quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

LIVRO - A LEBRE COM OLHOS DE ÂMBAR - EDMUND DE WALL


De Waal, Edmund. Intrínseca, 2011
Tradução: Alexandre Barbosa
318 páginas
Título original: The hare with amber eyes

Prêmio Costa Book Award 2010 (Biografia)
Prêmio Ondaatje 2011


Edmund de Wall é um conceituado ceramista, um dos mais importantes do mundo. Ele recebe de herança de seu tio-avô a coleção de miniaturas japonesas, os netsuquês que pertencem a sua família há várias gerações, e parte em busca da história destes pequenos objetos reconstruindo conjuntamente a história de sua família e também dos principais eventos que ocorreram no mundo no final do século XIX e século XX.

Um livro delicioso de ler, um mergulho na história, mas também nos costumes sociais de cada época, falando do convívio social, de arte, da política, mas também da vida da mulher e de todas as sutilezas que envolvem estas vidas.

De Waal não se contentará em levantar a história, ele irá aos locais, irá reviver, sentir, perceber, ele precisa também imaginar e ter a percepção dos netsuquês em todos os locais onde ficaram. Ele nos fala muito do tato, que estas miniaturas precisam ser manipuladas, e algo que me chamou a atenção no livro é a textura de sua capa, é impossível pegar o livro e não sentir algo diferente, uma capa que parece um feltro como o que estava na vitrine dos netsuquês.

A história começa em Paris no século XIX, 1871-1899, onde Charles os adquiriu em uma loja em Paris. Iremos entrar em contato com uma época de artes, Renoir, Proust, Manet entre outros, a Belle Époque. Charles dará as 264 miniaturas como presente de casamento ao primo Viktor, então é a hora de Viena - a Viena fin-de-siècle, de 1899 a 1938. Passamos pela Primeira Guerra Mundial e até a Segunda Guerra quando a família será despojada de tudo por serem judeus. Neste momento se dispersam pelo mundo, mas os Netsuquês são salvo pela fiel Anna, que permanecerá em Viena e os esconderá dos nazistas. Anos depois eles serão entregues a Elisabeth, avó de Edmund e ficarão com Iggie seu tio-avô que os levará de volta ao Japão onde ficarão até a morte deste e serem entregues a Edmund que inicia esta busca e história que nos conta neste livro. Ele ainda irá a Odessa onde tudo começou, onde se formou a fortuna da família Ephrussi.

Um livro extremamente interessante, que nos mostra a história vista de vários ângulos, pelo lado dos homens da família, e pelo lado das mulheres, que nos fala da Europa, mas também do Japão, para nos contar a história de 264 miniaturas, pequenos objetos que rodaram o mundo e sobreviveram as guerras sem se dispersarem. A cada procura que De Wall empreende, ele sempre levará um deles em seu bolso, pois foram feitos para serem tocados, para estarem na vida.

Recomendo a leitura.




Edmund De Wall nasceu em 1964 em Nottingham na Inglaterra. Sua avó paterna, Elisabeth,  era nascida Ephussi, família sobre a qual nos relata em seu livro. É um ceramista, e já foi curador, professor, crítico de arte, historiador de arte e professor de cerâmica. Mora em Londres com a família.

domingo, 26 de janeiro de 2014

LIVRO: DOLCE AGONIA - NANCY HUSTON


Huston, Nancy. L&PM Editores, 2008
Tradução: Cássia Zanon
240 páginas

Quem relembra o jantar de Ação de Graças que Sean Farrell oferece aos seus onze amigos é Deus. Se na "Menina que roubava livros" era a Morte, aqui temos Deus, porém, qual a diferença? pois se é Deus que determina o fim de cada um deles e os chama para si?

Logo no início no Prólogo no céu Deus fica espantado com sua própria criação, mesmo conhecendo tudo a respeito de cada um deles, são capazes de surpreendê-Lo. "Cegos, cegos... eternamente esperando e tateando, esforçando-se por acreditar na minha bondade, descobrir o sentido de seus destinos, entender os meus planos. Simplesmente não conseguem evitar a busca por um significado."

E lá estão eles reunidos para o jantar de Ação de Graças e enquanto se desenrola o jantar entre conversas, risos, piadas, lembranças, também cada um deles irá pensar em episódios de suas vidas, a dor, a velhice, a doença, a morte, a perda. A cada final de um capítulo, Deus nos contará como um deles irá voltar  para ele, independentemente do que eles desejam, do que sonham, a vida termina um dia, e nem sempre na hora que eles considerariam a melhor, a esperada. Neste ponto, Deus nos mostra uma faceta nada bondosa, uma vez que devido sua lógica do que traçou para cada um, dentro do universo que criou, ele os arrebata em momentos que impedem a alegria de uma criança, um reencontro, um momento de amor, mas em outros momentos Ele chega a tempo para fazer parar um sofrimento, uma dor que está se tornando intolerável.

Todos ali tiveram bons momentos, mas humanamente conseguem se apegar mais aos maus momentos, mesmo que ele tenha sido só um instante, mas outros, carregam traumas que são difíceis de esquecer. Como é fácil e perigoso julgar ao outro sem saber nada dele. Como um episódio, uma história é cômico para uns e desperta algo horrível para o outro. Como uma simples palavra - avião - pode trazer boas e más lembranças.

Um grande painel do que é o ser humano e do mundo ali, entre quatros paredes, como uma pintura, como uma Santa Ceia, muito bem construído por Huston.

Nancy Huston nasceu em 1953 na cidade de Calgary, Canadá. O abandono por parte de sua mãe quando tinha seis anos a levou para a literatura. Ela escreve principalmente em francês e é sua própria tradutora para o inglês. Obteve o Mestrado em Paris na École de Hautes Études en Sciences Sociales tendo como orientador Roland Barthes. Ela vive em Paris com seu marido Tzvetan Todorov e seus filhos.

SKOOB

Vocês podem me encontrar também no Skoob onde consta minha biblioteca

http://www.skoob.com.br/estante/livros/todos/829732/page:1

sábado, 25 de janeiro de 2014

LIVRO: A MÃO DO AMO - TOMÁS ELOY MARTÍNEZ


                                     


Martínez, Tomás Eloy. Companhia das Letras, 2008
Tradução: Sérgio Molina e Lucas Itarambi
160 páginas
Título original: La mano del amo

Arrepiante, a história de Carmona incomoda, tira do lugar. Uma mãe - Mãe, voraz, castradora, que devora tudo e a todos, que visa exclusivamente ao seu desejo. Sua força é tão grande que mesmo depois de morta ela é introjetada pelo filho e é vista nos gatos que deixou de herança. Ela é uma coleira no pescoço do filho.

O livro descreve como somos surrupiados da vida pela força do outro, seja pelo desejo de ser amado, seja pelo medo, seja por desejar ser como este outro. Um redemoinho que nos engole, raízes de uma planta que nos suga para o fundo presos nas suas teias. Não conseguimos romper por medo de morrer, de perder o que nunca tivemos. No fundo o que queremos é atender ao desejo deste outro, desta Mãe. Carmona queria fazê-la feliz.

A história começa com a morte de "Mãe", é assim mesmo, Carmona nunca nomeia ou a chama de a mãe, mamãe, é Mãe, Pai e gêmeas, suas irmãs. Ele inicia um mergulho em si mesmo, contando e recuperando o pouco que pode na primeira pessoa ou na terceira pessoa, como se fosse um outro que fala dentro dele, talvez aquele que ele gostaria de ter sido e não pode.

Mãe, que poderia equivaler a um ditador, e como na política e no social, são poucos os que fazem parte da resistência correndo todos os riscos que isto impõe, inclusive morrer. Outros partem para o exílio, talvez voltem, ou não. Poucos são os que se libertam de Mãe.

Mães que precisam ser derrotadas, castradas, mas raramente o são porque não permitem que quem possa fazê-lo se aproxime. Geralmente Pai é fraco e não tem coragem de enfrentá-la, assim como os filhos. A história de Carmona é a psicose, ele tem delírios, ouve vozes, conversa com os gatos como se fossem humanos e os escuta.

 Ele tem um dom excepcional, uma voz magnífica, que segundo Mãe deve à ela, que chega inclusive a querer se apoderar dela - ele poderia gravar e colocariam no nome dela como a cantora. A única tentativa de se afastar é interrompida porque Mãe apesar de dizer que ele pode fazer o que quer, sofre um ataque do coração e seu primo cancela o recital e lhe diz que tem que voltar, o que ele faz, para encontrar Mãe já recuperada.

O espaço onde se conta a história é pequeno, como é a vida de Carmona, restrita, fechada. Nem mesmo a vala que vai até o mar poderia ser usada, ela está oculta agora, não há mais trilhas que levam até lá. Uma vez no deserto ele pensa em ficar ali, mas morreria. A presença dos gatos, as alucinações, o delírio, o desejo de matá-los, ele bem que tenta, mas não consegue, não consegue matar Mãe, e se verá frente aos seus recalques, a tudo que reprimiu dentro de si. Tenta domá-los e ensaiá-los para uma apresentação, como se estivesse domando Mãe, mas também não consegue. Como poderia? como pode se afastar? ter sua própria vida de acordo com seu desejo, ele não pode desobedecer aos pais, está preso na coleira amarrado à uma árvore, e terá que lamber a mão do amo para sempre.

 Tomás Eloy Martínez nasceu em 1934 em Tucumán, Argentina e faleceu em 2010 em Buenos Aires. Formado em Literatura Espanhola e Latino-americana, foi jornalista e escritor.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

LIVRO: PEÇAS EM FUGA - ANNE MICHAELS



Michaels, Anne. Companhia das Letras, 1997
Tradução: José Rubens Siqueira
222 páginas

O Romance nos fala de duas biografias, a de Jakob Beer e a de Ben. Ambos tiveram suas vidas modificadas devido à guerra.

"A experiência que um homem tem da guerra jamais termina com a guerra. O trabalho do homem, assim como a sua vida, jamais se completa..."

Até que ponto o tempo pode apagar dores indizíveis? ou ao contrário, ele as perpetua? A guerra terminou em 1945, mas por quanto tempo e espaços tudo que ela significou e provocou irá se perpetuar e continuar como se fossem ondas no espaço e tempo?

Jakob escapa dos nazistas com a ajuda de Athos, que o leva para a Grécia, após ter ficado enterrado para se esconder. Mas mesmo com todo o amor, o cuidado que Athos lhe oferece ele nunca mais se esquecerá de seus pais e principalmente de Bella, sua irmã. Por mais que Athos o distraia com histórias, conhecimentos, e lhe diga para escrever, ele não esquece. Não saber o que realmente aconteceu com  sua irmã, como ela morreu a transforma num fantasma que o persegue.

Ben acaba conhecendo Jakob, e irá se envolver na vida deste ao ir procurar seus cadernos na Grécia após sua morte. Ben é filho de pais que sobreviveram ao holocausto, mas um segredo que se revelará somente após a morte destes o fará compreender melhor a dor e o porque de tanto silêncio. Porém ele irá sofrer as consequências, pois sua mãe por medo terá um excesso de zelo com ele, e seu pai nunca se mostrará totalmente para ele, sendo uma pessoa distante e fechada.

Michaels trabalha com o relato, mas inclui a poesia para falar de coisas dolorosas, e coloca a ciência e o tempo em paralelo com a vida de uma forma brilhante, nos levando a pensar que estamos sempre sujeitos a catástrofes, ao imprevisto. A diferença é que temos a sensação de que as guerras poderiam ser evitadas, ao contrário de um temporal, um ciclone, um rio que transborda devido às chuvas e leva com ele tudo que tem pela frente ou uma avalanche de neve. E o maior imprevisto de todos, mas do qual ninguém escapa, a morte.

Jakob viveu tudo, assistiu ao massacre de seus pais, quando saiu de seu esconderijo sua irmã não estava ali. Fugiu, se escondeu, viveu o terror. Ben nasceu depois da guerra, mas seus pais passaram por ela e também viveram os horrores. E qual a diferença entre os dois? ambos carregam em si os efeitos, ambos sofrem com o que jamais termina com a guerra e que somente a poesia, a linguagem pode vir para reparar, reconstruir, as palavras, faladas ou escritas.

Também achei interessante saber um pouco sobre a Segunda Guerra na Grécia.

Anne Michaels nasceu em 1958 na cidade de Toronto no Canadá.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

FILME: ÁLBUM DE FAMÍLIA - 2013


Direção: John Wells - 2013 
Duração: 121 min
Título Original: August: Osage County 
Roteiro: Tracy Letts
País: Estados Unidos 

Adaptação da peça de teatro homônima de Tracy Letts 

Meryl Streep está brilhante no filme no papel de Violet, a mãe de três irmãs que se reencontram por ocasião do desaparecimento do pai delas que acaba sendo encontrado morto.



O filme é dramático, tem um excesso visível, mas por outro lado, o que ele nos mostra e desmistifica é o amor incondicional que supõe-se deva existir numa família, e que por ocasião de um funeral deveriam todos se apoiar mutuamente. Mas apesar do excesso, não foge ao que é a realidade da maior parte das famílias, apenas ocultado por baixo de um verniz, uma máscara, onde todos sorriem, se apoiam, mas assim que viram as costas é um mar de críticas, rancores, mágoas. No filme tudo isto vem a tona ali mesmo, um acusando o outro, um jogando para o outro a responsabilidade, um cobrando do outro e todos querendo ter a última palavra, ser o mais forte, ter o poder de mando.

Um casal, no qual cada um encontra uma fuga, ela nos remédios e ele no álcool e nos livros, seu prazer de viver. A história que se repete, a mãe de Violet irônica, mordaz, cruel, ela idem com as filhas e a família e a filha Barbara (Julia Roberts) que segue os passos.



Todos tem seus problemas, dores e dificuldades. Os segredos de família que sempre aparecem em algum momento. Mas nada disto é suficiente para explicar ou justificar o que se vê no filme, a destruição familiar, sua desagregação, onde todos tem dificuldades de estar em seu lugar, seja o de mãe ou pai, seja o de filha ou filha. Não é porque tenho uma mãe assim que vou destruir minha vida, posso ter os traumas, mas também posso olhar para eles de outra forma, e me parece que seja o que Barbara acaba descobrindo ao final do filme.

John Wells nasceu em 1956 em Alexandria, Virgínia, EUA. 

sábado, 18 de janeiro de 2014

LIVRO: O CANTOR DE TANGO - TOMÁS ELOY MARTÍNEZ



Martínez, Tomás Eloy. Companhia das Letras, 2004
Tradução: Sérgio Molina
221 páginas
Título original: El cantor de tango

Irei a Buenos Aires este ano e como não conheço a cidade fui em busca de algo sobre ela. Nunca fui de ler guias de turismo, prefiro um romance, uma história que me fale do lugar e não podia ter feito melhor escolha pegando o Cantor de tango que estava na minha Biblioteca já faz um tempo aguardando para ser lido.

Foi um mergulho na Buenos Aires, nos lugares, na vida, na sua história, me senti lá, e ao terminar o livro tenho a sensação de já estar vendo a cidade, não a turística, mas o labirinto que é Buenos Aires, assim como seu povo que é este labirinto, pois " que a forma de um labirinto não está nas linhas de seu traçado e sim nos espaços entre essas linhas." E o que temos neste espaço? as pessoas e sua vida.

Bruno chega em Buenos Aires para tentar encontrar um cantor de tango que dizem ser melhor que Gardel, mas que não é conhecido no meio musical uma vez que nunca gravou nada, para completar sua tese sobre Borges e os tangos que segundo este seriam os que eram cantados antigamente nos bordéis e não os que vieram depois e provocaram o desaparecimento dos verdadeiros.

Mas esta busca não será fácil, pois Julio Martel, nome artístico de Estéfano, não é fácil de ser encontrado uma vez que não canta mais em lugares acordados, mas sim nos mais improváveis, como túneis, prédios antigos, em frente ao mercado, sem nenhum anúncio disto.

Acompanhamos Bruno nesta busca que nos leva por Buenos Aires, por seus lugares e sua história, como se estivéssemos num labirinto seja de ruas, seja de histórias que se sobrepõem. Um mapa que não é o da cidade, mas sim dos locais onde ele cantou e que poderia indicar o próximo, mas para isto é preciso saber porque ele cantou em determinado lugar.

Conheceremos então uma Buenos Aires que se assemelha ao tango, que é cantada no tango, na solidão e no amor, na tragédia, na dor, e na esperança.


 Tomás Eloy Martínez nasceu em 1934 em Tucumán, Argentina e faleceu em 2010 em Buenos Aires. Formado em Literatura Espanhola e Latino-americana, foi jornalista e escritor.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

FILME: A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS - 2014


Direção: Brian Percival - 2014
Duração: 131 min 
Título original: The book tief
País: Reino Unido 

Adaptação do livro de Markus Zusak 

Primeiro filme que assisto este ano, e não poderia ter sido melhor. Já havia me apaixonado pela história de Liesel que a Morte nos conta no livro de Markus Zusak e ao assistir tudo o que imaginei lendo pude finalmente ver. Os personagens ganharam rostos, feições, os sons e as palavras ganharam mais vida.



Singelo e triste, mas uma bela história sobre a Segunda Guerra vista pelo lado alemão, onde nem todos eram nazistas ou odiavam os judeus.



A morte que só comparece quando é a hora e nunca antes não resiste e estará ao lado de Liesel (Sophie Nélisse)  por três vezes antes de realmente ir buscá-la, e nos contará sua história.

Numa rara vez o filme consegue fazer uma adaptação quase perfeita do livro, só senti a falta de se acentuar mais estes encontros da Morte com a menina. Ela aparece no filme, mas uma vez que ela é a narradora deveria estar mais presente, mas mesmo assim, é possível compreender sua presença.



Liesel é deixada por sua mãe aos cuidados de um casal de alemães. Seu pai adotivo (Geoffrey Rush) irá lhe ensinar a ler e ajudará sua mãe (Emily Watson) nas tarefas de casa. Mas sua vida não será apenas isto, com a guerra haverá muitas perdas que ela terá que enfrentar.



Como já falei do livro no blog, não serei repetitiva aqui. Mas recomendo o filme.

Brian Percival é um cineasta inglês

Trilha Sonora de John Williams

John Williams

LIVRO: A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS - MARKUS ZUSAK



Zusak, Markus. Intrínseca, 2007
Tradução: Vera Ribeiro
500 páginas

"Quando a morte conta uma história, você deve parar para ler."

Li este livro quando foi lançado, e é um dos que mais aprecio.

A morte sofre com o fato das pessoas não gostarem dela, ainda mais que há um pequeno fato: você vai morrer! e não tem como não encontrar com ela que ressalta que não é preciso fugir, ela só vai ao encontro de alguém quando é a hora, exceto, uma única vez em que ela esteve ao lado de uma pessoa: Liesel Meminger, por três vezes, e justamente este fato a impressiona e ela resolve então nos contar a história da menina que roubava livros.

Segunda Guerra mundial, a mãe de Liesel está a caminho para entregar os filhos para adoção, ela é comunista e perseguida pelos nazistas. No caminho o irmão de Liesel morre. O primeiro livro que ela irá roubar é o Manual do Coveiro, através do qual aprenderá a ler. Liesel é entregue a um casal alemão, Rosa e Hans Hubermann.

Será através do livros que ela roubava, ou melhor, emprestava, que Liesel dará sentido a sua vida, através das palavras e do que podem significar, palavras que irão possibilitar ao judeu Max, escondido no porão dos Hubermann a ver com seus olhos como está o dia lá fora. Será contando histórias que ela irá diminuir o medo dos que estão abrigados no porão enquanto a cidade é bombardeada.

O livro nos retrata a Alemanha durante a guerra, onde nem todos eram nazistas. Aos poucos Liesel irá se sentindo amada, e terá um melhor amigo Rudy, além de Max que está escondido dos nazistas.

Somente a morte poderia nos relatar esta história com tanta simplicidade e singeleza. Ela se espanta com o ser humano, e com a capacidade de ser bom e cruel ao mesmo tempo. Finalmente no quarto encontro com Liesel irá para buscá-la. Ela estará com 90 anos.

Markus Zusak nasceu em 1975 em Sidney, Austrália. Ele cresceu ouvindo histórias de sua mãe que era alemã sobre os nazistas, os bombardeios e os judeus e sabia que era esta história que teria que contar.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

LIVRO: UN PÈRE - puzzle - SIBYLLE LACAN


Lacan, Sibylle. Gallimard, 1994
106 páginas

Não encontrei o livro em português, acredito que não esteja traduzido. Trata-se de Sibylle, a  filha do psicanalista Jacques Lacan, de seu primeiro casamento com Malou Blondin, com quem ele teve mais dois filhos, a primogênita Caroline e Thibaut. Ela era a terceira e nasceu quase que ao mesmo tempo da filha mais conhecida, Judith Miller, com Sylvia Bataille.

Ela não fala do Lacan psicanalista, da figura pública, mas sim, trata-se do resgate de um pai, falar do pai, fazer surgir de sua memória tudo que a marcou, e justamente por isto o subtítulo de puzzle, o quebra-cabeças que vai se montando aos poucos com os fragmentos das lembranças. Trata-se de falar do amor a um pai, quase ausente, mas ainda assim seu pai.

Apesar da distância e da tristeza disto, ela não perde seu bom humor e mantem seu desejo pela vida. Ela que foi concebida em um encontro de seus pais quando já separados, diz que não nasceu do desejo, mas que é a filha do desespero. Quando nasceu ela diz que sua mãe não se ocupou dela, ela não me havia desejado e ela estava vivendo sua dor pessoal. Somente por ocasião do casamento de sua irmã Caroline é que Sibylle fica sabendo da existência de uma irmã Judith e deseja conhecê-la, mas irá se desiludir, pois se sentirá esmagada por ela em seu primeiro encontro, ela tão perfeita, tão amável e ela tão diferente disto. Nunca se deram bem. Sibylle irá fazer uma depressão.

Aos poucos ela vai relembrando dos bons momentos que teve com seu pai, nos conta cenas hilárias, mas também cenas muito tristes, do abandono que ela sentiu por parte de seu pai e de sua certeza de que ele preferia Judith, ela odiará seu pai por um bom tempo, mas onde o ódio se instala há amor.

Nos últimos dois anos antes da morte de seu pai ela já não terá contato com ele, e nem será comunicada de sua situação de saúde, sendo avisada somente quando ele já está à morte. Seu reencontro final com ele será em uma visita ao seu túmulo onde ela lhe dirá: Querido papai, eu te amo. Você é meu pai, você sabe.


Sibylle Lacan nasceu em 1940 e faleceu em 2013.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

LIVRO: O ATENTADO - HARRY MULISCH



Mulisch, Harry. José Olympio Editora, 2007
Tradução: Cristiano Zwiesele do Amaral
287 páginas

" Sua postura implica que, para ele, os acontecimentos já estejam de alguma maneira presentes no futuro, até chegar o momento em que alcançam finalmente o presente para virem a repousar no passado."

Em questão de minutos a vida de Anton muda completamente, tudo o que poderia ser, o que deveria ser, nunca mais o será, mas aquele instante em sua infância o marcará e irá sem que ele perceba definindo seu futuro até que ele finalmente possa confrontá-lo, compreender para então colocá-lo no passado.

O trauma foi forte, trágico, mas ele o esquece, recalca, e segue sua vida , sem se sentir uma vítima, sem perceber todos os efeitos daquele momento em si mesmo e também do quanto a dúvida, o não saber pode afetar sua vida.

Ele se tornará um anestesista, aquele que anestesia, que faz com que uma pessoa não sinta a dor, o que não deixa de ser uma metáfora sobre ele mesmo, haveria outra possibilidade para o menino que sonhava em ser piloto de avião? Escolherá para sua esposa uma mulher que traz em si os traços de outra mulher que o acalentou no momento trágico de sua infância. Seu filho se chamará Peter, como o irmão. Ele sentirá um mal estar a cada vez que encontra algo que traz o traço do trauma, uma cena de uma mulher na varanda, um dado em cima de uma mesa, até que acabará tendo uma crise de pânico.

Mas o livro não se atém apenas aos efeitos do trauma, ele também fala de como um ato, ou no caso, o atentado, pode modificar várias vidas e salvar outras. No relato da vida de Anton,  surge o panorama da vida na Holanda e do mundo após a Segunda Guerra até os anos 80. Mulisch penetra a alma humana, de como ela reage diante do medo, da culpa, do heroísmo, do que pode ser irrisório para uns e de suma importância para outros, de como o assassino pode se transformar num anistiado, e outro pode ser perdoado, mas a história sempre se repete em outros contextos, com outras pessoas.

Somente quando ele finalmente reconstrói sua história, lhe dá uma coerência e a aceita é que ele pode construir seu futuro, ao invés de deixá-lo ser apenas a consequência.

Um belo livro que recomendo.

Harry Mulisch nasceu em 1929 em Haarlem e faleceu em 2010 em Amsterdam - Holanda.

domingo, 12 de janeiro de 2014

LIVRO: UTZ - BRUCE CHATWIN


Chatwin, Bruce. 2ª ed. Companhia das Letras, 2007
Tradução: Hildegard Feist
103 páginas

O narrador que permanece sem ser nomeado vai para Praga no verão de 1967, um ano antes da invasão soviética conhecida como Primavera de Praga, para fazer uma pesquisa histórica sobre a paixão do imperador Rodolfo II por colecionar objetos exóticos, tendo a intenção de elaborar posteriormente um trabalho maior sobre a psicopatologia do colecionador compulsivo.

Acabará interessando-se por Kaspar Joachim Utz, dono de uma fabulosa coleção de porcelana de Meissen,  um sobrevivente do nazismo e stalinismo na então Tchecoslováquia e que no momento reside num apartamento de dois cômodos onde mantém sua coleção graças a várias manobras e capacidade de se subtrair ao atual governo que vê na sua coleção a presença da decadência burguesa e acredita que elas pertençam ao povo e deveriam estar num museu, apesar deste nunca estar aberto, justamente para que o povo não possa entrar.

Tudo tem início com uma peça que pertencia a sua avó, o Arlequim, pelo qual UTZ se encanta. Ele o quis naquele momento, mas somente quando morre seu pai é que a avó lhe dará o tão desejado Arlequim. Neste dia ele declara ter descoberto sua vocação - se dedicar a colecionar as porcelanas de Meissen. E sua vida será toda dedicada a esta coleção, levando-o inclusive a desistir de ir para o exílio por não poder levar consigo a sua coleção.

Esta coleção com todos seus personagens e o que representam acaba se tornando para Utz o mundo real, isolando-o de tudo o que ocorria do lado de fora, ou seja, a guerra, o comunismo, o nazismo, e as privações e limitações impostas pelo Estado totalitário.

A negação da realidade criando um local onde se vive em um outro mundo, onde ele como Arlequim encontra sua Colombina, e podem viver como o barão e a baronesa,  ou uma proteção contra uma realidade que se torna amarga e difícil de suportar?.  Ele fará de tudo para proteger sua coleção, mas se por um lado ele parece ignorar e ser indiferente a tudo que ocorre desde que possa se manter ali com suas peças, por outro ele tem a percepção do mundo representado nestas peças, e às vezes pode compreender melhor o que acontece e até o que vai acontecer do que os outros.

As peças de porcelana representavam a continuidade, a longevidade, e ao contrário do que pensava a fotógrafa do governo, eram o antídoto para a decadência.


Bruce Chatwin nasceu em 1940 em Sheffield, Inglaterra e faleceu em 1989 em Nice, na França.

sábado, 11 de janeiro de 2014

LIVRO: A HISTÓRIA DO AMOR - NICOLE KRAUSS



Krauss, Nicole. Companhia das Letras, 2006
Tradução: Paulo Schiller
315 páginas

Este livro é narrado por diversas vozes em sua alteridade e em dois tempos diferentes, um na Polônia há sessenta anos atrás, e outro no mundo contemporâneo.
Um jovem judeu e polonês apaixonou-se por Alma na Polônia, aproxima-se a Segunda Guerra,  e Alma parte para os Estados Unidos. Ele fica,  prometendo ir encontrá-la assim que tivesse dinheiro suficiente, o que não irá acontecer pois ele terá que fugir dos nazistas, escondendo-se em florestas, passando por privações, medo, fome. Mas antes disto ele escreveu um livro, A História do Amor, que fala do seu amor por Alma, mas também da vida, e o entregará a um amigo que também partiu,  para que o guarde até se reencontrarem.
Sessenta anos depois Leo Gursky é quem inicia o livro. Ele vive nos Estados Unidos, tem um amigo que se chama Bruno. Vive pensando em sua morte próxima.
Alma Singer é uma adolescente que perdeu seu pai. Ela vive com o irmão Bird e sua mãe, uma tradutora. Descobre que seu nome é uma homenagem a uma personagem de um livro que seu pai comprou e deu para sua mãe: A História do amor, escrito por Litvinoff, que morava no Chile. Um homem solicita a sua mãe que traduza este livro para ele, e Alma na tentativa de fazer sua mãe feliz quer aproximá-lo dela, e para descobri-lo começa uma investigação detetivesca, que se reverte na busca de quem era a Alma do livro de quem ela tem o nome.

Gursky traz em si as marcas da Guerra, das perdas, da dor, ele é um solitário que sempre tenta ser visto, ou seja, ao ser notado ele sente que existe.  Litvinoff também sofreu com a guerra, mas encontra Rosa que lhe trará a alegria de viver. Charlote, a mãe de Alma tenta enfrentar o luto pelo seu marido de um jeito que ela consiga sobreviver.

No fundo o livro traz a tona a tragédia de uma guerra e no que ela pode provocar no destino de cada um, alterando tudo, separando, afastando, mudanças que não erram esperadas, e que não teriam ocorrido se não houvesse ocorrido a guerra. Mas será? O Tio Julian, irmão da mãe de Alma Singer, decidiu que estava diante de sua futura esposa quando a viu de leggins no zoológico, e se não fosse por estar vestida assim ele tem certeza de que não a teria notado.

A vida surpreende sempre devido as mudanças que são capazes de ocorrer na vida de todos, hoje é assim, amanhã não é mais, e não só pela morte de alguém como foi para Charlote, ou a guerra como foi para Leo e Alma, ou para Litvinoff, mas uma peça de vestuário pode definir um destino, ou um soldado da SS que procura judeus escondidos, mas que está desconfiando de sua mulher, e ao invés de revistar o local prefere desabafar com o colega, e com isto uma vida se salva, graças a uma mulher que nunca saberá disto.

O que pode manter uma certa memória nisto tudo? uma certa ligação, um elo, associações? Somente a palavra, mas não há palavras para tudo. Mas ainda assim, um livro, A história do amor, teve este papel entre os personagens deste livro, de servir de corda, que de uma forma ou outra manteve um certo elo, mas também criou outros novos, por que a vida se renova sempre. E um livro é sempre uma obra de criação, e os que sobreviveram à guerra, os que perdem seus entes queridos, os que estão começando sua vida, precisam ou recriar ou inventar sua vida, mesmo que seja apenas através do imaginário para que possa suportar a dor.

" Cem coisas podem mudar sua vida. E por alguns dias, entre a hora que recebi a carta e a hora em que fui encontrar quem a enviara, tudo foi possível."

Viver é perigoso! mas é também a melhor coisa que pode nos acontecer.


Nicole Krauss nasceu em 1974, em Nova Youk.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

LIVRO: TERRA SONÂMBULA - MIA COUTO



Couto, Mia. Companhia das Letras, 2007
206 Páginas

Moçambique após a independência, a guerra civil que devasta o país, o velho Tuahir resgata o menino Muidinga da morte num campo de refugiados e começa a Odisseia dos dois. Vão em busca dos pais do menino, pelo menos é o que alegam, mas onde procurar numa terra devastada pela guerra, que já não oferece caminhos para isto? Somente no sonho, na fábula seria possível reconstruir a identidade do menino.
Encontram um ônibus incendiado e resolvem se abrigar nele. Lá encontram uma mala, dentro os cadernos de outro garoto, Kindzu, outro que foge deste mundo atroz e que escreveu estes cadernos conforme vai sonhando.
De um lado o nu das atrocidades da guerra civil, dos bandos que assassinam, dos campos de refugiados, da perda de tudo, família, lugares, sua história, mas o pior, perder sua identidade, como diz o feiticeiro no sonho de Kindzu : " - Que morram as estradas, se apaguem os caminhos e desabem as pontes. (...) Porque esta guerra não foi feita para vos tirar o país, mas para tirar o país de dentro de vós." De outro lado, a linguagem, a narrativa, contar histórias e os sonhos.
Diante do árido, do sem sentido, do caos é melhor sonhar do que se perder. E Muidinga vai sonhando com os cadernos de Kindzu, reconstruindo um saber que lhe escapava, através das tradições, dos mitos, das crenças de seu povo, até poder se constituir e saber quem é ele, o que Kindzu lhe dará ao final.

Um belo livro. A riqueza antropológica, a narrativa e a capacidade de construir o caminho e deixar as estradas viverem para poder não se perder. Diante de tantas guerras civis onde o conquistador quer apagar os traços do que constitui o povo, sonhar e contar histórias é a possibilidade de não perder suas origens e de manter vivo tudo aquilo que se é.

Mia Couto nasceu em 1955 em Beira, Moçambique.É biólogo e escritor.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

FILME - O CÉU QUE NOS PROTEGE - 1990


Direção: Bernardo Bertolucci - 1990
Duração: 138 min 
Título Original: The sheltering sky 
Roteiro: Bernardo Bertolucci e Mark Peploe
País: Itália 

Baseado no livro de Paul Bowles 

O Filme já vale pelas suas imagens do deserto, e da vida na África, das cidades.  As cidades, a gente olha e é estranho, aquela construção enorme no deserto, murros, poucas janelas. Claro, tempestades de areia. O filme mostra uma caravana chegando, e entrando nestas cidades, é incrível o labirinto que são, e os camelos vão juntos, por aqueles corredores estreitos, fazendo curvas, e retornando na mesma direção. 
O filme é sobre um casal de escritores Kit (Debra Winger) e Port (John Malkovich)  que viajam para a África com um amigo George (Campbell Scott).  Partem de New York. Logo no início do filme eles falam do tempo, e de que eles, o casal são viajantes e portanto não tem tempo, já o outro é um turista, que vai retornar após duas semanas. O casal está em crise. O marido nunca consegue ficar sozinho com a mulher, o amigo está sempre por ali. E começam a discutir o que ele está fazendo ali, quem o levou, por que foi junto. Ele se convidou, mas quem aceitou? Este amigo está apaixonado pela mulher e ela gosta disto, de se sentir desejada, seduzida. 
Um casamento em crise, 10 anos, rotina, acomodação, silêncios, claro que se sentir desejado é bom. Encanta, seduz, o novo, o diferente. Ao invés de tentar resolver o que há é mais fácil ser seduzido por algo novo. Num dado momento o amigo lhe pergunta sobre o marido: Será que ele sabe de nós? E ela responde: Ele sabe, mas ele não sabe que sabe.
Há coisas que não passam desapercebidas, sempre sentimos, percebemos, intuímos, não sei o que é exatamente, mas captamos isto. Um casal em crise que parte para tentar se reencontrar não leva um amigo junto. O amigo já era uma parede, uma divisória entre eles. Não apenas o fato de dormirem em quartos separados, mas a própria vida deles, como agem, os separam. Inconscientemente eles se separam através de seus atos.

O marido tem um sonho, sobre o deserto, um lençol e morte. Ela não quer ouvir. Ela não quer por que o sonho fala demais. E ela não quer enfrentar.



Num dado momento ele consegue se livrar do amigo, mudando sua rota. A partir de agora estão só os dois, e o silêncio se instala. O deserto e seu silêncio, é um vazio árido. Mas o deserto é uma imensidão. Atordoa e ali o céu é que nos protege, põe um limite, cerca o deserto. Os dois viviam sem tempo, sem projetos e sem futuro. Viviam sem o tempo.



É quando ele contrai febre tifoide. Ela entra em desespero. Procura a legião estrangeira, e ali fica com ele, sem muitos recursos. Antes de morrer ele dirá: percebi que tenho vivido para te amar.
Agora ela está só, sem ninguém. Parte junto com uma caravana. Não fala uma palavra, não pode se comunicar, um dos líderes se interessa por ela. Faz dela uma amante, ou para ele outra mulher. Há uma cena simbólica, onde ela enterra suas roupas, peças íntimas, se enterra como a mulher que era. Chegando na cidade ele a fecha  num quarto onde vai vê-la. Ela tem que se acostumar as novas roupas, comidas diferentes, ao sol do deserto. Passa um bom tempo sem poder falar com ninguém e sem compreender ninguém. 



Agora o silêncio é outro, agora ela quer falar e não pode. O líder viaja de novo e suas mulheres a libertam. Ela foge.Está perdida no meio da rua, com fome, quer comer, transgride alguma regra e acaba sendo agredida, quase linchada.

Com sua ida para o hospital a Embaixada Americana a localiza, pois o amigo havia avisado de seu desaparecimento. Vão buscá-la e no caminho a mulher que a acompanha informa que o amigo a espera no hotel. Percebe-se o tempo que se passou pelo rosto dele, que está mais velho. Não se sabe ao certo quanto tempo se passou, o tempo que ela ficou com os locais. Seu olhar é distante, quase uma insanidade. Mas ela foge, não encontra o amigo, vai para o bar onde esteve com seu marido e onde ele falou sobre o sonho. Um senhor, que na verdade é o narrador do filme, está ali, ela lhe diz: estou perdida!

Eles não conseguiram se falar, ela não deixou, fugia, mas estava insatisfeita. Ele também estava insatisfeito. Não conseguiram e a aproximação só ocorreu na doença e morte. Ficaram os momentos, os poucos dos quais conseguimos nos lembrar em uma vida e que iremos recordar para sempre, mas que são estruturantes, dão suporte a quem está perdido, quando este consegue se lembrar.
Um filme sobre desencontro, silêncio, e a questão do tempo. Um casal que se deixa levar, que não sabe para onde vai, nem onde deseja chegar. Quando o sabemos já somos atropelados pelas contingências da vida, agora quando as contingências surgem na vida de alguém que não vê o futuro, ele desestrutura tudo, todo aquele presente. A mudança é radical, como ocorre com ela.

Assista ao visual do filme que é fantástico e belíssimo


Bernardo Bertolucci nasceu em 1941 em Parma, Itália.

Trilha Sonora de Richard Horowitz e Ryûichi Sakamoto





Richard Horowitz é um compositor especializado em música do Oriente Médio.

Ryuichi Sakamoto nasceu em 1952 em Nakano, Tóquio, Japão. É um músico, produtor, compositor e ator japonês. 

LIVRO: CIDADE ABERTA - TEJU COLE


Cole, Teju. Companhia das Letras, 2012
Tradução: Rubens Figueiredo 
315 páginas

Julius é um nigeriano que vive nos Estados Unidos em Nova York no pós-Onze de Setembro e faz residência em psiquiatria. 
Um livro sobre o híbrido, traumas e uma imensa solidão. Ele passa seus dias no Hospital e depois sai para caminhar pela cidade. A sensação da solidão que ele nos passa caminhando e relatando o que vê somado a informações históricas e também suas lembranças do passado. Aquele momento onde percebemos em alguma coisa ou algo uma pequena lembrança de algo que nos ocorreu que nos vem da memória. Mas ele também empreende uma fuga de tudo, deixa muitas reticências, não consegue se confrontar com seus fantasmas e prefere esquecê-los. 
Faz uma tentativa indo procurar sua avó que mora na Bélgica, mas passa seus dias naquela cidade fazendo a mesma coisa, flanando pela cidade, com uma diferença que ele conhece Farouq e mantém conversas com ele, porém em todos os momentos de seus encontros ele mais escuta e pensa do que fala. E não me parece que faz algum esforço para encontrar sua avó de fato, e que talvez nem ele mesmo saiba o que foi fazer ali, pois provavelmente tinha consciência da dificuldade que seria encontrá-la, supondo que ainda estivesse viva.
É no relato de suas errâncias que notamos mais profundamente o hibridismo atual, nas diferenças e nos iguais, que ele relata. Seja nos restaurantes que cita e que são vários podendo ser locais ou indianos, chineses, seja nas lojas que visita e que igualmente podem ser representativas de vários locais, e nas pessoas que encontra nas ruas. Farouq defende a diferença, outros acham que as pessoas precisam ser vistas como iguais. 
Os traumas de guerra e da vida que surgem seja nas lembranças de Julius, no que ele vê ou nos relatos de pacientes. As pessoas que deixam seus locais de origem devido ditaduras cruéis, genocídios, guerras e lutas tribais e sonham com um país que haja liberdade, mas será que esta liberdade tão desejada existe? Ou será que há algo oculto na representação da Estátua da Liberdade que a tantos fez chorar de alegria ao vê-la pela primeira vez? 
Porém há um outro lado neste livro que só me surgiu quando eu já estava quase terminando a leitura, e confesso que há momentos que se torna até cansativo aquele desenrolar de suas percepções, e foi quando ocorre uma revelação de um fato ocorrido há muitos anos atrás no qual ele seria o vilão. O que realmente me chocou foi que Julius apenas assume que todos nós temos um lado bom e outro mau

" Temos a capacidade de fazer o bem e o mal, e na maioria das vezes optamos pelo bem. Quando não o fazemos , não nos perturbamos com isso..." 

Ele deixou uma vida marcada para sempre, e com consequências trágicas, porém não é isto o que me revelou este livro, o que ele mostra claramente, depois que acompanhamos Julius por 300 páginas é sentir e perceber como se sente ou não se sente uma pessoa que cometeu uma violência, relegando isto totalmente ao esquecimento, ou talvez recalcando, mas não acredito que aqui seja isto, ele simplesmente esqueceu, por que para ele isto não o afetou. E quando Moji lhe relata ele chega mesmo a pensar que talvez seja mais uma história onde o outro se vitimiza sem perceber que também está no centro da questão, apesar de ela lhe parecer convincente. Ele não lhe diz nada, apenas dá graças por ela não ter chorado. 

Enquanto Moji passou sua vida toda pensando a cada dia nisto, sentindo a marca em si, ele continuou andando e vivendo sua vida, e nem a reconheceu quando a viu no mercado.

Cole nos dá um relato excepcional aqui, pois como esta revelação vem ao final do livro, surpreende e nos pega já mergulhados na vida de Julius, e diante do fato é que percebemos como é com outros que também cometeram atos assim. Crimes que se perpetuam, não só este, mas a violência que vemos no mundo. 

Um relato trágico do que ocorre nestes crimes, e que também fazem parte de todas as guerras.  

Teju Cole nasceu em 1975 na Nigéria. É fotógrafo, escritor e historiador de arte. 

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

FILME: O TEMPERO DA VIDA - 2003


Direção: Tassos Boulmetis - 2003
Duração: 108 min  
Título Original: Politiki Kouzina 
Roteiro: Tassos Boulmetis
País: Turquia - Grécia 

Logo no início do filme a seguinte fala: " Meu avô dizia que a palavra sonho está contida em arroto." e surge na tela um bebê mamando no seio. É o início de tudo, do desejo, do que se busca, este objeto perdido para sempre e que os temperos tentam suprir.




Quando vi o filme ainda não tinha lido O Sal da Vida de Françoise Héritier, que já postei, mas o livro e este filme se completam de alguma maneira.

A culinária, seus temperos, o significado da comida em nossas vidas, os rituais de comer que unem a todos, mas que também podem separar se o tempero não for o certo. Uma filosofia a base da culinária.
Todo o ritual que se opera na cozinha, as mulheres, o amor, os casamentos e as separações, o sabor da vida que vem pela boca.



Fanis (Marku Ossi) vive em Istambul, na Turquia e é grego. Sua família é deportada e retornam à Grécia. Mas já não são de lugar nenhum. Seu avô Vassilis (Tassos Bandis) não os acompanha e passa a vida prometendo visitá-los, até que Fanis (Georges Corraface)  aos 35 anos resolve voltar à Turquia para reencontrar o avô e seu primeiro amor, Saime (Basak KöklüKaya) .

O melhor do filme é realmente os temperos e o que significam, como podem unir e desunir, os segredos culinários que as mulheres guardam e não ensinam quando desejam que algo não dê certo, ou ao contrário, passam para que o casamento aconteça. O avô tem uma loja que vende os temperos e suas dicas são ótimas. Para ele tanto a comida quanto a vida precisam de tempero, um pouco de sal para ganhar sabor.


Tassos Boulmetis nasceu em 1957 em Istambul, Turquia. Foi para a Grécia em 1964. 

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FILME - TERRA DAS SOMBRAS - 1993



Direção: Richard Attenborough - 1993
Duração: 131 min  
Título original: Shadowlands 
Roteiro: William Nicholson
País: Reino Unido 

Baseado na peça teatral de William Nicholson 

Um belo filme sobre a vida de C.S. Lewis que escreveu entre outros As Crônicas de Nárnia.

1952 - Ele é um professor em Oxford (Anthony Hopkins)  e vive com seu irmão, levando uma vida pacata e de solteirão. Quando recebe uma carta de uma admiradora de sua obra fica interessado. Ela pede para conhece-lo e ele vai ao seu encontro. É a escritora americana Joy Gresham (Debra Winger) que ele encontra e que está acompanhada de seu filho Douglas (Joseph Mazzello) . Ela acaba de se separar de seu marido e quer ficar na Inglaterra. Para ajudá-la Lewis se casa com ela "tecnicamente" como ele diz, para que ela consiga a cidadania britânica e possa viver no país. Seu filho adora os livros que ele escreve e ambos se darão bem.
Ele se apaixona mas o nega, só vindo a reconhecer isto quando ela adoece, tem um câncer incurável e irá morrer em breve. Neste momento ele a pede em casamento, não mais o técnico, mas o real, e irão viver juntos até sua morte.



Após a morte de sua mãe quando ele tinha 9 anos ele construiu um mundo seguro, fechado e sem riscos, para se proteger da dor. Mas agora ele terá que enfrentar a dor e viver o luto.

Lewis diz que Deus nos esculpiu de uma pedra e que cada martelada que dói é para nos fazer perfeitos.

Ele escreveu o livro " A anatomia de uma dor - um luto em observação" que é o seu relato sobre o que sentiu com a morte de Joy, e começa pelo medo. Quero ler este livro.













C.S. Lewis                                                      



 Joy Gresham 


Lorde Richard Samuel Attenborough, Barão Attenborough, nasceu em 1923 em Cambridge, Reino Unido.
                                                     
Trilha sonora de George Fenton 

George Fenton em 1950 em Londres, Inglaterra. É compositor