Couto, Mia. Companhia das Letras, 2007
206 Páginas
Moçambique após a independência, a guerra civil que devasta o país, o velho Tuahir resgata o menino Muidinga da morte num campo de refugiados e começa a Odisseia dos dois. Vão em busca dos pais do menino, pelo menos é o que alegam, mas onde procurar numa terra devastada pela guerra, que já não oferece caminhos para isto? Somente no sonho, na fábula seria possível reconstruir a identidade do menino.
Encontram um ônibus incendiado e resolvem se abrigar nele. Lá encontram uma mala, dentro os cadernos de outro garoto, Kindzu, outro que foge deste mundo atroz e que escreveu estes cadernos conforme vai sonhando.
De um lado o nu das atrocidades da guerra civil, dos bandos que assassinam, dos campos de refugiados, da perda de tudo, família, lugares, sua história, mas o pior, perder sua identidade, como diz o feiticeiro no sonho de Kindzu : " - Que morram as estradas, se apaguem os caminhos e desabem as pontes. (...) Porque esta guerra não foi feita para vos tirar o país, mas para tirar o país de dentro de vós." De outro lado, a linguagem, a narrativa, contar histórias e os sonhos.
Diante do árido, do sem sentido, do caos é melhor sonhar do que se perder. E Muidinga vai sonhando com os cadernos de Kindzu, reconstruindo um saber que lhe escapava, através das tradições, dos mitos, das crenças de seu povo, até poder se constituir e saber quem é ele, o que Kindzu lhe dará ao final.
Um belo livro. A riqueza antropológica, a narrativa e a capacidade de construir o caminho e deixar as estradas viverem para poder não se perder. Diante de tantas guerras civis onde o conquistador quer apagar os traços do que constitui o povo, sonhar e contar histórias é a possibilidade de não perder suas origens e de manter vivo tudo aquilo que se é.
Mia Couto nasceu em 1955 em Beira, Moçambique.É biólogo e escritor.
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