Da mesma forma como faço com os filmes elejo os melhores livros que li no ano, não obrigatoriamente que sejam lançados no ano.
Segue a lista de 2015:
- REZE PELAS MULHERES ROUBADAS - Jennifer Clement.
- O TOM AUSENTE DE AZUL - Jennie Erdal.
- JUDAS - Amós Oz.
- SUBMISSÃO - Michel Houellebecq.
- O FRÁGIL TOQUE DOS MUTILADOS - Alex Sens.
- GRANDE SERTÃO: VEREDAS - João Guimarães Rosa.
- ÍRISZ: AS ORQUÍDEAS - Noemi Jaffe.
- A CERIMÔNIA DO ADEUS - Simone de Beauvoir.
- RELATAR A SI MESMO Crítica da violência ética - Judith Butler.
- SANGUE NO OLHO - Lina Meruane.
Todos estão postados no Blog.
Os livros sempre fizeram parte de minha vida, meus pais liam muito e na minha casa sempre teve uma biblioteca. Leio pelo prazer de ler, mas também para estudos e o mais importante, para me refletir no outro e muitas vezes encontrar respostas para minhas dúvidas, medos, conflitos. E gosto muito de filmes, pelo mesmo motivo. Este blog surgiu para compartilhar minhas leituras e filmes que assisti, mas sem me estender muito nem efetuar uma análise crítica.
quarta-feira, 30 de dezembro de 2015
MELHORES FILMES DE 2015
A cada final de ano elejo os filmes que mais me tocaram ou ensinaram algo. Escolho entre os que assisti, não se trata dos filmes que estrearam em 2015.
Este ano foram estes meus escolhidos:
- E Buda desabou de vergonha - 2007 - Direção: Hana Makhmalbaf. Este filme é de uma extrema sensibilidade e ao mesmo tempo nos mostra um mundo cruel onde até os Budas desabam de vergonha. Através de uma menina, Baktai, de apenas 06 anos que deseja muito aprender a ler e fara tudo para realizar seu desejo e de seu percurso para isto vamos vendo uma realidade difícil, onde as ilusões, sonhos, o lado bom vai se desfazendo e caindo em pó, como os Budas gigantes que foram destruídos pelo Taliban em 2001.
- Relatos Selvagens - 2014 - Direção: Damián Szifron . Um filme impactante! de um refinado humor negro que retrata seis episódios na vida de diversas pessoas sobre algo que ocorre seja no cotidiano, seja de surpresa que as leva ao descontrole, trazendo a tona o desejo incontrolável de se vingar, a pulsão agressiva que atua ao invés de falar ou se voltar contra si próprio no lugar de se transformar em algo mais criativo. Estamos diante do humano, demasiadamente humano como diria Nietzsche. Aqui não há redenção, provações, sacrifícios ou aprendizado, o que vemos surgir é o nosso duplo, o outro que nos habita que muitas vezes nem sequer conhecíamos, o vingador! o desejo de descontar no outro o que sofreu, muitas vezes devido suas próprias fraquezas e erros.
- Winter Sleep - Sono de Inverno - 2014 - Direção: Nuri Bilge Ceylan. O filme tem 03 horas de duração mas vale todo seu tempo para os que apreciam os diálogos densos sobre as diferenças entre as pessoas e o que pensam sobre um mesmo tema, as diferenças de religião e há um diálogo fantástico sobre o amor e a resistência à violência. Ressentimentos, fragilidades e desejos que vem a tona, mostrando a fragilidade do ser humano e a máscara que usa para aparentar algo que não é. Relações que se constroem sobre o engano, não apenas em relação ao outro, mas sobre nosso auto-engano. Um filme que provoca, desloca e muda.
- Timbuktu - 2014 - Direção: Abderrahmane Sissako. Nunca um filme me provocou tanta angústia, Sissako é brilhante. Baseando-se em fatos reais, mas não literalmente o filme retrata uma aldeia ao norte de Mali que é ocupada por extremistas religiosos. O que antes era um lugar alegre e colorido torna-se um deserto árido. As pessoas se retraem, algumas fugiram e outras resistem. Não há piedade, nem misericórdia, apenas o desejo do grupo de ser o Outro das pessoas que ali vivem. A angústia surge do que vemos e sentimos com o filme, sentimos este Outro se apoderando de tudo. Sissako consegue através da beleza e da arte criar um impacto muito maior do que se filmasse diretamente o horror e a violência. Ele o faz, mas com cortes entremeados de cenas ontológicas.
- Villa Amalia - 2008 - Direção: Benoît Jacquot. O filme nos mostra os efeitos devastadores em uma mulher ao descobrir a infidelidade de seu companheiro de 15 anos. Ao perder seu amor ela se perde e vemos em todos seus atos, expressões e sua dor a subjetividade desta mulher. Na modernidade isto pode parecer absurdo, mas o que vemos é a feminilidade, a falta do amor que leva uma mulher a perder a si mesma, e que ao invés de reagir com fugas através do consumismo, ter vários parceiros até chegar a depressão, ela enfrenta, se destrói para se reconstruir como mulher. Ela vive sua perda, inclusive a sua.
- Vas, vis et deviens - Um herói do nosso tempo - 2005 - Radu Mihaileanu. O filme nos mostra a vida de um menino etíope que é levado para Israel como judeu por uma mulher que acaba de perder seu filho, ele vai no lugar deste menino e deixa sua mãe no campo de refugiados, mas ele não é judeu, é cristão. Terá que adotar o nome do menino morto e se fazer de judeu para sobreviver. Vamos acompanhá-lo até sua vida adulta, exatamente o percurso que sua mãe lhe deseja quando parte: Vá, viva e se torne! e tendo como pano de fundo a história de Israel. Ele terá que ser quem não é, e somente após poder dizer a verdade é que iremos compreender a culpa que ele carregou achando que tinha sido castigado pela mãe, somente neste momento ele irá compreender o ato de amor. Apesar de toda dor e dos traumas veremos que ele irá aos poucos conseguir ser ele mesmo.Chorei, ri, torci, um filme que emociona.
- Mucize - 2014 - Direção: Mahsun Kirmizigül. Um belíssimo filme, poético, paisagens deslumbrantes, cômico, triste, em tempos de violência, medo, um filme como este é uma dádiva. Baseado em fatos reais, é a história de Aziz que vive numa aldeia turca onde chega um professor. Aziz tem problemas, não fala, não anda direito, seu corpo é torto, ele baba. É filho do chefe da aldeia. Um filme que retrata a vida, não há tragédias, mas tristezas, não tem violência, mas tem atos criminosos. Fala do amor e do que ele pode fazer pelo ser humano, mas sem esperar nada em troca, sendo apenas doação.
- M. Butterfly - 1993 - Direção: David Cronenberg. Um dos melhores filmes que assisti sobre a patologia do amor. Quando idealizamos alguém ficamos cegos ao que este outro é realmente, não o vemos, e esta cegueira pode chegar a extremos como ocorre neste filme. É impressionante! Um lugar de falta que é preenchido pelo outro despertando o que não conhecíamos e o que somos, o que escondíamos de nós mesmos.
- A história da eternidade - 2014 - Direção: Camilo Cavalcante. O sertão, tantas vezes filmado em sua seca, vida difícil, suas agruras, vem neste filme para nos contar sobre três mulheres e seus desejos. É num lugarejo no meio do árido que vemos os sonhos, os desejos, a dor, a dúvida, a rudeza, mas também a delicadeza, neste pequeno lugar que retrata o mundo, o ser humano, sempre o que é esteja onde estiver. Guimarães Rosa dizia que o sertão é o mundo, e o sertão está dentro de nós, Cavalcante faz um filme disto, e nos mostra este sertão. Um belíssimo filme sobre o trágico do humano.
- A pele de Vênus - 2013 - Direção: Roman Polanski. Um filme denso, passado dentro de um teatro com duas pessoas. Sobre o amor, o desejo, os traumas da infância, o ideal que buscamos no outro, o sadomasoquismo. O interessante do filme é que a dupla que seria para o sadomasoquismo acaba não ocorrendo, uma vez que a mulher compreende que ao se colocar no papel de sádica é ao gozo dela que ela atende. Também podemos ver o filme sob o viés do poder masculino sobre o feminino e aqui vemos o escravo do amor, uma vez que o poder só pode pertencer a um. O interessante do filme é que a mulher não aceita nenhum destes lugares, e com isto se liberta. O filme nos fala da questão do desejo de ser um objeto para preencher um vazio que se vê no outro.
Todos os filmes estão postados no Blog.
FILME: O REGRESSO - 2015
Direção: Alejandro González Iñárritu - 2015
Duração: 158 min
Título Original: The Revenant
País de Origem: Estados Unidos
1822 - Hugh Glass (Leonardo DiCaprio) está com um grupo de homens no oeste americano caçando para ganhar dinheiro vendendo peles. Será atacado por uma ursa que defende seus filhotes que estão na mira de Glass. Fica num estado miserável, praticamente à morte.
Como estão sendo atacados pelos índios constantemente que querem as peles para vender aos franceses, precisam ir embora, os amigos o levam até um trecho quando percebem que não é possível continuar neste passo, o deixam ali com seu filho e mais um jovem e John Fitzgeral (Tom Hardy) que se interessa apenas pelos ganhos financeiros.
Fitzgeral propõe a Glass matá-lo para que possam ir embora e com isto ele salvaria seu filho, o que ele concorda, porém quando está sendo sufocado seu filho chega e briga com Fitzgeral que acaba matando-o. Em seguida diz ao outro jovem que viu os índios e que precisam partir. Glass fica ali, sozinho.
O filme é uma longa jornada de retorno que é nutrida pelo desejo da vingança. São duas horas e meia de filme com Glass avançando pouco a pouco até o reencontro com Fitzgeral onde ocorre uma verdadeira carnificina.
O interessante é que no meio destes homens rudes, quase que sem alma, surge a fala sobre Deus por duas vezes. A primeira é Fitzgeral que fala sobre seu pai de quando ele encontrou Deus e a segunda no final quando Glass se dá conta que a vingança é algo para Deus.
O filme que nos mostra uma cena de horror quando Glass é atacado pela ursa demonstra claramente que o selvagem mesmo é o ser humano, inclusive através de uma placa deixada num índio enforcado com os dizeres: nós também somos selvagens.
Iñárritu sempre trabalha filmes densos e nos mostra o pior do ser humano mesclado com algo de bom. O ser humano diante da morte, do real, do medo, da vingança, do ódio. A tentativa de ser bom por orgulho e vaidade. DiCaprio está brilhante na atuação, ele passa praticamente o filme todo falando através dos olhos e de expressões faciais. O silêncio impera no filme, a natureza e o homem no meio dela.
Alejandro González Iñárritu
FILME: O HOMEM IRRACIONAL - 2015
Direção: Woody Allen - 2015
Duração: 94 min
Título Original: Irrational Man
País de Origem: Estados Unidos
Vou comentar o filme, mas irei retornar à ele.
Um professor de filosofia Abe Lucas (Joaquin Phoenix) vive uma crise existencial, não encontra nenhum sentido para sua vida, sofre de impotência sexual, acha tudo sem graça, é um pessimista e considera até mesmo a filosofia um monte de palavras que não serve para nada. Ele chega para ser o novo professor em uma pequena cidade dos Estados Unidos.
Jill (Emma Stone) é sua aluna e se encanta com ele, fica fascinada pelo seu intelecto. A professora Rita (Parker Posey) também se interessa apesar de casada, vê nele a possibilidade de uma nova vida em outro lugar, de preferência na Espanha.
Será num encontro com Jill em uma lanchonete que atraídos pela conversa da mesa ao lado, Abe irá encontrar algo que dê sentido a sua vida. Compreende que é pelo ato que irá atingir uma completude, ora, nada mais existencialista. Ele mesmo cita durante o filme Kierkegaard, Kant, Heidegger, Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir.
Abe planeja o assassinato do juiz que é o obstáculo a uma mulher para ficar com seu filho diante de uma separação conjugal. Ele irá chamar isto de "ato existencial", acredita que isto deixará o mundo melhor, mas quem imediatamente fica melhor é ele mesmo que volta a ter gosto pela vida e recupera sua potência sexual. Mas não existe crime perfeito como ele acredita. Jill desconfiará e o colocará diante da moral e da ética. Novamente vemos termos existencialistas atuarem, será o acaso, a contingência que determinará o final do filme.
O irracional que se manifesta em um homem que lida com a razão, acredita nela. Desta vez Woody Allen que gosta muito da psicanálise parte para a filosofia existencial neste filme.
Woody Allen
LIVRO: O CLAMOR DE ANTÍGONA - Parentesco entre a vida e a morte - JUDITH BUTLER
Butler, Judith. Editora da UFSC, 2014
128 páginas
Tradução: André Cechinel
Através de um diálogo com Hegel e Lacan, referências as leis do parentesco de Lévi-Strauss, Butler recupera Antígona como personagem principal ao invés de Édipo questionando as regras impostas e o desejo.
Butler questiona a estrutura do parentesco que leva a família burguesa, a normatização de que família é um homem, uma mulher e filhos. Outra questão é do quanto o incesto é realmente proibido pela lei universal.
Concordo com ela sobre a questão de que família não é este núcleo normatizante, porém discordo de que a estrutura leva a isto, uma vez que inclusive nos estudos antropológicos há povos onde é o tio materno que ocupa a posição simbólica de pai, e a mulher tem vários homens, muitas vezes nem se sabe quem é o pai da criança.
O pai simbólico da psicanálise é um lugar, não é levado em conta aqui quem é, este no caso é o pai real, o biológico. Pensando sobre isto a estrutura se mantém, mesmo em casos de homossexuais, pois mesmo que a opção seja por um parceiro do mesmo sexo, na maioria das vezes não será seu irmão, irmã, pai ou mãe.
Sobre a questão da proibição ser universal, tenho minhas reservas também, não acredito que haja algo universal. Mas o que a antropologia e a psicanálise dizem com passagem da natureza para a cultura com a proibição do incesto é uma questão também de linguagem, de troca, ou seja, se uma cultura, um povo, se fecha em si mesmo, sem haver casamentos com pessoas de outros povos, outras culturas, a linguagem acaba morrendo, não se enriquece.
Um filme excelente para se pensar sobre esta questão é A Guerra do Fogo de Jeann-Jacques Annaud onde fica bem nítido a passagem da natureza para a cultura, quando o protagonista descobre o riso, o sexo frontal, o amor.
Agora a análise sobre Antígona e Creonte é brilhante, na questão das posições de ambos, da feminilidade e da masculinidade. E considero de extrema importância o avanço, a psicanálise até o momento tem atuado com sua teoria no mundo, mas ela precisa também se rever a si mesma. Ela é um sintoma da modernidade, mas o mundo, os tipos de famílias, a feminilidade, a masculinidade, tudo isto avança, e por mais que se considere a estrutura como um lugar onde se mudam apenas os componentes, ainda assim, há coisas a serem revistas e urgentemente.
Butler questiona a estrutura do parentesco que leva a família burguesa, a normatização de que família é um homem, uma mulher e filhos. Outra questão é do quanto o incesto é realmente proibido pela lei universal.
Concordo com ela sobre a questão de que família não é este núcleo normatizante, porém discordo de que a estrutura leva a isto, uma vez que inclusive nos estudos antropológicos há povos onde é o tio materno que ocupa a posição simbólica de pai, e a mulher tem vários homens, muitas vezes nem se sabe quem é o pai da criança.
O pai simbólico da psicanálise é um lugar, não é levado em conta aqui quem é, este no caso é o pai real, o biológico. Pensando sobre isto a estrutura se mantém, mesmo em casos de homossexuais, pois mesmo que a opção seja por um parceiro do mesmo sexo, na maioria das vezes não será seu irmão, irmã, pai ou mãe.
Sobre a questão da proibição ser universal, tenho minhas reservas também, não acredito que haja algo universal. Mas o que a antropologia e a psicanálise dizem com passagem da natureza para a cultura com a proibição do incesto é uma questão também de linguagem, de troca, ou seja, se uma cultura, um povo, se fecha em si mesmo, sem haver casamentos com pessoas de outros povos, outras culturas, a linguagem acaba morrendo, não se enriquece.
Um filme excelente para se pensar sobre esta questão é A Guerra do Fogo de Jeann-Jacques Annaud onde fica bem nítido a passagem da natureza para a cultura, quando o protagonista descobre o riso, o sexo frontal, o amor.
Agora a análise sobre Antígona e Creonte é brilhante, na questão das posições de ambos, da feminilidade e da masculinidade. E considero de extrema importância o avanço, a psicanálise até o momento tem atuado com sua teoria no mundo, mas ela precisa também se rever a si mesma. Ela é um sintoma da modernidade, mas o mundo, os tipos de famílias, a feminilidade, a masculinidade, tudo isto avança, e por mais que se considere a estrutura como um lugar onde se mudam apenas os componentes, ainda assim, há coisas a serem revistas e urgentemente.
Judith Butler
segunda-feira, 28 de dezembro de 2015
DOCUMENTÁRIO: IVÁN - 2015
Direção: Guto Pasko - 2015
Duração: 109 min
País de origem: Brasil
Um documentário tocante sobre Iván Bojko, um ucraniano que sobreviveu a Segunda Guerra Mundial, fugiu para o Brasil e veio para Curitiba no Paraná. Nunca mais reviu sua família e seu país, passados 68 anos eis que surge a oportunidade.
O melhor do filme é que é o próprio Iván, e a filmagem ocorre em tempo real, ou seja não se trata de contar a história, mas de vivê-la junto com ele. A emoção, os reencontros, o rever sua terra, a casa dos pais, os amigos, e principalmente o reencontro com sua irmã.
Eu pessoalmente revivi neste filme o que minha mãe viveu ao retornar para a Bélgica após 30 anos sem ir, a emoção e o tempo que demora para se conscientizar ao ganhar a passagem, o mesmo que ocorre com Iván, um dos momentos de muita emoção do documentário, o reencontro com sua irmã, o não reconhecimento acompanhado da certeza de estar lá, tudo mudou, não é mais como era, mas ao mesmo tempo é.
O filme traz como pano de fundo o diário de Iván, nos mostra o que ele viveu na guerra, para que possamos acompanhar este percurso de vida deste homem que tem noventa e poucos anos, mas é de uma força inacreditável. Em 1942 ele foi retirado à força de seu país pelos nazistas para realizar trabalhos forçados na Alemanha. Era para ser o filho mais velho, que seria sua irmã, e ele diz que não, que ela não vai, e toma seu lugar. Em 1948 foge para o Brasil.
É a história de muitos, dos que sobreviveram, tiveram que fugir, ficaram apátridas, foram acolhidos em outros países. O que chama a atenção levando em consideração o mundo atual, é que estes imigrantes foram acolhidos, Iván recebeu inclusive a cidadania brasileira, e também se integraram ao seu novo país. Ele em determinado momento diz que nunca voltou por medo, que é o medo que o segurou no Brasil e que nunca mais pensou que iria voltar, nem em sonhos. Interessante uma vez que meus pais também tinham este medo, e nunca mais desejaram morar na Europa.
Mesmo com seus noventa e poucos anos, no momento que ele entra na casa dos pais, que está abandonada, ele chora como uma criança, ele se torna uma criança que chama pelo pai. O infantil que fica em nós e que nunca nos abandona.
O filme é uma lição de vida, de coragem, de determinação, mas também de aceitação da vida como ela é. Vale a pena assistir!
Guto Pasko
terça-feira, 22 de dezembro de 2015
FILME: TRÊS LEMBRANÇAS DA MINHA JUVENTUDE - 2015
Direção: Arnaud Desplechin - 2015
Duração: 120 min
Título Original: Trois souvenirs de ma jeunesse
País de origem: França
Paul Dédalus (Mathieu Amalric) é questionado pela sua namorada sobre seu passado as vésperas de seu retorno para a França. Ele é um antropólogo e irá lembrar dos três acontecimentos que determinaram sua vida, três lembranças de sua infância e juventude.
Primeiro será sobre sua mãe e a infância. A mãe sofria de distúrbios psíquicos e o amedrontava a ponto dele deixar sua casa e ir morar com sua tia Rose (Françoise Lebrun). Após a morte de sua mãe o que deixa seu pai (Olivier Rabourdin) melancólico ele retorna para sua casa. O segundo fato já é na adolescência quando Paul (Quentin Dolmaire) viaja com o colégio para a Rússia e sendo um jovem militante aceita entregar seu passaporte europeu para ajudar na fuga de alguns judeus que queriam ir para Israel. O terceiro é sua paixão por Esther (Lou Roy Lecollinet).
São as recordações mais marcantes que Paul se recorda. Provavelmente devido sua mãe acabou fugindo a assumir um compromisso com alguma mulher o que irá refletir na sua relação com Esther. Ele se recorda aos poucos e diante situações como quando chega a França e é detido devido haver um outro Paul Dédalus, é neste momento que nos fala sobre sua ida à Rússia.
Os anos de juventude em Paris indo e vindo até Roubaix no norte da França para ver Esther. Seus estudos de antropologia e depois sua opção por ir para países distantes ao invés de assumir uma relação com Esther. Esta por sua vez apesar da inicial aparência de total segurança em relação aos homens nos recorda a mãe de Paul, nos momentos depressivos e de medo que ela sofre. Em sua vida surgem duas outras mães, sua tia Rose e a professora de antropologia, mas após a morte desta parece que isto se encerra.
O ponto alto do filme ao meu ver é o final, onde Paul reencontra seu melhor amigo da juventude e toda a mágoa, ressentimento que ele carregou durante sua vida em relação a ele por ter seduzido Esther virá a tona.
Arnaud Desplechin nasceu em 1960 em Roubaix, França.
LIVRO: RELATAR A SI MESMO - Crítica da violência ética - JUDITH BUTLER
Butler, Judith. Autêntica Editora1ª ed.- 2015
198 páginas
Tradução: Rogério Bettoni
Título Original: Giving an Account of Oneself
Butler tem sido minha filósofa preferida de uns tempos para cá, principalmente porque retoma grandes filósofos, antropólogos e psicanalistas fazendo um crítica através do questionamento e não da destruição e partindo deles para criar algo além que acompanhe o mundo atual e suas questões, mas sem desconsiderar o que estes teóricos compreenderam dentro do seu contexto e momento que viviam. Pessoalmente gosto mais desta forma de pensar do que uma dialética onde se nega a tese para se criar a síntese, o novo.
Ela acaba refletindo minha forma de pensar, ao analisar o que muitos disseram e estudaram e que ainda é paradigmático hoje, chegando muitas vezes a ser inquestionável, mas em que minha opinião precisa ir além, uma vez que o mundo tem mudado a uma velocidade meteórica e surgem novas formas de relacionar-se, de viver a vida, além de questões como a dificuldade em aceitar as diferenças, o ódio ao outro, a forma como estamos alienados e imbuídos de um sistema que rege nosso pensamento.
Neste livro ela pensa sobre a ética e o outro.
A questão do livro é o fato do eu narrar a si mesmo e de como deve agir, porém ao nos darmos conta de que não conseguimos falar de si mesmo sem o outro, sem nos darmos conta que este eu surge dentro de condições sociais, ou seja, pelo outro, surge uma nova maneira de pensar a ética.
Não há como eu se conhecer de forma completa, este eu não existe sem o outro, sem o social, uma vez que somos constituídos pelas normas sociais, pela linguagem, que nos precede. Então para que eu possa me responsabilizar por mim estou simultaneamente me responsabilizando por este outro que está em mim.
E a crítica é que justamente vivemos num sistema que cobra o eu, temos que ser consistentes e com pleno autoconhecimento de si mesmo e passamos a nos autocensurar. Mas ao nos darmos conta que destas normas que nos constituem e ao criticá-las podemos também nos dar conta da fragilidade do outro que é constituído da mesma forma.
Butller traz para um plano filosófico o que aprendi pela psicanálise. Nosso eu é algo frágil, constituído pelo outro, respondemos ao desejo do outro, e ao nos darmos conta disto percebemos o quanto somos limitados e pouco donos de si mesmo, ou como dizia Freud, o eu não é dono em sua casa. Mas isto também nos leva a compreender que o outro é como nós. Mas ela vai além, uma vez que traz a questão para o mundo, no contexto atual e a coloca na ética.
Só podemos compreender o outro suspendendo nosso juízo, para poder compreender a humanidade do outro, ao invés de fazer juízos.
Judith Butler nasceu em 1956 em Cleveland, Ohio, EUA. É uma filósofa pós-estruturalista.
DOCUMENTÁRIO: AMY - 2015
Direção: Asif Kapadia - 2015
Duração: 127 min
País de Origem: Reino Unido e Irlanda do Norte
Documentário sobre a vida de Amy Winehouse (1984-2011)
O filme inicia em sua juventude e traz lembranças da infância e vai até sua morte aos 27 anos em 2011. Uma vida trágica, auto destrutiva analisada com toques sutis da psicanálise.
Uma infância de abandono com seu pai sempre ausente que ela idolatrava e uma mãe que não tinha autoridade para impor limites. Amy passa a buscar alguém que a freie, limite, que lhe diga o que pode e não pode. Tem uma voz maravilhosa mas que destoa da época. Apaixona-se perdidamente por Blake Fielder-Civil que após um tempo de namoro a abandona, retornando a sua vida mais tarde e casando-se com ela, para depois divorciar-se.
Sua carreira é meteórica, passa a ganhar milhões e é o momento onde seu pai se torna presente em sua vida, mas interessado em gerenciar esta carreira e os milhões que ela representa, aparecendo neste documentário como uma pessoa interesseira que não se importa com os sentimentos da filha, suas dificuldades, sua carência e necessidade de um pai, não de um empresário.
A paixão por Blake é sua destruição, ela mesma o diz em um momento que é o amor que a mata. Ele a introduz no mundo das drogas do qual não consegue mais sair. A bulimia, que já demonstra claramente questões patológicas em sua vida. O assédio inescrupuloso e constante da mídia que não a respeita em momento algum.
Ela compõe músicas para expressar o que sente, fala pela música. As cenas que ela canta são belíssimas. Sua voz é extraordinária, e o jazz é a única coisa que a faz viver.
Recomendo!!!
Asif Kapadia nasceu em 1972 em Hackney no Reino Unido
Música Back to Black (Youtube)
FILME: OS 33 - 2015
Direção: Patricia Riggen - 2015
Duração: 120 mim
Título Original: The 33
País de Origem: Chile - Estados Unidos
O filme retrata a angústia dos 33 mineiros que ficaram durante 69 dias presos a mais de 700 metros embaixo da terra em Capiapó, Chile após uma explosão na mina onde trabalhavam em 05 de agosto de 2010. Abrigaram-se num lugar chamado refúgio que deveria estar preparado para emergências, mas o rádio nem estava instalado e um baú com comida continha muito pouco o que fez com que tivessem que racionar o alimento.Mario Sepúlveda (Antonio Banderas) assume a liderança para manter o precário equilíbrio mental e coordenar a distribuição do alimento.
Na superfície a mineradora faz uma ligeira busca e decide que não há sobreviventes, porém, para sorte dos mineiros, Laurence Golborne (Rodrigo Santoro), o jovem Ministro da Energia resolve agir e graças a sua insistência junto ao Presidente do Chile consegue que a procura continue. Andre Sougarret (Gabriel Byrne) é o engenheiro encarregado da operação.
Paralelamente vemos o drama das famílias dos mineiros que tem a frente María Segovia (Juliette Binoche) cujo irmão está lá embaixo e não desiste em momento algum de exigir que se faça algo. O filme inicia antes do acidente e nos introduz ligeiramente na vida de cada mineiro, suas famílias, ou sua solidão como o do boliviano que era seu primeiro dia na mina. Um deles era casado e tinha uma amante, (Paulina García e Adriana Barraza).
Acompanhamos o drama que eles viveram e que na época foi acompanhado pelo mundo todo. Os momentos de desânimo, desespero, a coragem, a determinação. O filme também retrata bem a indiferença de uma empresa que considera como custo alto demais agir para o resgate, principalmente porque os considera mortos.
Todos foram salvos, porém nunca receberam sequer uma indenização da empresa. O cruel lado do capitalismo que considera os trabalhadores como objetos para uso e exploração. Não precisa ir longe, atualmente vemos a Samarco no Brasil atuando da mesma forma com o povo de Mariana e toda região atingida pela lama e detritos de sua barragem.
No filme podemos ver como reage o ser humano em situações extremas. Soterrados, há momentos de união, porém é necessário um líder para impedir que um devore o outro, coma toda a comida em detrimento do outro, mas até mesmo este líder é humano e em determinado momento se acha superior aos outros, e pensa em tirar alguma vantagem do que está ocorrendo, até mesmo dando entrevistas e escrever um livro sobre o que ocorreu, sem envolver os outros, ficando desta forma com a fama. Tudo absolutamente humano. Do lado de fora vemos as famílias, as questões de cada uma, e a frieza do governo e das empresas, pois não fosse a juventude e a posição moral do ministro das energias, provavelmente estes mineiros teriam morrido ali embaixo de inanição, isto se não se matassem ou matassem ao outro.
No filme podemos ver como reage o ser humano em situações extremas. Soterrados, há momentos de união, porém é necessário um líder para impedir que um devore o outro, coma toda a comida em detrimento do outro, mas até mesmo este líder é humano e em determinado momento se acha superior aos outros, e pensa em tirar alguma vantagem do que está ocorrendo, até mesmo dando entrevistas e escrever um livro sobre o que ocorreu, sem envolver os outros, ficando desta forma com a fama. Tudo absolutamente humano. Do lado de fora vemos as famílias, as questões de cada uma, e a frieza do governo e das empresas, pois não fosse a juventude e a posição moral do ministro das energias, provavelmente estes mineiros teriam morrido ali embaixo de inanição, isto se não se matassem ou matassem ao outro.
Patrícia Riggen nasceu em 1970 em Guadalajara, México
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Rodrigo Santoro
FILME: GRACE DE MÔNACO - 2014
Direção: Olivier Dahan - 2014
Duração: 103 min
Roteiro: Arash Amel
País de Origem: Estados Unidos - França
Cinebiografia da princesa de Mônaco, Grace Kelly, em um período conturbado para o principiado de Mônaco que estava em conflito com De Gaulle, então presidente da França.
Quando a atriz Grace Kelly casou-se com o Príncipe Rainier III de Mônaco em 1956 parecia um verdadeiro conto de fadas, o que sempre sucede quando uma pessoa que não é da realeza alcança este sonho, como outro exemplo, a Princesa Diana na Inglaterra.
Mas a realidade nem sempre coincide com o sonho, e o filme começa num período onde Grace( Nicole Kidman) já mãe de dois filhos, não está feliz com sua vida repleta de cerimonial e posturas necessárias a sua posição de princesa. Ela então recebe um convite de Hitchcock (Roger Ashton-Griffiths) para voltar as telas de cinema, porém seu marido Rainier (Tim Roth) é contra, apesar de deixar a ela a escolha.
Além disto o momento é delicado, Rainier sofre pressões do então presidente da França, Charles De Gaulle (André Penvern) que decide cobrar impostos de Mônaco ou retomar o principiado como território francês. Grace que havia decidido aceitar voltar ao cinema terá que rever sua decisão. Com a ajuda de seu melhor amigo e o único em quem confia, Francis Tucker (Frank Langella) ela irá operar uma mudança em si mesma em prol de seu marido e do principiado.
O filme é uma ficção, apesar de vários fatos serem reais. Vale para um momento de descontração. O filme fica longe do La Môme sobre Piaf do mesmo diretor.
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sexta-feira, 27 de novembro de 2015
FILME: CHRISTINA NOBLE - 2014
Direção: Stephen Bradley - 2014
Duração: 100 min
País de Origem: Irlanda
Cinebiografia de Christina Noble
O filme retrata a vida de Christina Noble desde sua infância pobre e difícil na Irlanda, quando sua mãe faleceu e o pai um alcoólatra não consegue cuidar dos filhos. A pequena Christina (Gloria Cramer Curtis) cantava muito bem, e isto a ajudava a ganhar um pouco de dinheiro para comprar comida. Porém o inspetor da escola que sempre quis pegá-la nestes momentos a denuncia e a polícia vai buscar todos. O tribunal decide que cada um irá para um orfanato diferente, demonstrando a total falta de sensibilidade da justiça irlandesa. A criança não se dará por vencida, tenta uma fuga mas não é bem sucedida, depois acaba aceitando sua situação.
Quando jovem ( Sarah Greene) ela sai do orfanato e vai ao encontro do pai que a engana para ficar com o único dinheiro que tinha dado pelas freiras para iniciar sua vida. Ela acaba dormindo em um parque que fecha a noite e consegue um trabalho numa lavanderia. Em uma das noites que retorna o parque é estuprada. Desta violência nascerá Tomas, num abrigo para jovens dirigido por freiras. Como é conhecido esta questão, inclusive é do que trata o filme Philomena, as freiras dão a criança para adoção. Christina nunca mais encontrará este filho.
Ela parte para Londres com uma amiga onde conhece seu futuro marido, porém este casamento que parecia finalmente ser um porto seguro, um lugar de paz, se transformará em violência doméstica. Finalmente ela se separa e vai embora com os dois filhos.
O filme nos mostra simultaneamente a vida de Christina (Deirdre O'Kane) já uma mulher madura, que vai para o Vietnã por causa de um sonho que teve. Ela não sabe o porque desta viagem, até que se dá conta de inúmeras crianças na rua, abandonadas, com fome. Principalmente o encontro com duas meninas órfãs que procuram comida no lixo a remeterá ao seu passado. Ela acolherá as meninas e cuidará delas. É então que percebe o que lhe reserva a vida, a mão que lhe faltou na infância ela decide dar aos outros, e desta forma dá início a um trabalho imenso onde se transformará na Mama Tina para milhares de crianças.
Ao conhecer um orfanato particular Christina irá se empenhar em conseguir verbas para melhorar e aumentar o mesmo. Não será uma tarefa fácil, ela terá que conseguir uma permissão de trabalho que lhe é concedida por 03 meses, e neste tempo mostrar que foi capaz de fazer algo. No último dia ao ir para o aeroporto Gerry ( Brendan Coyle), empresário de uma petroleira, lhe avisa que ela conseguiu a verba.
É o início de um imenso trabalho que Christina fará pelas crianças abandonadas. Ela desenvolverá mais de 100 projetos no Vietnã e na Mongólia. Hoje são seus filhos que administram isto.
terça-feira, 24 de novembro de 2015
FILME: PHOENIX - 2014
Direção: Christian Petzold - 2014
Duração: 98 min
País de Origem: Alemanha
Nelly Lenz (Nina Hoss) é uma sobrevivente de um campo de concentração nazista. Ajudada por sua única parente viva, Lene (Nina Kunzendorf) ela passa por uma cirurgia, pois seu rosto está desfigurado. Após retirar as bandagens ela não se reconhece no espelho o que a angustia.
Com a morte de seus parentes Nelly é herdeira de uma grande quantia de dinheiro, e foi isto que possibilitou a cirurgia de reconstrução de seu rosto. Lene quer ir embora, ir para Israel e tenta convencer Nelly a ir também, porém esta deseja reencontrar seu marido Johnny (Ronald Zehrfeld) ao que Lene se opõe alegando que ele esteve envolvido em sua captura pelos nazistas.
Porém Nelly não se convence e parte em busca do marido, encontrando-o trabalhando na boate Phoenix. Ele não a reconhece, mas percebe uma semelhança com sua esposa e faz um proposta de transformá-la em Nelly para poder ter acesso a herança que ela tem direito, mas para isto tem que estar viva o que Johnny pensa não ser possível.
Nelly era uma cantora, e agora em meio aos escombros e diante de um marido que não a reconhece e do qual se suspeita a tenha entregue aos nazistas para se safar quando foi preso, ela tem que reconstruir sua identidade. É o se recriar, e se recuperar diante do trauma.
O que ela tenta é voltar ao passado, é recuperar sua vida, ao contrário do que Lene lhe fala, em criar uma nova vida, em outro lugar, ela quer de volta o que era. O filme trata de traumas, de não se saber mais quem se é, de perceber de que se está morta para aqueles que se ama, que não tem mais identidade, de que não é mais quem era.
Sobreviver a um campo de concentração, ter vivido o horror, e se encontrar com a desolação, com um não-lugar, com a destruição, e ainda ter que construir algo novo para si mesmo, ao invés de ser acolhido após tantos traumas. Aos poucos vamos assistindo ao mergulho de Nelly em seus medos enquanto tenta mentir para si mesma. É difícil enfrentar o real que se impõe, estar ao lado do homem que foi seu marido, e que agora é um estranho que não a reconhece, até chegarmos ao momento final do filme, de sua libertação, a partir do momento em que ela desce do trem, de uma beleza sensível e indescritível.
Christian Petzold nasceu em 1960 em Hilden, Alemanha
DOCUMENTÁRIO: IRIS - 2015
Direção: Albert Maysles - 2015
Duração: 76 min
País de origem: Estados Unidos
Documentário sobre Iris Apfel
O documentário nos fala da vida de Iris Apfel, designer e um ícone de estilo na moda, mas o que realmente é interessante é ver esta mulher de 93 anos ativa, criando e vivendo.
Ela criou um estilo próprio, chamado de fashion atualmente, excêntrico antes, mas que no fundo nos mostra que a moda é algo que se cria para si mesmo, é ter um estilo do qual você gosta e se sente bem, ou seja, é usar roupas que são sua pele, sua cara.
Utilizando um pouco de tudo que ela garimpa em vários lugares ela vai compondo um visual, mistura, compõe, é pura arte. Uma colecionadora, possui muitas roupas de época, trajes, e objetos que aos poucos vai doando a museus em sua velhice.
Pouco conhecida no Brasil é um ícone fora daqui, casou-se com Carl Apfel em 1948 e que completou 100 anos durante a filmagem, vindo a falecer em agosto deste ano, eterno companheiro, sempre juntos.
Mas o filme vai além deste enfoque de moda e estilo, ela nos fala sobre o que pensa da vida, do que é considerado belo, e mostra que é possível sim criar e ter uma vida ativa e inspiradora aos 93 anos, mesmo levando em conta as limitações que o corpo nos coloca.
Albert Maysles nasceu em 1926 em Dorchester, Boston, Massachusetts, EUA e faleceu em 2015 em Manhattan, Nova Iorque, EUA após as filmagens do documentário.
segunda-feira, 9 de novembro de 2015
LIVRO: IDENTIDADE E VIOLÊNCIA a ilusão do destino - AMARTYA SEN
Sen, Amartya. 1ª ed. Iluminuras, 2015
208 páginas
Tradução: José Antonio Arantes
Título Original: Identity and violence: the illusion of destiny
Um livro muito atual. O que Amartya defende é que não devemos considerar o outro por uma única identidade aglutinadora, uma vez que as pessoas são muito mais do que uma única identidade. Ao fazer isto, por exemplo, considerar os muçulmanos todos como terroristas, estamos alimentando um discurso de ódio que acaba levando à violência, sendo que a realidade é que alguns terroristas são muçulmanos.
Um outro ponto extremamente importante é a questão de confusões conceituais que também leva à violência. Ele cita a globalização como um dos exemplos. Há uma ideia generalizada de que a globalização é algo ruim, e que acaba empobrecendo muitas pessoas além de explorá-las. É um fato que realmente isto ocorre, porém a globalização é muito mais do que isto, uma vez que sem ela não haveria a troca de ideias, a troca da ciência, da literatura, do saber. Então a questão não é a globalização em si, mas em como ela opera em diferentes setores. Ele também levanta a questão da ideia falsa de que a democracia seria algo ocidental. Se pensarmos a democracia como a possibilidade de todos participarem não é possível dizer que o Oriente não foi e não pode ser democrático, pelo contrário, é possível ver que a democracia neste sentido surgiu lá muito antes do que na Grécia.
A questão nisto tudo é que acabamos cristalizando certas ideias e conceitos sem ampliar nosso pensamento o que nos leva infelizmente à pré-conceitos.
Amartya cita o exemplo da Índia, um país considerado hindu e que tem um número maior de muçulmanos no país. Mas as pessoas são muito mais do que isto, se identificam com sua profissão, com sua situação social, com sua família, com sua língua e muito mais.
Um dos pontos forte do livro é a questão da falsa oposição entre Ocidente e Antiocidente que acaba sendo utilizado para criar ressentimentos que permitem os atos terroristas. É fato que certas atitudes e comportamentos de alguns países ocidentais acabaram criando este ressentimento, porém, é a insistência nesta divisão que alimenta o ódio, e não é apenas do lado do Oriente que isto é utilizado, pois quando os Estados Unidos alega ser difícil ou impossível "impor" a democracia no Iraque está fazendo a mesma coisa. Quando se pensa desta forma, agindo contra o outro, não se está se libertando do outro, pelo contrário, é uma mentalidade de colonizado.
Vale a pena ler o livro, aprendi muito com ele e sacudi um pouco minhas ideias e isto é sempre muito bom.
Um dos pontos forte do livro é a questão da falsa oposição entre Ocidente e Antiocidente que acaba sendo utilizado para criar ressentimentos que permitem os atos terroristas. É fato que certas atitudes e comportamentos de alguns países ocidentais acabaram criando este ressentimento, porém, é a insistência nesta divisão que alimenta o ódio, e não é apenas do lado do Oriente que isto é utilizado, pois quando os Estados Unidos alega ser difícil ou impossível "impor" a democracia no Iraque está fazendo a mesma coisa. Quando se pensa desta forma, agindo contra o outro, não se está se libertando do outro, pelo contrário, é uma mentalidade de colonizado.
Vale a pena ler o livro, aprendi muito com ele e sacudi um pouco minhas ideias e isto é sempre muito bom.
Amartya Sen nasceu em 1933 em Santiniketan, Índia. É economista e recebeu o Prêmio Nobel de 1998 pelas suas contribuições à teoria da decisão social e do "welfare state".
quinta-feira, 5 de novembro de 2015
FILME: BABEL - 2006
Diretor: Alejandro González-Iñárritu - 2006
Duração: 142 min
País: Estados Unidos - México - França
Roteiro: Guillermo Arriaga
Babel é um filme denso e extremamente atual que pode ser visto sob várias perspectivas. Um ônibus com turistas travessa uma região do Marrocos, nele estão Richard (Brad Pitt) e sua esposa Susan (Cate Blanchett), um casal de americanos, e outros europeus. Eles fazem esta viagem numa tentativa de reconciliação. No alto das montanhas estão dois garotos, Ahmed e Youssef que são pastores de cabras. Eles acabam de ganhar um rifle do pai para proteger os animais dos chacais. Eles competem entre si para ser o melhor atirador e duvidam do alcance do tiro da arma, para tirar a dúvida atiram primeiro contra um carro que passa na estrada, não acerta, e depois contra o ônibus. Susan é atingida.
Os filhos de Richard e Susan ficaram nos Estados Unidos aos cuidados de Amélia ( Adriana Barraza) que é a babá dos dois desde pequenos. Ocorre que é o dia do casamento de seu filho e não há ninguém para cuidar das crianças. Richard lhe diz que sente muito, mas que ela não poderá ir. Amélia porém não quer deixar de ir ao casamento que é numa cidade no México, e decide levar as crianças junto. Seu sobrinho Santiago (Gael García Bernal) vem buscá-la de carro.
No Japão um homem tenta superar a morte trágica de sua esposa que se suicidou e ajudar sua filha (Rinko Kinkuchi) que foi a primeira a encontrar a mãe e é surda. Ela é jovem, e vive a adolescência com toda a efervescência da sexualidade.
Partindo deste roteiro estas vidas irão se entrecruzar de alguma maneira, e o tiro dado nas distantes montanhas do Marrocos de alguma maneira afetará a todos. O interessante é que isto nos leva a pensar justamente no fato de vivermos num mundo global, onde algo que ocorre num lugar distante afeta a vários outros lugares e pessoas, mas o paradoxo é que se por uma lado tudo parece ligado e próximo, o isolamento é cada vez maior. Podemos também ver a história em dois planos familiares, dos pais e dos filhos. O casal americano que tenta se reconciliar no Marrocos e seus filhos que estão nos Estados Unidos e que com a babá irão para o México. O japonês que deu a arma a um guia marroquino que é o pai da jovem que é surda, e a família marroquina e seus filhos de onde parte o tiro inicial da trama.
Há também todos os aspectos culturais e do medo do estranho e os preconceitos. Aqui também novamente vemos também a falta de comunicação em função seja de ideias preconcebidas em relação ao outro ou pela própria língua falada, onde quando um marroquino fala a um americano, não há muita diferença da surdez da jovem em Tóquio.
O comportamento dos europeus no Marrocos e do casal americano. Eles sentem medo das pessoas, se sentem em perigo na aldeia marroquina, estranham tudo e querem ir embora. Susan antes de ser atingida tem um gesto com o gelo quando almoçam jogando fora, dizendo que não se sabe de onde vem a água. Já os Marroquinos estão curiosos com o que está acontecendo, é uma vila do interior, algo de diferente está ocorrendo. Eles são prestativos, mas com sua aproximação assustam ao estrangeiro. Porém serão eles que serão solidários com Richard e seu drama, pois os europeus irão embora com o ônibus abandonando-os a sua sorte. O guia marroquino fará de tudo que for possível para ajudar e eles serão acolhidos na casa dele.
Nos Estados Unidos o sobrinho de Amélia não se agrada dela levar as crianças, mas aceita. O menino diz que sua mãe lhe falou que o México é perigoso. Mas apesar do receio inicial, dos sustos, como crianças, acabam brincando com as outras crianças e se divertem muito na festa de casamento. O problema é na volta, quando o sobrinho embriagado cria confusão na alfandega diante da desconfiança do policial que ali está. Aqui vemos nitidamente os dois lados, o policial que desconfia dos mexicanos e os considera de alguma maneira um problema, e o mexicano que por saber que são vistos assim não é nada simpático e inclusive um tanto revoltado. Ele fura a barreira e se dá início uma perseguição que o levará a abandonar a tia e as crianças em pleno deserto. Amélia tenta encontrar ajuda, mas é presa. Apesar disto as crianças são encontradas, mas afastadas do perigo chamado Amélia, que ao ver da polícia é perigosa para elas, justo ela que as criou desde pequenas. O resultado é sua deportação para o México. A lei é fria e não leva em conta nada, as relações humanas que existiam ali, os 16 anos de vida de Amélia nos Estados Unidos, tudo isto é desconsiderado.
Os meninos marroquinos logo no início percebemos a rivalidade dos irmãos e que se acentua quando o pai designa o menor para dar o primeiro tiro o que faz com que o mais velho reaja. Ele pode dar o primeiro tiro, mas erra e isto é comentado. Youssef também observa a irmã se trocando, e depois acaba se masturbando nas montanhas. É esta rivalidade que irá levar ao tiro que dá início ao que ocorre no filme, é o gatilho. Youssef ainda é uma criança, mas que já se interessa por seu corpo e pelo o que sente. Seu irmão que é mais velho se contém, mas provavelmente também desejaria ver a irmã nua, que por sua vez é conivente com o irmão. Isto virá a tona quando o pai descobrir o que eles fizeram e que foram responsáveis pelo tiro, e ao inquiri-los Ahmed falará tudo, inclusive sobre isto, onde percebemos a raiva e a inveja que sentia de seu irmão mais novo e entregando-o se ilude ao acreditar que agora será o bom filho amado.
O tiro irá se transformar num atentado terrorista, principalmente com o incentivo da imprensa. De um acidente, de uma rivalidade entre irmãos que acabam cometendo um grande erro, chegamos ao terrorismo, e a polícia procura os terroristas. Um absurdo neste contexto, mas que demonstra a paranoia que é muito atual em relação ao outro, e principalmente do Ocidente em relação aos muçulmanos confundindo pessoas que tem uma religião com pessoas desta mesma religião, mas que são terroristas.
Enquanto isto a jovem no Japão se defronta com suas questões de sexualidade, ela tem dificuldades em lidar com isto, e acaba apelando para formas simbólicas ou gestuais para sinalizar seu desejo, de uma forma errônea, sem saber como agir. Como isto é recebido ou com risadas ou com rejeição ela se sente cada vez mais só em seu mundo. Ela tenta chamar a atenção, ser desejada, ser amada. Apesar de seu pai tentar ajudá-la há uma distância entre eles, primeiramente a típica de jovens em relação aos pais, mas também há uma frieza, uma falta de afetos, de aproximação maior, até que finalmente diante de algo que talvez desperte em seu pai um medo do suicídio, ele se rende a abraçá-la com amor.
Poderíamos questionar o que leva um pai a dar uma arma a duas crianças? Ali trata-se de um ritual masculinizante, e para proteger o rebanho, matar os chacais que atacam as cabras. Mas a imaturidade dos dois os leva a competir entre si para dar tiros. A jovem no Japão apesar de surda tem um grupo, ela é inserida socialmente, mas lhe falta a mãe e outra mulher mais velha para lhe servir de espelho em sua feminilidade e como atuar com ela. Eles vivem num belíssimo apartamento com conforto, mas este espaço é frio e silencioso.
Há também a questão do enfoque do filme. Em alguns momentos senti que o Marrocos e o México estariam sendo enfocados por um ângulo de muita pobreza, promiscuidade, como por exemplo, alimentos cheio de moscas em cima, mas se pararmos para analisar o filme veremos que o enfoque do europeu e dos americanos nos mostra uma suposta demonstração de superioridade , que estão amedrontados, são preconceituosos, tentando preservar-se longe de tudo que eles consideram uma civilização inferior, mas são tão sozinhos e desamparados quanto os outros. O Japão e sua bela cidade moderna, belos apartamentos, e a solidão, o vazio das vidas. Já o Marrocos com sua aparência de pobreza, não se esquecendo que as vilas de montanhas são assim, nos mostra um povo muito mais caloroso e hospitaleiro. Assim como os mexicanos e toda sua festa em torno do casamento. Como poderia uma mãe mexicana deixar de ir ao casamento de seu filho? A cena que mais me tocou foi quando Richard ao ir embora abre a carteira e retira dinheiro para pagar ao guia, que por sua vez recusa. Há uma incapacidade do americano em ver no outro alguém que foi solidário e que o acolheu em seu momento de dor e dificuldade, é como se ele considerasse que o outro lhe prestava um serviço e que teria que ser pago, e com isto também não há uma dádiva ali, mas ele quitaria sua dívida pagando.
Também me chama a atenção que apesar de Richard não dar queixa de Amélia, em momento algum ele se dispõe a defendê-la perante as autoridades levando em conta que ela estava com eles desde que seus filhos eram pequenos. O que vejo é a repetição do ato com o guia, ela era paga, ele não devia nada à ela. E por um lado não deixa de ser correto, é um trabalho, mas por outro me pergunto se caso fosse uma pessoa americana se ele não agiria de outra forma. De qualquer maneira talvez o fato de não dar queixa já seja uma maneira de demonstrar que ele aprendeu algo com tudo que ocorreu, seja o possível para ele dentro da cultura que vive.
Também me chama a atenção que apesar de Richard não dar queixa de Amélia, em momento algum ele se dispõe a defendê-la perante as autoridades levando em conta que ela estava com eles desde que seus filhos eram pequenos. O que vejo é a repetição do ato com o guia, ela era paga, ele não devia nada à ela. E por um lado não deixa de ser correto, é um trabalho, mas por outro me pergunto se caso fosse uma pessoa americana se ele não agiria de outra forma. De qualquer maneira talvez o fato de não dar queixa já seja uma maneira de demonstrar que ele aprendeu algo com tudo que ocorreu, seja o possível para ele dentro da cultura que vive.
Ao final o que vemos são acontecimentos da vida, não há nenhum terrorismo, nenhum sequestro de crianças, nenhum tráfego de drogas nem de armas, exceto os criados pela mente humana dentro de seus preconceitos, medos, intolerância ao outro, dificuldades em lidar com o diferente, e a arrogância de alguns de se considerarem superiores ao outro e os efeitos que isto provoca. E é muito válida a crítica à imprensa que sempre sensacionaliza tudo, apelando para estes jargões e deduzindo em tudo um ato terrorista.
Alejandro González Iñárritu nasceu em 1963 na Cidade do México, México.
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Rinko Kinkuchi
LIVRO: MINHA PARIS MINHA MEMÓRIA - EDGAR MORIN
224 páginas
Tradução: Clóvis Marques
Título Original: Mon Paris, Ma Mémoire
Neste livro Morin nos traz uma autobiografia de sua vida através dos endereços onde morou em Paris, uma vez que foi nesta cidade que ele viveu seus momentos mais importantes, confundindo suas memórias com as da cidade e todos os eventos ocorridos ao longo dos anos, desde seu nascimento até os dias atuais.
Mas Morin não nos fala apenas sobre eventos públicos, mas principalmente sobre ele mesmo diante destes acontecimentos, assim como sobre o que ocorria em sua vida pessoal. Sua infância, sua adolescência, seus amores, sua vida acadêmica, seus aprendizados com a vida e suas lutas.
Lendo as memórias de Morin nos damos conta de como ele formou seu pensamento complexo. Ele nos relata a história de seu país e de sua cidade através de sua história passando pela Resistência durante a Segunda Guerra, sua adesão ao comunismo e depois sua saída, suas amizades, e me interessei especialmente pela amizade com Marguerite Duras.
Morin é também um grande cinéfilo e no livro nos fala dos principais filmes que marcaram sua vida. Agora o mais impressionante é seu desejo de viver, e mesmo agora, nonagenário continua ativo e vivendo o que o mundo oferece de bom e de ruim, sempre aprendendo e buscando compreender.
Este livro nasceu de seu desejo de escrever sobre Paris como palco de suas memórias após pronunciar o discurso de agradecimento ao receber em 05 de junho de 2012 das mãos do Prefeito Bertrand Delanoë a Médaille de Vermeil de la Ville de Paris.
Lendo as memórias de Morin nos damos conta de como ele formou seu pensamento complexo. Ele nos relata a história de seu país e de sua cidade através de sua história passando pela Resistência durante a Segunda Guerra, sua adesão ao comunismo e depois sua saída, suas amizades, e me interessei especialmente pela amizade com Marguerite Duras.
Morin é também um grande cinéfilo e no livro nos fala dos principais filmes que marcaram sua vida. Agora o mais impressionante é seu desejo de viver, e mesmo agora, nonagenário continua ativo e vivendo o que o mundo oferece de bom e de ruim, sempre aprendendo e buscando compreender.
Este livro nasceu de seu desejo de escrever sobre Paris como palco de suas memórias após pronunciar o discurso de agradecimento ao receber em 05 de junho de 2012 das mãos do Prefeito Bertrand Delanoë a Médaille de Vermeil de la Ville de Paris.
Edgar Morin nasceu em 1921 em Paris, França.
quarta-feira, 4 de novembro de 2015
FILME: A PELE DE VÊNUS - 2013
Direção: Roman Polanski - 2013
Duração: 96 min
Título Original: La Vênus a la fourrure
Roteiro: Roman Polanski e David Ives
País: França - Polônia
Baseado no romance do século XIX do austríaco Leopold Sacher-Masoch publicado em 1870 que acabou originando o termo masoquismo, baseado em seu nome.
"E o todo poderoso o golpeia e o coloca nas mãos de uma mulher."
"Amar e ser amado é como ser encantado. Entretanto, mais forte e mais lindo. E esse tormento que me consome. A cópula com essa mulher para a qual sou um brinquedo, um escravo miserável, servil, o chão onde ela pisa, minha deusa, minha ditadura, minha vênus coberta por peles."
Thomas ( Mathieu Amalric) é um dramaturgo que pretende encenar no teatro uma livre adaptação do livro de Sacher-Masoch. Ele está a procura de uma atriz e tem dificuldades em encontrá-la. Mas eis que surge Vanda ( Emmanuelle Seigner), atrasada, toda atrapalhada, quase que implorando uma chance para fazer o teste do papel de Vanda, pois o personagem tem o mesmo nome.
Se no início Vanda parece despreparada além de criticar a peça aos poucos ela adentra o personagem de forma impressionante e conduz Thomas a desempenhar o papel de Severin. De repente já não sabemos o que é encenação e o que é realidade, os papéis se invertem, há momentos que Vanda o chama de Thomas e outros de Severin, levando-o a confessar que há muito de sua vida pessoal na peça.
Quando Vanda lhe passa (à Severin) a sua "pele" (no filme um cachecol de lã), suas mãos tremem. Vanda lhe pergunta o porque e indaga se em sua infância não houve algo ao que Severin responde: " nós todos somos explicáveis e permanecemos inextricáveis. A vida nos faz ser o que somos num instante, imprevisível." É quando ele lhe conta sobre sua tia que usava uma pele. Ele foi uma criança terrível que perturbava a vida dos criados e do gato, e também não se portava bem com sua tia, até o dia que ela resolve se vingar e lhe dar uma lição. Ela entra em seu quarto junto com duas criadas munida de uma vara, ele tenta fugir, mas as criadas o seguram, é jogado sobre a pele, e elas cavalgam sobre ele enquanto de calças arriadas a tia lhe dá uma surra, o chamam de menina. A tia ainda o obriga a agradecer de joelhos e a beijar seu pé. A partir deste dia uma pele nunca mais foi uma simples pele e uma vara uma simples vara. "Em um instante ela fez de mim este que sou agora."
Até os dias atuais ela retorna em seus sonhos, e Severin diz à Vanda que ela lhe ensinou a coisa mais preciosa do mundo, que nada é mais sensual que a dor, nem nada mais excitante que a degradação. Ela se tornou meu ideal diz ele. Desde então eu procuro sua réplica e quando encontrar essa mulher me casarei com ela.
Há muito de psicanálise nisto. Quando nos apaixonamos geralmente o fazemos por nós mesmos,ou seja, vemos no outro nosso ideal. Aqui no filme talvez Séverin diz meu ideal como o ideal de mulher para ele, ou seja, alguém que o faça sofrer. Mas ao nos apaixonarmos também vemos um traço, que geralmente é de nossos amores objetais primários, ou seja, normalmente a nossa mãe. Porém em casos de abusos na infância, de algo que marca muito forte, que causa um trauma, esta marca pode mudar e permanecer se não for analisada e desvendada, para poder ser superada. Há a introjeção do agressor ou a posição de objeto deste agressor. De cruel ele passa a ser o objeto da crueldade de outro, de um sádico. Por que sua tia bem o é, uma vez que não seria necessário isto para educar o garoto.
O filme pode ser visto também sob o viés da questão do poder. No amor como na política, só um pode ter o poder, diz Severin. Vênus só pode reinar em um mundo de escravos. No início Vanda parece frágil, está à mercê do poder do diretor da peça do teatro, mas aos poucos isto muda, e na medida em que ambos vão ensaiando a peça, eles encarnam seus personagens, trocam de lugar, e ao final temos Vanda no lugar do mais forte, do que subjuga o outro.
Mas se pensarmos no que aconteceu na infância de Severin, e o diretor Thomas não nega que há muito de sua vida e de si mesmo na peça, vamos ver alguém que tem o desejo da dor como prazer, e que irá em busca de alguém que seja o sádico. Porém Vanda questiona isto, não aceita o desejo de dominar pois compreende que ele ao lhe pedir que o domine a está submetendo ao desejo dele e com isto a domina. É aqui o ponto da liberdade de Vanda que não entra neste "jogo" nem de poder, nem do sadomasoquismo.
Temos uma cena num divã onde Vanda nos parece assumir o lugar de um psicanalista. Thomas está no divã e ela lhe fala de sua noiva e da relação dos dois. Fala sobre o desejo dele.
Um filme que fala do amor, do patológico, de desejos, de poder. Do querer ser um objeto para preencher um espaço vazio que se vê no outro.
Quando Vanda lhe passa (à Severin) a sua "pele" (no filme um cachecol de lã), suas mãos tremem. Vanda lhe pergunta o porque e indaga se em sua infância não houve algo ao que Severin responde: " nós todos somos explicáveis e permanecemos inextricáveis. A vida nos faz ser o que somos num instante, imprevisível." É quando ele lhe conta sobre sua tia que usava uma pele. Ele foi uma criança terrível que perturbava a vida dos criados e do gato, e também não se portava bem com sua tia, até o dia que ela resolve se vingar e lhe dar uma lição. Ela entra em seu quarto junto com duas criadas munida de uma vara, ele tenta fugir, mas as criadas o seguram, é jogado sobre a pele, e elas cavalgam sobre ele enquanto de calças arriadas a tia lhe dá uma surra, o chamam de menina. A tia ainda o obriga a agradecer de joelhos e a beijar seu pé. A partir deste dia uma pele nunca mais foi uma simples pele e uma vara uma simples vara. "Em um instante ela fez de mim este que sou agora."
Até os dias atuais ela retorna em seus sonhos, e Severin diz à Vanda que ela lhe ensinou a coisa mais preciosa do mundo, que nada é mais sensual que a dor, nem nada mais excitante que a degradação. Ela se tornou meu ideal diz ele. Desde então eu procuro sua réplica e quando encontrar essa mulher me casarei com ela.
Há muito de psicanálise nisto. Quando nos apaixonamos geralmente o fazemos por nós mesmos,ou seja, vemos no outro nosso ideal. Aqui no filme talvez Séverin diz meu ideal como o ideal de mulher para ele, ou seja, alguém que o faça sofrer. Mas ao nos apaixonarmos também vemos um traço, que geralmente é de nossos amores objetais primários, ou seja, normalmente a nossa mãe. Porém em casos de abusos na infância, de algo que marca muito forte, que causa um trauma, esta marca pode mudar e permanecer se não for analisada e desvendada, para poder ser superada. Há a introjeção do agressor ou a posição de objeto deste agressor. De cruel ele passa a ser o objeto da crueldade de outro, de um sádico. Por que sua tia bem o é, uma vez que não seria necessário isto para educar o garoto.
O filme pode ser visto também sob o viés da questão do poder. No amor como na política, só um pode ter o poder, diz Severin. Vênus só pode reinar em um mundo de escravos. No início Vanda parece frágil, está à mercê do poder do diretor da peça do teatro, mas aos poucos isto muda, e na medida em que ambos vão ensaiando a peça, eles encarnam seus personagens, trocam de lugar, e ao final temos Vanda no lugar do mais forte, do que subjuga o outro.
Mas se pensarmos no que aconteceu na infância de Severin, e o diretor Thomas não nega que há muito de sua vida e de si mesmo na peça, vamos ver alguém que tem o desejo da dor como prazer, e que irá em busca de alguém que seja o sádico. Porém Vanda questiona isto, não aceita o desejo de dominar pois compreende que ele ao lhe pedir que o domine a está submetendo ao desejo dele e com isto a domina. É aqui o ponto da liberdade de Vanda que não entra neste "jogo" nem de poder, nem do sadomasoquismo.
Temos uma cena num divã onde Vanda nos parece assumir o lugar de um psicanalista. Thomas está no divã e ela lhe fala de sua noiva e da relação dos dois. Fala sobre o desejo dele.
Um filme que fala do amor, do patológico, de desejos, de poder. Do querer ser um objeto para preencher um espaço vazio que se vê no outro.
Roman Polanski nasceu em 1933 em Paris, França. Emmanuelle Seigner, protagonista deste filme é sua esposa.
quinta-feira, 22 de outubro de 2015
DOCUMENTÁRIO: UM ENCONTRO COM LACAN - 2011
Diretor: Gérard Miller - 2011
Duração: 60 min
Título Original: Rendez-vous chez Lacan
País: França
Documentário sobre Jacques Lacan com a participação de psicanalistas - Eric Laurent, Jacques-Alain Miller e a filha de Lacan - Judith Miller entre outros e depoimentos de antigos analisandos.
Jacques-Alain Miller, genro de Lacan e que é o responsável pela publicação dos Seminários.
Judith Miller na clínica de Lacan
Trata-se de uma apresentação de quem foi Jacques Lacan principalmente através de vários depoimentos de analisandos e de como ele era como psicanalista. Um dos depoimentos que mais me tocam é de uma mulher que sendo judia tinha um trauma sobre a Gestapo. Após um sonho com isto ela o relata à Lacan que ao ouvir a palavra Gestapo se levanta e com sua mão toca o rosto dela, toca a pele, o que resignifica o significante Gestapo por "geste à peau" gesto na pele.
O documentário foca o cotidiano e a prática clínica de Lacan. e também sobre seus seminários. Cada análise é uma e isto o documentário nos mostra em relação ao tempo, as questões que surgem e até mesmo sobre o pagamento, onde um dos pacientes ficou sem pagar durante um tempo, o que contraria a fama de Lacan só se interessar por dinheiro. O que movia Lacan era a psicanálise, o inconsciente.
Assisti novamente na sequência "A reinvenção da psicanálise" já postado aqui no blog.
Assisti novamente na sequência "A reinvenção da psicanálise" já postado aqui no blog.
segunda-feira, 28 de setembro de 2015
LIVRO: DIANTE DA DOR DOS OUTROS - SUSAN SONTAG
Sontag, Susan. Companhia das Letras, 2003
107 páginas
Tradução: Rubens Figueiredo
Título Original: Regarding the pain of others
Trata-se de um ensaio sobre a questão da fotografia sobre temas que chocam, fotos de guerra,conflitos, e sobre a questão ética e efeitos de suas publicações.
Sontag nos traz um percurso histórico desde o tempo dos desenhos como Goya em relação a invasão da Espanha pelos franceses até os dias atuais. Os primeiros fotógrafos de guerra, as fotos tiradas no local e as que são encenadas. Ela se questiona qual seria a função e a necessidade de mostrar ao público estas fotos.
Com a recente publicação da foto do garotinho sírio morto numa praia que foi veiculada em todos os jornais e redes sociais, é uma questão importante. Sontag levanta a questão também do direito da família, mas sem deixar de frisar que estas questões normalmente surgem quando se trata de alguém branco e ocidental, por que ninguém questiona isto quando se trata de uma foto de uma menina morrendo de fome na Etiópia, por exemplo.
Como reagimos diante da dor do outro? estaremos realmente insensibilizados devido ao excesso de veiculação de imagens? ou as imagens ainda podem chocar e levar a ação? A foto das crianças fugindo de uma aldeia no Vietnã resultou num protesto maior contra esta guerra e acelerou seu final.
Eu pessoalmente acho que é necessário que a verdade surja, que seja veiculada, para nos tirar do comodismo, apesar de que sei que quando se está em segurança o efeito não é o mesmo do que para aquele que está vendo ou vivendo o que a foto nos traz. Mas o ocultamento dos fatos também não é bom. Por outro lado um dos pontos é que muitas vezes mudamos de canal ou deletamos a foto porque não podemos fazer nada a respeito. O que eu não concordo é que nos ocultemos sob a ilusão de que isto primeiro só acontece lá longe, e segundo que ignoremos estes fatos tristes e dolorosos. Concordo que provavelmente a foto não traga grandes mudanças, mas eticamente falando, você já não pode se desresponsabilizar sob a ignorância do fato.
A foto do pequeno sírio resultou em vários protestos na Europa para que os países acolhessem os emigrados, refugiados.
Um outro ponto importante levantado por Sontag é a questão do reconhecimento pelo outro da dor que se sente. Quem sofre quer ser reconhecido, e não consolado pelo fato de outro sofrer tanto ou mais que ele, precisa do crédito disto pelo outro. Que seu sofrimento não seja banalizado, exemplificado, mas visto e reconhecido.
Quem não está numa guerra e nunca passou por ela não consegue nem mesmo pela imaginação saber o que é isto, e na maioria das vezes nada podemos fazer, mas não podemos nos ocultar sob isto.
Susan Sontag nasceu em 1933 em Nova Iorque, EUA e faleceu em 2004 na mesma cidade. foi uma escritora, crítica de arte e ativista. Recebeu o prêmio National Book Award de 2000 pela ficção e em 2003 o Prêmio Princesa das Astúrias.
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