosso inconsciente.
O mitos servem como guias para a vida espiritual, para colocar a mente e o corpo em acordo. Os rituais são a representação do mito e eles nos ajudam nas passagens da vida até a morte. E talvez seja a falta deles ou a não-crença neles que transforma o mundo no que vemos hoje.

Campbell nos diz que o problema das crianças serem educadas em um mundo de disciplina, obediência e dependência de outros é que ela precisa transcender isso ao chegar a maturidade. Na Índia se muda de roupa e de nome quando se passa de um estágio para outro. Os povos ditos primitivos tem seus rituais de iniciação, quando o menino passa a ser homem. As meninas é diferente, pois seu corpo é a vida, e com a primeira menstruação ela se torna mulher. O menino precisa receber isto do social.

Quando nos aposentamos precisamos criar uma nova forma de vida, de pensar sobre a vida. Deixar para trás as realizações e entrar no mundo do prazer e da apreciação e do relaxamento por meio de tantas maravilhas. Esta visão de Campbell é perfeita, me reconheço nela neste momento da minha vida. Ele diz que o problema não é a morte, mas sim a meia idade onde se chega ao auge do corpo que então começa a decair, então é chegado o momento da consciência.

Os ritos de passagem da infância para a adolescência, depois para o adulto e então para a velhice. Eles nos estruturam.

Campbell também fala dos tempos em que matar um animal necessitava de um ritual, pois matar o animal perturbava, e era necessário agradecer, apaziguar. Fala também do totemismo. E algo que ele diz no documentário é muito importante: " Um ego que vê um "vós" não é o mesmo que vê um "isso". Na guerra transformam as pessoas em "isso" para que não sejam "vós". Infelizmente no atual os egos estão mais para o isso do que para o vós.

O ritual serve para elevar, para tirar para fora, não para aconchegá-lo de volta ao lugar onde você sempre esteve. Os mitos mudam segundo os tempos, mas a estrutura permanece a mesma.

Finalmente ele nos fala do xamã que é uma pessoa que no final da infância ou início da adolescência seja homem ou mulher, teve uma experiência psicológica fortíssima que a deixou inteiramente voltada para si mesma. Seu inconsciente se abriu por inteiro e a pessoa caiu lá dentro. A experiência do xamã é um tipo de ruptura esquizofrênica. Morte e ressureição, estar no limiar e voltar, pessoas que tem sonhos muito profundos. O sonho é uma grande fonte do espírito, encontros místicos.

Vale a pena assistir.

https://www.youtube.com/watch?v=yHF8gRsdOXc


terça-feira, 14 de outubro de 2014

FILME: O CORAJOSO: O INÍCIO DA VIDA DE JOSH McDOWELL - 2011



Direção: Cristobal Krusen - 2011
Duração: 65 min 
Título original: Undaunted: The early life of Josh McDowell 

Esta é uma história real, uma biografia da vida de Josh McDowell.

Josh (John Klicka) teve uma infância muito difícil, um pai alcoólatra que agredia sua mãe que era muito obesa a impossibilitando inclusive de fazer muitas coisas. Sua irmã cometeu suicídio, a outra foi para o exército para se afastar da família. O irmão processou os pais. Havia muita solidão e muita vergonha. E como se não bastasse ele ainda sofria desde os 13 anos abuso sexual por um empregado da família. Ele tentou contar para sua mãe que nunca acreditou nele.

Josh ( Allen Willianson)  deixou de acreditar em Deus com 11 anos quando seu irmão ganha o direito sobre a casa e todos os vizinhos debocham e chamam seu pai de beberrão. Quando jovem o esporte foi sua válvula de escape, ele havia se tornado cético e insensível. Até o dia que se dispõe a provar para os cristãos do colégio que estavam errados sobre o cristianismo. Sua busca é intelectual, vai para a Europa pois não encontra nos Estados Unidos o suficiente para sua tese. É o primeiro passo, os indícios históricos lhe mostram que é verdade.

Quem nos conta tudo isto é Josch quando já um homem maduro de cabelos brancos ( Allen Williamson). Ele volta ao lugar de sua infância e começa a relatar tudo que se passou.

Porém o intelectual não basta, ele continua a odiar seu pai, antes odiava Deus, agora o pai, até que percebe que sempre amou quem ele ama, mas que devia amar quem odeia, e assim consegue dizer ao seu pai que o amava. Ele também consegue dizer isto ao seu agressor que abusou sexualmente dele. Quando ele sofre o acidente de carro vai ficar na casa do pai, e ali eles realmente se reencontram.

Josh diz que o cristianismo é um relacionamento, é Deus vindo até nós através de Jesus nos oferecendo um relacionamento, diferente da religião que com seus rituais busca um caminho até Deus.

Diferente do filme Deus não está morto, aqui temos um relato real, de uma vida e da fé que possibilitou a Josh superar sua infância difícil e todos os traumas. Foi através do cristianismo e na sua crença e fé que ele aprendeu a amar.

Cristobal Krusen nasceu em 1952 em Tampa, Flórida, EUA. 

Josh McDowell 

LIVRO: A ORIGEM DO MUNDO - JORGE EDWARDS


Edwards, Jorge. Cosac Naify, 2014
158 páginas
Tradução: José Rubens Siqueira
Título original: El origen del mundo

Primeiro livro do meu projeto livros por país

País: Chile

Gustave Courbet pintou em 1866 o quadro "A origem do mundo", uma mulher com o rosto velado, de pernas abertas com sua vulva aparecendo. O quadro foi encomendado por um bei da Turquia. Pertenceu a Jacques Lacan, o psicanalista francês, e depois foi exposto no Musée D'Orsay em Paris.

A história começa quando o médico setentão Patrício Illanes e sua mulher Silvia, ambos exilados do Chile, vão à esta exposição e diante do quadro Patrício, ou Patito, como era seu apelido chileno, pensa que o mesmo parece muito com sua mulher. Na sequência dos acontecimentos temos o suicídio de Felipe Díaz, outro exilado, mas não sem antes haver um encontro entre este e Patito num café onde Felipe lhe fala de uma mulher filósofa, mexicana-japonesa, e de que acabou trocando um garrafa por uma mulher. Felipe bebia muito. Quando Silvia vê Felipe morto tem uma reação histérica que surpreende Patito e parece lhe confirmar suas suspeitas de que ambos eram amantes. A partir daí temos o relato neurótico de Patito em busca das provas desta traição.

É um retrato belo e cru do que o ciúme é capaz de fazer. Até que ponto chega a imaginação e o que passa a acreditar alguém que está submerso no ciúme, na paixão, na dúvida. Nada fara com que ele deixe de pensar que tem razão. Vai buscar as provas de forma patética, ridícula até, perguntando a todos que conheceram Felipe e pedindo que sejam generosos e lhe contem a verdade, pois somente assim poderá se curar do que tem consciência ser uma doença. Mas de nada adianta todos dizerem que isto é um total absurdo, que nunca viram ou ouviram nada, pois na mente delirante de Patito, eles estão com pena dele, ou querem poupá-lo, ou protegem, ou acham melhor mentir para preservar o casamento dele com Silvia.

Mas esta história vai muito além do ciúme, é uma história sobre a velhice, como o personagem de Memória de minhas putas tristes de Gabriel García Marquéz, que ao completar noventa anos deseja uma virgem, pois o sexo e a paixão fazem viver.

Quando Patito vê o quadro algo deve ter despertado dentro dele sem que o mesmo tivesse consciência disto. Sua vida sexual já não era como quando era jovem, e no seu entender, por ouvir tantas histórias de Felipe sobre mulheres, talvez pensasse que este devia ter uma vida sexual gloriosa, e que justamente chegava ao fim, quando escolhe a garrafa ao invés da mulher. Mas isto não descarta que antes disto teria sido amante de Silvia. E a imaginação é cruel neste momento, fazendo-o imaginar os dois juntos, o que o exasperava mais ainda.

Ao final de sua patética busca ele se volta para Silvia e lhe pergunta. Esta é de uma sensibilidade espantosa, pois acaba por compreender o que se passa. E lhe diz que sim, que foi amante de Felipe e lhe conta detalhes, o que desperta a sexualidade de Patito levando-o a ter uma relação sexual com ela que havia muito tempo não tinham.

A fantasia inconsciente, o desejo, a paixão, o sexo e o erotismo, a fantasmagoria, tudo isto está neste livro e descrito de uma maneira esplêndida. O quadro A origem do mundo também pode ser interpretado como de onde nascemos, de onde viemos, e a velhice é o fim, e não é um retorno ao paraíso, mas é o nada, o vazio, o não conhecido que assusta. Somente com a ficção ou a fantasia, ou a imaginação, se pode lidar com a morte, e a velhice é o momento onde isto vai surgir fortemente, este medo da morte e a consciência que estamos muito longe desta origem. Patito prefere a ilusão do que a morte, prefere o amor-paixão que reaviva o desejo, e o que mais é a vida do que o desejo? ele nos movimenta. Quando o desejo cessa, estamos mortos.

Felipe Díaz não suportou e preferiu morrer, Patito optou pela vida, mesmo que sofrendo, mas quem sofre está vivo. Ambos sofreram a frustração de seus ideais políticos, ambos tiveram que sair de seu país e se exilarem, e sabiam que mesmo depois de tudo ter passado, não seria mais possível voltar ao seu país, não se identificariam mais com este lugar que ficou no passado. Se esta origem não lhes permitia viver, então porque não a origem da vida? o sexo e todo seu lado erótico.

Na velhice o erótico já não é como antes, e para não cair num sexo carne, animal, a fantasia e a ficção vem para sanar isto. Não é mais o belo corpo, mas a fantasia.

Recomendo a leitura

Jorge Edwards nasceu em 1931 em Santiago, Chile. 

FILME: UN 32 AOÛT SUR TERRE - 1998


Direção: Denis Villeneuve - 1998 
Duração: 88 min 

Projeto um filme por país  País: Canadá 

Simone Prévost (Pascale Bussières) vive acelerada com seu trabalho e acelera tanto que indo para o aeroporto sofre um acidente, por adormecer no volante. Este acidente a fará repensar sua vida e a leva a pedir demissão de seu trabalho e pedir ao seu melhor amigo Philippe (Alex Martin) que faça um filho com ela que irá criar sozinha.

O problema é que Philippe é apaixonado por ela e não consegue simplesmente fazer um filho como lhe pede Simone, ele quer fazer amor. Faz 03 anos que está deprimido por causa deste amor não correspondido e não sabe o que fazer. Então sugere que o fará desde que seja num deserto. Ela aceita.

Ambos partem para Salt Lake City, mas as coisas não sairão como imaginam e Philippe escreverá uma carta para Simone dizendo sobre tudo que sente.

Simone após o acidente passa a questionar a sua mortalidade e por isto deseja um filho, que é a forma de dar continuidade a si mesmo, uma maneira que encontramos inconscientemente de alcançar a eternidade e se perpetuar. O título do filme é como uma metáfora disto, o dia 32 de agosto é o dia seguinte da sua sobrevivência ao acidente, como se tivesse tido direito a mais dias de vida. Depois o filme retorna à setembro, a realidade, onde é preciso de confrontar com a solidão, com a vida e os desejos do outro, como Philippe que a ama e não quer lhe fazer um filho para não ficar com esta lembrança que acabaria por destruí-lo, uma vez que se apegaria demais a isto para viver.

O filme é repleto do simbólico da morte. No deserto de sal, o nada, o vazio, a luz forte. Quando Simone se afasta para fazer xixi ela vê um corpo carbonizado e fica horrorizada. Quando retornam ao aeroporto o quarto que é como um túmulo, fechado, hermético, pequeno. Já para Philippe ele se transforma como numa nave espacial sem gravidade.

Um filme para refletir.

Denis Villeneuve 

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

FILME: A AVÓ GRILO: O MITO DA DONA DA ÁGUA - 2010


Direção: Denis Chapon -2010
Duração: 12 min - Curta
Título Original: Abuela Grillo 

Projeto um filme por país.  País: Bolívia

Um curta de animação baseado numa lenda que é contada milenarmente pelo povo Ayoreo da Bolívia.

No princípio havia uma avó que era um grilo chamada Direjná, ela era a dona da água e por onde passava cantando com amor a água brotava da terra, das nuvens, das torneiras. Uma vez ela cantou e houve uma inundação e seus netos ficaram muito bravos e a agrediram. Ela então foi embora muito triste. Ela vai para a cidade onde acaba enganada por empresários que depois a aprisionam e a fazem cantar sem parar e passam a engarrafar a água e a vendê-la. Como a avó grilo não canta mais na natureza há uma seca que tudo destrói. É então que seu neto vai para a cidade em busca de água e descobre que a vó está presa nas mãos dos empresários, de quem há havia tentado fugir mas foi pega de volta. É hora de lutar para libertá-la, pois todos estão sofrendo, o povo e a avó que está muito triste.

É uma animação em prol da natureza e contra o capitalismo que a tudo mercantiliza. Foi realizado por oito animadores bolivianos sob a direção de um francês Denis Chapon e foi feito na Dinamarca.

O mito vai além da animação e conta que quando a avó grilo retornou havia coisas que já não eram como antes, como o fogo que agora era usado para cozinhar os alimentos. Ela não se sentiu bem com este calor, e então resolveu ir visitar os oitos céus que os Ayoreo tem e escolheu morar no quarto céu que era o mais úmido, e de lá poderia continuar a enviar água para seu povo, através da chuva. Para o povo Ayoreo a palavra tem poder e portanto o mito só deve ser contado na época da seca e jamais no tempo das inundações e muitas chuvas.

O canto da avó grilo é belíssimo e é da cantora Luzmilla Carpio, indígena que trabalha com instrumentos sonoros andinos. Os Ayoreo tem forte ligação com a natureza e habitam regiões da Bolívia, Paraguai e Argentina.

Assista: https://www.youtube.com/watch?v=xLdf8YS0Tww




Denis Chapon 

domingo, 12 de outubro de 2014

FILME: SAMSARA - 2001


Direção: Pan Nalin - 2001 
Duração: 145 min 

Primeiro filme do meu projeto um tour pelo Mundo.
País: Índia 

Tashi (Shawn Ku) é um jovem monge tibetano que retorna ao mosteiro após passar mais de 03 anos em meditação numa gruta. No caminho de volta ele lê numa pedra: "como impedir que uma gota d'água seque ao sol?".
Tashi retoma sua vida no mosteiro onde está seu cão que o aguardou. A vida destes monges é meditativa, mas eles tem muita alegria, falam, riem, e tem seus rituais que são belíssimos. Numa destas apresentações Tashi vê o seio de uma mulher que amamenta e isto o desnorteia. O Rinpochey pede que o levem à cerimônia da colheita para que respire um pouco de ar. Muitas crianças são levadas para lá pelos pais aos cinco anos de idade para se tornarem monges, mas vê-se que comportam-se como crianças, com toda alegria.




Na cerimônia da colheita ele vê Pema (Christy Chung) por quem se apaixona. Retornando ao mosteiro ele começa a sentir o desejo, se masturba, e Apo (Sherab Sangey) lhe dirá que é preciso escolher. Tashi argumenta que ele foi uma das crianças que desde os 5 anos está na vida de monge, que ele não conhece a outra, e que Sidarta viveu uma vida mundana até os 29 anos, e que talvez ele tenha alcançado a iluminação por ter vivido esta vida antes. Ele parte.

Se casa com Pema e eles tem um filho. Tashi passa a viver como um homem comum, trabalha na colheita, mas aos poucos ele vai descobrir que o mundo tem trapaças, que os pobres são os mais fracos, que os ricos dominam e fazem o que querem, descobrirá a vingança, a violência, e que o desejo é algo que não se sacia. É um aprendizado, "tudo que você contatar é um lugar para praticar o caminho.".

Mas Tashi não vai suportar o real, e então parte de noite para voltar ao Mosteiro após receber uma carta de Apo que acaba de morrer lhe dizendo que numa próxima vida quem sabe ele poderá lhe responder se o que vale mais são mil desejos satisfeitos ou apenas um conquistado. No rio onde se banha ele olhará no espelho que está quebrado, numa alegoria de que somos cindidos, e não absolutos, há muitas opções, e ele agora experimentou a vida no mosteiro e a vida mundana, e isto não se apaga mais.

Pema irá atrás dele e lhe contará a história da esposa de Sidarta e de seu filho, porém Tashi não recua, e ela parte, mas antes lhe entrega o amuleto da boa viagem. Neste momento Tashi descobre a dor, o sentir a dor. Neste momento ele encontra a pedra que viu quando retornava ao mosteiro após sua reclusão na gruta e a virará e terá a resposta à pergunta.

Esta cena com Pema lhe falando é brilhante, ela nos fala do homem e da mulher de uma maneira que todos nós podemos compreender. A resposta da pedra, Pema a havia dado antes num ensinamento para as crianças. Um galho na água do rio onde irá parar? impossível de saber, mas há várias possibilidades, mas para alcançar o fim do rio terá que passar pelas pedras, a correnteza, o redemoinho, a cachoeira, um oceano de obstáculos e a incerteza de chegar lá.

O filme tem paisagens belíssimas e fico fascinada pela diversidade de culturas. Há passagens como o casamento tibetano, o ritual no mosteiro, as músicas, que me encantaram. Antes de abandonar a vida no mosteiro, Tashi irá até um local nas montanhas e verá desenhos eróticos, de uma estética da vida e morte que fiquei impressionada. Sim, o sexo é o antídoto da morte, é vida, dá a vida.



Samsara significa para o budismo tibetano a repetição do nascimento/morte até que se adquira a sabedoria e se torne iluminado.
Pan Nalin nasceu em Gujarate, Índia. Vive entre a França e a Índia. 

sábado, 11 de outubro de 2014

FILME: INEVITÁVEL - 2013


Direção: Jorge Algora - 2013 
Duração: 95 min 
Título original: Inevitable 

Baseado numa peça de teatro de Mario Diament

Nas ruas de Santiago de Compostela uma mulher caminha com lágrimas nos olhos. Na mesma rua caminha um homem e que quando a vê algo nele se anuncia. Ela também, mas ao invés dele lhe oferecer o lenço e ela olhar para ele, nada disto acontece e cada um segue seu caminho, mas aquele momento ficará para sempre na vida dos dois.

Há coisas na vida que são inevitáveis, como o amor, a morte, as crises pelas quais passamos, os encontros e desencontros, os acasos que nunca são por acaso fazendo parecer que o destino trama seus fios, e mesmo que leve anos esses fios se cruzam novamente. E há coisas que sempre retornam, como o verdadeiro amor.

Fábian (Darío Grandinetti) é um executivo de um banco casado com Mariela (Carolina Peleritti) com quem tem uma filha. Logo no início vemos um mundo capitalista onde o presidente do banco diz que ali eles são como um galinheiro, que os que estão mais alto no poleiro sujam os que estão embaixo. Um dos executivos é chamado após a reunião à sala do presidente, ele e Fábian se conhecem há 20 anos, mas nunca foram amigos, antes de ir ele pede para falar com Fábian que lhe diz que depois falariam e sai da sala, neste momento ele sofre um ataque do coração e morre ali mesmo diante de todos.

Fábian é o escolhido para falar no enterro representando o banco, depois ele está sentando num banco no parque e chega um senhor cego (Federico Luppi) que ele reconhece como um escritor famoso e começam a conversar. A partir destes fatos Fábian começa a questionar sua vida, se é feliz, se é o que sonhou ser. Sua vida em casa é fria, todos são distantes, reúnem-se à mesa, mas mal falam uns com os outros e estão sempre apressados.

No consultório Mariela é confrontada por uma paciente (Mabel Rivera) o que a acorda para sua vida também. Então ela propõe ao marido fazerem uma viagem juntos para a Europa.

Fábian não irá, pois ele acaba de conhecer Alícia (Antonella Costa) uma escultora por quem irá se apaixonar perdidamente a ponto de se tornar obcessivo. Já Alícia em momento algum se apaixonou por ele, mas em troca do cheque pelo quadro diz que lhe deu sexo, o que pode ter um preço alto a pagar.

O final é inesperado, mas nada que fuja ao humano quando temos emoções e da loucura que muitas vezes a vida produz em nós. Eu fico me perguntando, independentemente do final, se um momento não pode valer muito mais do que uma vida inteira que é vivida mecanicamente e sob controle, como aquele momento que vemos logo no início do filme. Por outro lado, podemos ficar presos a estes momentos e impossibilitados de seguir em frente e viver intensamente outras coisas, ou será porque nossa vida não é intensa que ficamos presos?



Jorge Algora nasceu em 1963 em Madrid, Espanha

FILMES E LIVROS POR PAÍS DE ORIGEM

PROPUS-ME UM PROJETO ONDE LEREI UM LIVRO E ASSISTIREI UM FILME POR PAÍS, FAZENDO ASSIM UM TOUR PELO MUNDO.

O CRITÉRIO QUE USO PARA DETERMINAR O PAÍS É O LOCAL DE NASCIMENTO DO AUTOR E DO DIRETOR. NO CASO DE EU NÃO ENCONTRAR NADA TENTAREI ENTÃO UM LIVRO OU FILME QUE FALE SOBRE O PAÍS OU DE ALGUÉM DO PAÍS.

CONTINUAREI A LER E ASSISTIR FILME FORA DESTE PROJETO PARA O QUAL ME COLOQUEI O PRAZO DE 12 ANOS PARA SE CONCRETIZAR.

ESPERO QUE GOSTEM!

NO FINAL DA COLUNA DA DIREITA VOCÊS ENCONTRARÃO OS LIVROS E FILMES QUE JÁ SELECIONEI PARA ESTE PROJETO.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

FILME: MAR ADENTRO - 2005


Direção: Alejandro Amenábar - 2005
Duração: 125 min

Baseado em fatos reais, na vida de Ramón Sampedro

Ramón (Javier Bardem) era um jovem cheio de vida que trabalhava como mecânico em navios e assim andava pelo mundo todo até o dia em que ao pular de uma pedra para o mar bate com a cabeça na areia por não haver calculado o recuo do mar o que lhe causa uma lesão no pescoço tornando-o tetraplégico.



O filme inicia quando ele já está assim há mais de 26 anos e está lutando na  justiça espanhola para conseguir o direito ao que chama de uma morte digna, ou seja, a eutanásia ou suicídio assistido, uma vez que não pode se matar ele mesmo, e considera sua vida indigna e sem felicidade.

No começo ele era atendido por sua mãe, mas após a morte dela é sua cunhada Manuela (Mabel Rivera) quem assume seus cuidados, e Ramón sente-se muito mal dependendo dos outros, e considera seu corpo como uma prisão.



Gené (Clara Segura) faz parte de uma associação que luta pela liberdade das pessoas e ajuda Ramón, e possibilita o encontro dele com Júlia (Bélen Rueda) uma advogada que sofre de uma doença degenerativa e que se identifica com ele se dispondo a ajudá-lo e levar o caso aos tribunais. Ao mesmo tempo ele conhece Rosa (Lola Dueñas) que após vê-lo na TV o procura e acaba se apaixonando por ele, pois é o único homem que foi bom para ela.

Júlia o ajudará a publicar seu livro - Cartas do Inferno - e fará um trato com ele que ao lhe trazer o primeiro exemplar ambos se matarão, mas isto não ocorre, pois o marido de Julia a reterá perto dele. Então será Rosa quem ajudará Ramón. Ele gravará um vídeo onde isenta todos seus amigos que o ajudaram e se suicida.

Ramón não aceitou sua condição, mas era um homem vibrante, que sabia fazer uso de sua imaginação de uma forma que muitos de nós jamais conseguiria. Dono de um humor que muitas vezes era negro, mas ele sabia ouvir e movimentava a vida ao seu redor. Um padre (Josep Maria Pou) que também é tetraplégico o procura e tenta convencê-lo a viver, mas este não é o discurso que teria acesso à Ramón.



Quando penso no filme Os Intocáveis que também retrata um fato real há uma imensa diferença de como lidar com a mesma situação entre os dois casos, mas cada um tem sua história e sua capacidade de sofrer os reveses da vida. Ramón se recusava a usar a cadeira de rodas o que obviamente limitou sua vida à cama. Mas ele desenvolveu um mecanismo que chamava de seu computador através do qual conseguia escrever usando a boca.

Não é fácil, 26 anos sem poder se mover, dependendo de outros para todas as suas necessidades. Os sentimentos que se geram diante desta situação são difíceis, mas cabe a cada um que passa por esta situação aprender a lidar com isto ou preferir a morte como no caso de Ramón.

Na Espanha não se considera o suicídio um crime, mas a eutanásia sim. Considero a eutanásia uma forma de ajudar as pessoas que estão com doenças terminais, sofrendo, com dores, e que irão morrer de qualquer maneira só que um pouco mais adiante. A pessoa tem o direito ao suicídio, pode escolher se deseja ou não viver, como Ramón diz: viver é um direito, não é uma obrigação.

Não estou levando em conta aqui nenhum aspecto religioso ou espiritual que condenaria o suicídio ou a eutanásia, mas lembro que prolongar uma vida com aparelhos também é ir contra os desígnios de Deus, e não é a vontade de Deus que se construa estas máquinas, isto é do ser humano com sua inteligência capaz de criar isto.

Julia no final do filme está em uma cadeira de rodas, perdeu os movimentos das pernas e já não se lembra de quase nada, está caminhando para um estado vegetativo, e isto é vida? Alguns dirão que são as provas pelas quais temos que passar e quando acreditamos nisto, sim, é necessário passar, mas há aqueles que não acreditam, e respeito as escolhas de cada um.

Há aqueles que enfrentam as adversidades com mais facilidade do que outros, há aqueles que aceitam o que lhes acontece e tratam de dar outro rumo a sua vida dentro destas condições limitadas por um lado, mas que podem abrir outros campos se a pessoa se dispuser a descobri-las.

Muitos se suicidam de forma inconsciente, quando aceleram um carro a alta velocidade e sofrem um acidente, quando arriscam a vida para vencer desafios que se impõem, ou até mesmo quando atravessam uma rua e não olham e são atropelados, mas nada disto é considerado suicídio, pois não foi consciente. Ramón está lúcido, é inteligente, e deseja morrer. Na minha opinião ele tem este direito. Para ele é a única saída que ele encontrou que é digna, para outros pode ser outra.

Alejandro Amenábar nasceu em 1972 em Santiago, no Chile. 

Veja um vídeo com Ramón Sampedro