quinta-feira, 5 de novembro de 2015

FILME: BABEL - 2006


Diretor: Alejandro González-Iñárritu - 2006
Duração: 142 min
País: Estados Unidos - México - França
Roteiro: Guillermo Arriaga

Babel é um filme denso e extremamente atual que pode ser visto sob várias perspectivas. Um ônibus com turistas travessa uma região do Marrocos, nele estão Richard (Brad Pitt) e sua esposa Susan (Cate Blanchett), um casal de americanos, e outros europeus. Eles fazem esta viagem numa tentativa de reconciliação. No alto das montanhas estão dois garotos, Ahmed e Youssef que são pastores de cabras. Eles acabam de ganhar um rifle do pai para proteger os animais dos chacais. Eles competem entre si para ser o melhor atirador e duvidam do alcance do tiro da arma, para tirar a dúvida atiram primeiro contra um carro que passa na estrada, não acerta, e depois contra o ônibus. Susan é atingida.

Os filhos de Richard e Susan ficaram nos Estados Unidos aos cuidados de Amélia ( Adriana Barraza) que é a babá dos dois desde pequenos. Ocorre que é o dia do casamento de seu filho e não há ninguém para cuidar das crianças. Richard lhe diz que sente muito, mas que ela não poderá ir. Amélia porém não quer deixar de ir ao casamento que é numa cidade no México, e decide levar as crianças junto. Seu sobrinho Santiago (Gael García Bernal) vem buscá-la de carro.

No Japão um homem tenta superar a morte trágica de sua esposa que se suicidou e ajudar sua filha (Rinko Kinkuchi) que foi a primeira a encontrar a mãe e é surda. Ela é jovem, e vive a adolescência com toda a efervescência da sexualidade.

Partindo deste roteiro estas vidas irão se entrecruzar de alguma maneira, e o tiro dado nas distantes montanhas do Marrocos de alguma maneira afetará a todos. O interessante é que isto nos leva a pensar justamente no fato de vivermos num mundo global, onde algo que ocorre num lugar distante afeta a vários outros lugares e pessoas, mas o paradoxo é que se por uma lado tudo parece ligado e próximo, o isolamento é cada vez maior. Podemos também ver a história em dois planos familiares, dos pais e dos filhos. O casal americano que tenta se reconciliar no Marrocos e seus filhos que estão nos Estados Unidos e que com a babá irão para o México. O japonês que deu a arma a um guia marroquino que é o pai da jovem que é surda, e a família marroquina e seus filhos de onde parte o tiro inicial da trama.

Há também todos os aspectos culturais e do medo do estranho e os preconceitos. Aqui também novamente vemos também a falta de comunicação em função seja de ideias preconcebidas em relação ao outro ou pela própria língua falada, onde quando um marroquino fala a um americano, não há muita diferença da surdez da jovem em Tóquio. 

O comportamento dos europeus no Marrocos e do casal americano. Eles sentem medo das pessoas, se sentem em perigo na aldeia marroquina, estranham tudo e querem ir embora. Susan antes de ser atingida tem um gesto com o gelo quando almoçam jogando fora, dizendo que não se sabe de onde vem a água. Já os Marroquinos estão curiosos com o que está acontecendo, é uma vila do interior, algo de diferente está ocorrendo. Eles são prestativos, mas com sua aproximação assustam ao estrangeiro. Porém serão eles que serão solidários com Richard e seu drama, pois os europeus irão embora com o ônibus abandonando-os a sua sorte. O guia marroquino fará de tudo que for possível para ajudar e eles serão acolhidos na casa dele. 

Nos Estados Unidos o sobrinho de Amélia não se agrada dela levar as crianças, mas aceita. O menino diz que sua mãe lhe falou que o México é perigoso. Mas apesar do receio inicial, dos sustos, como crianças, acabam brincando com as outras crianças e se divertem muito na festa de casamento. O problema é na volta, quando o sobrinho embriagado cria confusão na alfandega diante da desconfiança do policial que ali está. Aqui vemos nitidamente os dois lados, o policial que desconfia dos mexicanos e os considera de alguma maneira um problema, e o mexicano que por saber que são vistos assim não é nada simpático e inclusive um tanto revoltado. Ele fura a barreira e se dá início uma perseguição que o levará a abandonar a tia e as crianças em pleno deserto. Amélia tenta encontrar ajuda, mas é presa. Apesar disto as crianças são encontradas, mas afastadas do perigo chamado Amélia, que ao ver da polícia é perigosa para elas, justo ela que as criou desde pequenas. O resultado é sua deportação para o México. A lei é fria e não leva em conta nada, as relações humanas que existiam ali, os 16 anos de vida de Amélia nos Estados Unidos, tudo isto é desconsiderado.

Os meninos marroquinos logo no início percebemos a rivalidade dos irmãos e que se acentua quando o pai designa o menor para dar o primeiro tiro o que faz com que o mais velho reaja. Ele pode dar o primeiro tiro, mas erra e isto é comentado. Youssef também observa a irmã se trocando, e depois acaba se masturbando nas montanhas. É esta rivalidade que irá levar ao tiro que dá início ao que ocorre no filme, é o gatilho. Youssef ainda é uma criança, mas que já se interessa por seu corpo e pelo o que sente. Seu irmão que é mais velho se contém, mas provavelmente também desejaria ver a irmã nua, que por sua vez é conivente com o irmão. Isto virá a tona quando o pai descobrir o que eles fizeram e que foram responsáveis pelo tiro, e ao inquiri-los Ahmed falará tudo, inclusive sobre isto, onde percebemos a raiva e a inveja que sentia de seu irmão mais novo e entregando-o se ilude ao acreditar que agora será o bom filho amado.

O tiro irá se transformar num atentado terrorista, principalmente com o incentivo da imprensa. De um acidente, de uma rivalidade entre irmãos que acabam cometendo um grande erro, chegamos ao terrorismo, e a polícia procura os terroristas. Um absurdo neste contexto, mas que demonstra a paranoia que é muito atual em relação ao outro, e principalmente do Ocidente em relação aos muçulmanos  confundindo pessoas que tem uma religião com pessoas desta mesma religião, mas que são terroristas. 

Enquanto isto a jovem no Japão se defronta com suas questões de sexualidade, ela tem dificuldades em lidar com isto, e acaba apelando para formas simbólicas ou gestuais para sinalizar seu desejo, de uma forma errônea, sem saber como agir. Como isto é recebido ou com risadas ou com rejeição ela se sente cada vez mais só em seu mundo. Ela tenta chamar a atenção, ser desejada, ser amada. Apesar de seu pai tentar ajudá-la há uma distância entre eles, primeiramente a típica de jovens em relação aos pais, mas também há uma frieza, uma falta de afetos, de aproximação maior, até que finalmente diante de algo que talvez desperte em seu pai um medo do suicídio, ele se rende a abraçá-la com amor. 

Poderíamos questionar o que leva um pai a dar uma arma a duas crianças? Ali trata-se de um ritual masculinizante, e para proteger o rebanho, matar os chacais que atacam as cabras. Mas a imaturidade dos dois os leva a competir entre si para dar tiros. A jovem no Japão apesar de surda tem um grupo, ela é inserida socialmente, mas lhe falta a mãe e outra mulher mais velha para lhe servir de espelho em sua feminilidade e como atuar com ela. Eles vivem num belíssimo apartamento com conforto, mas este espaço é frio e silencioso. 

Há também a questão do enfoque do filme. Em alguns momentos senti que o Marrocos e o México estariam sendo enfocados por um ângulo de muita pobreza, promiscuidade, como por exemplo, alimentos cheio de moscas em cima, mas se pararmos para analisar o filme veremos que o enfoque do europeu e dos americanos nos mostra uma suposta demonstração de superioridade , que estão amedrontados, são preconceituosos, tentando preservar-se longe de tudo que eles consideram uma civilização inferior, mas são tão sozinhos e desamparados quanto os outros. O Japão e sua bela cidade moderna, belos apartamentos, e a solidão, o vazio das vidas. Já o Marrocos com sua aparência de pobreza, não se esquecendo que as vilas de montanhas são assim, nos mostra um povo muito mais caloroso e hospitaleiro. Assim como os mexicanos e toda sua festa em torno do casamento. Como poderia uma mãe mexicana deixar de ir ao casamento de seu filho? A cena que mais me tocou foi quando Richard ao ir embora abre a carteira e retira dinheiro para pagar ao guia, que por sua vez recusa. Há uma incapacidade do americano em ver no outro alguém que foi solidário e que o acolheu em seu momento de dor e dificuldade, é como se ele considerasse que o outro lhe prestava um serviço e que teria que ser pago, e com isto também não há uma dádiva ali, mas ele quitaria sua dívida pagando.

Também me chama a atenção que apesar de Richard não dar queixa de Amélia, em momento algum ele se dispõe a defendê-la perante as autoridades levando em conta que ela estava com eles desde que seus filhos eram pequenos. O que vejo é a repetição do ato com o guia, ela era paga, ele não devia nada à ela. E por um lado não deixa de ser correto, é um trabalho, mas por outro me pergunto se caso fosse uma pessoa americana se ele não agiria de outra forma. De qualquer maneira talvez o fato de não dar queixa já seja uma maneira de demonstrar que ele aprendeu algo com tudo que ocorreu, seja o possível para ele dentro da cultura que vive. 

Ao final o que vemos são acontecimentos da vida, não há nenhum terrorismo, nenhum sequestro de crianças, nenhum tráfego de drogas nem de armas, exceto os criados pela mente humana dentro de seus preconceitos, medos, intolerância ao outro, dificuldades em lidar com o diferente, e a arrogância de alguns de se considerarem superiores ao outro e os efeitos que isto provoca. E é muito válida a crítica à imprensa que sempre sensacionaliza tudo, apelando para estes jargões e deduzindo em tudo um ato terrorista. 



Alejandro González Iñárritu nasceu em 1963 na Cidade do México, México. 

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