Betancourt, Ingrid. Companhia das Letras, 2010
Tradução: vários tradutores
553 páginas
Título original: Même le silence a une fin.
Durante a campanha eleitoral para a presidência da Colômbia de 2002, Ingrid Betancourt, então candidata, foi sequestrada pelas FARC junto com sua comitiva. Era o dia 23 de fevereiro de 2002. Ela só será libertada pelo exército colombiano em uma operação montada que enganou os guerrilheiros em 02 de Julho de 2008. O livro relata estes seis anos e meio de cativeiro.
Um relato lúcido, objetivo que trata mais de sua introspecção frente a todas as dificuldades que passou e que não foram poucas. Humilhações, ofensas, fome, doenças, a psicologia do agressor, o comportamento dos outros reféns.
No início as suas dificuldades quando se viu num mundo totalmente oposto ao que estava acostumada, e sem o poder que estava acostumada a exercer. Era uma mulher orgulhosa, segura, determinada e autoritária, que intimidava os outros, e agora aos poucos ela irá aprender a obedecer e se calar, mas o que mais me impressiona é sua capacidade de não perder a dignidade diante de uma situação onde normalmente a vítima acaba se submetendo por medo para não sofrer represálias, e Ingrid em momento algum demonstra este medo e não se deixa levar pela psicologia do opressor que pretende culpabilizá-la pelas represálias. Em um momento ela diz que é seu direito tentar fugir e recuperar sua liberdade e é função do captor tentar mantê-la presa.
Este modo de agir muitas vezes incomoda seus companheiros, seja pela inveja por ela obter o que deseja, ou seja pelas represálias que atingem a todos. Eles a consideram egoísta, arrogante. Porém Ingrid também reconhece sua mesquinhez em vários momentos, onde irá lutar por um espaço melhor, pelo prato de comida ou a fatia maior de uma torta. Como julgá-los? não devemos, cada um por si lutando por sua vida e esperando a libertação.
O livro nos mostra a face do ser humano quando está em condições limites, aprisionado, humilhado, com medo, sem recursos, sem sua família, tendo que viver na selva, em meio a sujeira, frio, umidade, animais e insetos terríveis como formigas, carrapatos, e outros que queimam como ácido, sofrendo de doenças sem remédios e recursos, sem ter sua intimidade preservada, tendo que fazer suas necessidades diante de todos, e as mulheres sem absorventes higiênicos, sem alimentação adequada baseada principalmente em arroz, além de suportar a opressão, o uso do poder por parte de seus captores. Cada um reage diferente, uns tentam se aproximar do agressor, ser simpáticos com eles querendo com isto garantir o seu, outros se afastam e se calam, se isolam, outros simpatizam e se afeiçoam ao agressor, e alguns fazem como Ingrid. Não há o que dizer, cada um se defende como pode de acordo com aquilo que é.
Do outro lado vemos uma guerrilha composta de jovens e crianças, imaturos ainda por um lado mas embrutecidos por outro. O prazer que eles obtém em usar o poder para humilhar àqueles que consideram seus opressores na vida e que os obrigaram a estar ali, é a ideologia que opera considerando os burgueses os culpados por tudo. Não que eles tenham um vida boa, muitas das mulheres aderiram para escapar à prostituição, preferem ter que estar com alguns guerrilheiros ou ser a namorada de um deles, do que se prostituir com todos, e ali pelo menos elas tem proteção e não passam fome.
Sem analisar a situação em que todos se encontram podemos ter a tendência a ver o pior do ser humano, quando aqueles que estão na mesma situação ao invés de se unirem são os primeiros a delatar o outro, a reclamar quando, por exemplo, Ingrid foi levada numa rede numa mudança de local, por estar com malária e incapacitada de andar e seus companheiros a acusavam de estar fingindo. O olhar de satisfação dos que a recebiam diante de mais uma fuga frustrada, porém a própria Ingrid consegue compreender isto, como se sente o que fica diante daquele que conseguiu a liberdade de volta. Só que ele não tenta, não se arrisca, mas irá sofrer as represálias junto em várias ocasiões.
As tentativas de fuga, que desespero, por mais que se tenha planejado, pensado, na hora o medo se apodera da pessoa. Um medo que tanto paralisa como serve de impulso. Quando eram pegos novamente, todo o sofrimento, a violência, humilhação e que os raptores diziam ser culpa dela, se não tivesse tentado fugir... Mas quem não iria querer fugir? Eles se colocam como se fossem bons e que ela se rebelou, e no entanto esquecem que são eles os agressores.
Por outro lado entre os guerrilheiros também vemos o lado bom deles, são jovens, brincam, dançam, muitas vezes eles ajudam aos reféns, mostram um lado mais humano, mas estão constantemente sob vigilância também, entre eles também há os delatores, a competição. O agressor não é o monstro, ele também tem seu lado bom. E do lado dos reféns também há cooperação, há ajuda, como quando um deles sofre um infarto e o outro lhe cede a aspirina que foi negada pelas FARC, ou o desespero de Ingrid para socorrer seu amigo diabético. As palavras que trocam, e também os momentos em que riem.
Recomendo a leitura, é uma lição de vida, um mergulho no ser humano.
Ingrid Betancourt em seu cativeiro e após a libertação.
Ingrid nasceu em 1961 em Bogotá na Colômbia. Viveu boa parte de sua juventude em Paris onde estudou ciências políticas no Instituto de Estudos Políticos de Paris. Vive atualmente em Oxford onde faz doutorado em Teologia. Ela pediu uma indenização ao governo da Colômbia e tem sido muito criticada por isto, assim como sua partida para a França logo após a libertação.
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