terça-feira, 7 de janeiro de 2014

LIVRO: A MULHER E O DESEJO - Muito mais do que a vontade de ser querida - POLLY YOUNG-EISENDRATH


EISENDRATH-YOUNG, Polly. Rocco, 2001
Tradução: Léa Viveiros de Castro
220 páginas
Título original: Women and desire: beyond wanting to be wanted 

Algum tempo atrás eu disse ao meu analista que não queria ser desejada, eu queria ser amada. Como diria Lacan, falei sem saber o que dizia. E justamente o livro começa com uma frase que eu desconhecia de Lacan sobre isto : "as mulheres querem ser desejadas, não amadas." 
A autora inicialmente duvidou se podia aceitar esta afirmação, mas ao longo de seu trabalho como psicanalista ela percebeu que ele tinha razão, que realmente era isto que as mulheres desejavam, mas o que ela não concorda é que isto seja normal e que basta, muito pelo contrário, ela irá questionar isto, e ficara com esta frase a incomodando por muito tempo, até perceber de que apesar de correto, isto não era bom, mas era uma angústia danosa e que provinha da formação feminina em uma sociedade patriarcal, onde se espera que as mulheres agradem aos homens. 
A autora é feminista, e eu pessoalmente apesar de todo meu respeito e admiração pelo movimento que em minha opinião foi um dos mais revolucionários dos últimos tempos na questão de mudanças, prefiro atualmente ter um olhar sobre o feminino e o masculino, que são gêneros e construídos socialmente. E é justamente nesta construção que vamos encontrar esta questão que é muito atual e que apesar da ilusão de que as mulheres conquistaram sua liberdade, ainda estão longe disto, infelizmente. 
Lendo o livro percebi que eu também não poderia me vangloriar de minha declaração ao analista, apesar de ter uma ligeira percepção do que se passava, este querer ser amada ainda me colocava na condição de querer agradar ao outro, de me preocupar com o que o outro pensa de mim. 
E esta é a questão do livro, passar de objeto de desejo para Sujeito do desejo. E muitas vezes nos enganamos ao pensar que temos escolha, por que no fundo nossas escolhas são regidas justamente pelo desejo de ser objeto de desejo, o que nos leva a uma insatisfação e um conflito interno. Achamos que temos escolha quando vamos ao salão de beleza, quando vamos para a academia, quando vamos ao shopping e compramos roupas, mas no fundo estamos atendendo a este desejo de agradar ao outro, o que se formos sujeito de nosso desejo, talvez não seja tão relevante assim usar a roupa certa, estar com as unhas feitas, ou magra. Isto passa a ser uma escolha quando é feita para atender ao que nós desejamos para nós, como nós nos sentimos bem, mas não para que o outro veja e admire, mesmo que admire e seja bom, desde que possamos escolher. 

Young-Eisendrath então percorrerá um caminho através de contos de fadas, mitos e relatos de suas pacientes, além de exemplos próprios para provocar e tentar evitar a armadilha onde a maioria de nós cai. 

Ela usará  os arquétipos da musa e da bruxa megera. A musa que desperta o desejo, que atrai os olhares, que é admirada, e a bruxa megera, quando a mulher ocupa um espaço e é chamada de autoritária, mandona, controladora, nos mostrando como nós ficamos entre estas duas, sentindo vergonha e inibição e o quanto isto afeta nossa vida. Falará também da criança divina e do mito da mãe perfeita, zelosa que cuida dos seus filhos, o que acaba sendo prejudicial tanto para a mulher quanto para o filho até chegar as três patologias que a mulher acaba sofrendo.A patologia do furto em lojas, da compulsão por compras  e da orgia alimentar que pode resultar ou em anorexia ou que engordemos. A autora demonstra como isto é uma forma de poder ter escolha, mas de forma doentia, que surge por não atingirmos o ideal que desejamos para nós, para mascarar dores, para suprir um vazio imenso. O vazio e a dor de não haver construído um sentido para sua própria vida de acordo com uma escolha com autonomia. 

O maior equívoco é confundir ser sujeito de seu desejo com independência financeira ou individualidade. Ser sujeito de seu desejo é soberania, ter autonomia, mesmo que você viva com outra pessoa, que divida as despesas, ou até mesmo seja sustentada por um tempo, mas lembrando que ganhar a vida é um dos passos para a soberania. Grandes executivas, que ganham bem estão presas nesta situação, e mesmo profissionalmente sofrem, por que se afirmam suas idéias, se dão ordens, são chamadas de megeras. 

Parece algo ultrapassado? mas não é, e justamente a questão que mais chama a atenção é a anorexia, a bulimia, o consumismo desenfreado, a tentativa de preencher vazios e solidão comprando, trocando, sem nunca se satisfazer. 

Vale a pena ler o livro. Gosto muito também das psicanalistas junguianas que trabalham com as histórias, contos e mitos para ajudar a falar sobre algo. A angústia é o inefável, e muitas vezes não conseguimos ver ou compreender algo, e uma história pode iluminar e trazer as palavras necessárias, que curam. 

" A soberania pessoal é algo diferente da assertividade, da individualidade, da independência e de fazer as coisas a seu modo. A soberania pessoal ou autonomia consiste em sentir-se livre para escolher e para direcionar suas ações." 


Polly Young-Eisendrath é psicóloga e psicanalista junguiana e clínica em Burlington - Vermont, além de professora-assistente de psiquiatria na Faculdade de Medicina da Universidade de Vermon. 

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