domingo, 31 de maio de 2015

FILME: A ILHA - OSTROV - 2006


Direção: Pavel Lungin - 2006
Duração: 112 min
Título Original: Ostrov 
País de origem: Rússia 

1942, Segunda Guerra Mundial uma embarcação soviética que carrega carvão é capturada pelos nazistas. Um jovem marinheiro em pânico acaba atirando em seu amigo por ordem do inimigo, a seguir a embarcação explode, mas não sem antes o jovem marinheiro comemorar por estar vivo. 
Em seguida vemos monges que socorrem um jovem numa pequena praia, é o marinheiro. 

1976 - uma ilha no Mar Branco da antiga União Soviética, um monastério de monges ortodoxos. Várias pessoas aguardam, desejam falar com um velho monge, Anatoly (Pyotr Nikolayevich Mamonov), conhecido por seu poder de cura e visões. É um velho estranho, ele vive afastado dos outros numa cabana onde se aquece com fogo abastecido de carvão que ele vai buscar diariamente, enquanto os outros vivem em outras cabanas com aquecimento. São pequenas ilhas ligadas por pontes de madeira. Se chamam de irmãos e são chamados por pai. O pai Filaret (Viktor Sukhorukov) é o abade. Ele se dedica a pintar a iconografia ortodoxa. 

Anatoly nunca cumpre as regras do monastério o que deixa o pai Iov (Dmitri Dyushev) indignado, mas não há o que ele possa fazer, pois até mesmo o abade aceita Anatoly como é. Agora porque este velho monge é assim tão estranho? Pela culpa que carrega, pelo remorso, por não conseguir esquecer sequer um dia o que fez por medo em sua juventude, atirar em Tikhon (Yuri Kuznetsov). Ele buscou refúgio no monastério e com Deus para tentar aplacar sua culpa, mas não conseguiu. Talvez apenas um milagre posso fazer isto e ele possa então morrer em paz. 

É um filme sobre a culpa e o peso de carregar isto por toda uma vida, por não conseguir se libertar de seu passado. 




Pavel Lungin nasceu em 1949 em Moscou, Rússia.

FILME: A ÚLTIMA RONDA DE WALLER - 1989


Direção: Christian Wagner - 1989
Duração: 95 min
Título Original: Wallers Letzter  gang
País de origem: Alemanha 

Waller (Rolf Illig)  passou sua vida trabalhando para a Estrada de ferro fazendo a ronda nos trilhos, e mesmo estando desativada ele continua diariamente percorrendo os trilhos, mas agora ele terá que deixar de fazer isto pois a Ferrovia não quer mais que ele continue. 

Ele parte para sua última ronda e a medida que avança vai se lembrando de sua vida, a cada estação, em certos locais, uma vez que aqueles trilhos são como os trilhos de sua vida, o passado e o presente, sempre os trilhos, mas como ele, a estrada de ferro também foi envelhecendo, sem uso, se no começo ainda está preservada depois ela se enche de capim, pontes estão caídas, até que se chega a um ponto onde não há mais nem os trilhos. 

Suas lembranças aparecem em preto e branco, desde sua infância, quando começou a trabalhar na ferrovia (Herbert Knaup) a morte de seu amigo na guerra, seu amor por Angelika (Crescentia Dünber) com quem teve uma filha, Rosina (Sibylle Canonica), a morte de Angelika no parto, e a dor que ele carregou por toda sua vida por isto. Sua luta para ficar com a filha e criá-la. A medida que caminha as lembranças lhe vem até que chega ao fim dos trilhos. 

Como a vida as coisas também mudam, e se por um lado pode-se se falar em progresso, de outro é a velhice que surge e deixa atrás de si os trilhos percorridos na vida. 

Um filme contemplativo, melancólico, mas que ao mesmo tempo demonstra a riqueza da vida. 




Christian Wagner nasceu em 1959 na Alemanha

sábado, 30 de maio de 2015

FILME: CARTEIROS NAS MONTANHAS - 1999


Direção: Jianqi Huo - 1999
Duração: 88 min 
Título Original: Nashan naren nagou 
País de origem: China 

Baseado no conto homônimo de Peng Jianming. 

Filme belíssimo.

Um homem (Ten Rujun) foi carteiro durante anos nas comunidades rurais nas montanhas da China e chegou o momento de se aposentar. Ele então entrega seu trabalho para o filho (Ye Liu), mas acaba acompanhando-o em sua primeira viagem que seria a última do pai. 

Durante a caminhada ambos vão pensando, o filho no que ele sentia quando criança e seu pai estava sempre ausente, o  pai sobre a saudade que ele sentia. A mais bela cena que toca a alma é quando o filho carrega o pai nas costas para atravessar um rio. É o momento da inversão, onde o filho passa a carregar o pai e se torna homem, enquanto o pai percebe isto e ao mesmo tempo sua velhice. 

As paisagens são lindas. Filmado em Suining County e Dao County, no sudoeste e sul do Hunan e uma parte do filme se passa em uma aldeia do povo Dong, incluindo um festival à noite com uma dança lusheng. 

Além do pai e do filho segue junto o cão fiel da família, um pastor que conhece o caminho e participa da entrega avisando com seus latidos que o correio chegou, pegando no ar uma carta que voou com o vento, chamando com os latidos o rapaz que joga uma corda. 

Aos poucos o filho descobre que o trabalho não se limita a entregar cartas, mas há toda uma relação de afetos entre os aldeões e o carteiro. Ele questiona algumas coisas que o pai mantém e são tradicionais, como por exemplo, porque não pegar o ônibus nos trechos que não tem ninguém, por outro lado o pai também aprende com seu filho. 

Vale a pena assistir.





Jianqi Hou nasceu em 1958 em Pequi, República Popular da China 

TEATRO: SEMO POLACO NON SEMO FRACO


Direção: Juscelino Zilio

Uma comédia inspirada na cultura polonesa, da qual descende o autor (Gláucio Karas) contada por Isidório Duppa, um agricultor solteirão que se envolve com Keith Lua, uma garota de programa. Como a relação acaba não dando muito certo ela vai embora, mas ele recebe a conta pelo programa de 14 dias. Ao dizer que não vai pagar é ameaçado por Trambolhão e Isidório saiu pelo mundo contando sua história. 

Já sua irmã, Flortcha Duppa, está tentando a vida na cidade e acaba conhecendo Trambolhão por quem se apaixona. 

Elenco: Ademar Volpi, Ana Paula Machado, Edy Nascimento, Gláucio karas e William Barbier. 

Produção: EnCena Produções Artísticas. 

Veja alguns momentos:



sexta-feira, 29 de maio de 2015

FILME: UM DOCE OLHAR - 2010


Direção: Semih Kaplanoglu - 2010
Duração: 103 min
Título Original: Bal 
País de origem: Turquia 

Ganhou o Urso de Ouro do Festival de Berlim em 2010.

Yusuf (Bora Altas) vive com seu pai Yakup (Erdal Besikçioglu) e sua mãe Zehra (Tülin Özen) numa região montanhosa da Turquia. Seu pai é apicultor e ensina o filho a ler para que ele possa melhorar na escola. o menino tem dificuldade de pronunciar as palavras, exceto quando fala baixinho com o pai. Com a mãe ele fala muito pouco. É reservado, está sempre sozinho ou com o pai, não brinca com as outras crianças. Mas seu olhar fala, diz tudo. O maior desejo de Yasuf é ganhar a condecoração de boa leitura que o professor oferece aos alunos quando eles lêem. 

Yusuf sempre acompanha o pai e o ajuda, porém quando as abelhas diminuem ele tem que partir para mais longe e ele não pode ir junto. O que era previsto para demorar uns dois dias começa a demorar e mãe e filho ficam sem notícias de Yakup o que os preocupa. Começam a procurar sem sucesso até que a mãe vai a uma delegacia pedir ajuda. 

É um filme de poucas palavras, contemplativo, lento, com as paisagens da floresta, das montanhas, o tempo, o clima, a vida simples destes montanheses. Praticamente não há trilha sonora, apenas os sons da natureza, da chuva, dos passos, do vento.

O ator infantil Bora Altas é excepcional. Sua expressão de sofrimento ao ler, de ciúme ao pensar que o pai deu o veleiro que fez ao primo, de orgulho ao ajudar o pai, e acima de tudo seu olhar. Quando a mãe chora pelo desaparecimento do marido, ele que nunca gostou de leite, bebe o copo todo e olha para a mãe. Singelamente ele deseja que ela fique contente, que pare de chorar. O olhar dele neste momento é maravilhoso. 


Semih Kaplanoglu nasceu em 1963 em Esmirna, Turquia

FILME: ELA NÃO CHORA, ELA CANTA - 2011


Direção: Philippe de Pierpont - 2011
Duração: 78 min 
Título Original: Elle ne pleure pas, elle chante
País de origem: Bélgica e Luxemburgo

Adaptação da autobiografia de Amélie Sarn 

Excelente filme sobre o abuso sexual infantil, no caso incesto, e suas consequências, traumas, e de como as pessoas reagem à isto.

Laura (Erika Sainte) fica sabendo que seu pai sofreu um acidente e está em coma no hospital. Ela então revolve voltar e vai visitá-lo. É o momento do acerto de contas ou até mesmo de se vingar.

Laura sofreu abuso sexual na infância por parte de seu pai e sofre com as consequências disto. Ela tem dificuldade de se relacionar, de amar, em sua sexualidade. Carrega a dor e o ódio. Quando vê seu pai em coma começa a falar com ele, sobre tudo o que sente e o que pensa dele, ela revive o que ele fazia com ela, lembra de suas palavras - de ele a amava e que nunca lhe faria mal. Ela sentia medo, deixava e ficava quieta pois achava que ele iria deixar de ama-la se não se submetesse. Agora ela sabe que ele fazia isto para fazer com que ficasse quieta. Ela lhe diz que não acredita que ele não esteja escutando, que esteja em coma, que ele sempre faz de conta, finge. 

Ela deixou sua casa e foi morar sozinha num apartamento, tem um namorado, aliás teve vários que sempre terminam. A relação dela com o rapaz é estranha, ela o chama a noite e o manda embora de manhã. É como se repetisse tudo de novo, durante a noite. Ele gosta dela, mas não compreende o comportamento dela. 

Sua mãe fica feliz por ela ter voltado, seu irmão também. Ele tem dois filhos e em um dia onde Laura fica com as crianças e menina começa a cantar uma música que fala de cama, ela se assusta, faz algumas perguntas à menina, mas percebe que ela está projetando na criança o que ela passou. Que seu irmão não precisa ser como seu pai. 

A mãe tenta se reaproximar, e vai visitá-la pela primeira vez em seu apartamento. É o momento do confronto das duas. A mãe reage pela negação, dizendo que Laura inventa histórias, imagina, e que seu pai está lutando entre a vida e a morte e ela é uma egoísta como sempre, pois só pensa nela. Ela vai embora, diz que a filha a enoja. 

Laure decide então contar tudo ao irmão que nunca soube de nada. Ele a acolhe, pergunta porque ela nunca lhe falou nada, mas a criança abusada nunca fala, mesmo depois de adulta é muito difícil falar. Mas o ato de contar ao irmão a liberta, e também de alguma maneira a faz se sentir vingada do pai, pois agora ele pode viver, uma vez que nunca mais poderá fingir ou fazer de conta. 

O filme retrata bem as consequências do abuso na infância, o silêncio, a culpa, a dor, o ódio. A reação da mãe que infelizmente é o de muitas mães que acabam negando tudo, dizendo que a filha inventou tudo, que não conseguem aceitar que seu marido, o homem que amam faz isto, e que com isto pioram a situação da criança ou da filha mesmo adulta. 

Philippe de Pierpont 

terça-feira, 26 de maio de 2015

DOCUMENTÁRIO: CONGO RIVER - 2006


Direção: Thierry Michel - 2006
Duração: 116 min

Produção Franco-belga

Seguindo os passos do explorador Stanley o documentário segue da foz do rio à fonte. Percorrendo seus 4.371 km passando pelos lugares que são os testemunhos da história tumultuosa do país, desde a colonização belga até os dias atuais e a guerra civil com o terror dos estupros perpetuados contra as mulheres. Seguindo a margem do rio vamos encontrando este povo e sua história, suas alegrias e sofrimentos, as festas, os rituais, os dramas que fazem parte da vida dos pescadores, comerciantes, viajantes, militares, rebeldes, crianças-soldados, os mai-mai, as mulheres violentadas. Um povo que busca recomeçar e recuperar sua dignidade. 

Este rio é o principal meio de comunicação e locomoção da República Democrática do Congo uma vez que devido as guerras civis a floresta se apossou novamente das estradas e cobriu os trilhos dos trens, herança do tempo da colonização belga. A medida que avançamos pelo rio, inicialmente a bordo de uma barcaça que leva o povo, animais, carga, todos alojados em cima de um pontilhão, cada um armando uma cobertura de plástico, lona, cozinhando ali, dormindo ali, vamos também tendo uma retrospectiva do período da colonização, seja em imagens em preto e branco ou através das ruínas do que ficou ali abandonado, como uma universidade botânica, palácios, barcos. Seguimos pelo rio de Kinshasa até Mbandaka por 1700 km, depois é preciso fazer um trecho por terra pois o rio se torna rápido demais e com pedras e cachoeiras, para então chegar a Kisangani e lugares devastados pelos longos anos de guerras. 

Pessoalmente não tinha muito conhecimento sobre o país exceto pelas notícias de violência contra as mulheres e sobre a colonização belga. É interessante ver a influência da catequização cristã dos colonizadores misturado aos rituais locais, até mesmo uma missa em uma igreja rezada por um bispo onde ele invoca a todos para abandonarem seus antigos rituais, no final o que vemos é uma canção ao som de tambores e o ritmo de dança tipicamente africano. 

Sobre a guerra o herói Mai Mais encontra na bíblia as justificações para tudo que fez, e eles acreditam que estão protegidos pela água para lutar, e citam a bíblia sobre isto, mas são capazes de imensa crueldade, como violentar crianças, mulheres, não por necessidade ou prazer, mas para destruir. 

É sempre interessante e instrutivo conhecer outros povos e sua cultura. Vemos apesar de tudo pelo que este povo passou uma alegria, principalmente eles adoram dançar e cantar. Lembrei-me do livro O Sagrado e o feminino de Cathérine Clément, já postado aqui no blog, sobre a questão das cerimônias religiosas, mesmo cristãs, e que as mulheres entram em transe. No filme vemos isto. Há tristeza também, crianças pequenas trabalhando, a falta de ajuda externa que faz com que este povo ele mesmo tente recuperar seu país da forma mais arcaica, braçal, mas acreditando nisto. 

É a história de um povo e de seu país, para os quais o Rio Congo é de suma importância. 

Thierry Michel nasceu em 1952 em Charleroi, Bélgica. 

segunda-feira, 25 de maio de 2015

FILME: O GOSTO DOS OUTROS - 2000



Direção: Agnès Jaoui - 2000 
Duração: 111min
Título Original: Le goût des autres
País: França 


O gosto do outro, o desejo do outro, a opinião do outro, a crença do outro, a visão do outro, cada um tem a sua, cada um tem seu quadro de referências e sua cultura, formação, e história. E não se mexe nisto sem fazer histórias. 

Temos vários personagens no filme. Castella (Jean-Pierre Bacri) é um empresário que tem pouca cultura.Um bom sujeito, simples, mas que ao assistir uma apresentação de teatro onde sua sobrinha atuava, ele se apaixona pelo texto de "Bérenice" e também pela atriz, que por sinal é Clara (Anne Alvaro) a professora de inglês que ele havia dispensado e que agora chama de volta apenas para poder entrar em contato com ela. Ele irá tentar se integrar ao grupo de Clara, um grupo artístico, mas sem sucesso.

A esposa de Castella é Angélique (Christiane Millet), uma pessoa que ama os animais, mas que é incapaz de respeitar o gosto do outro impondo o seu e criticando o alheio. A irmã de Castella, Béatrice (Brigitte Catillon) está montando um apartamento e Clara não aceita nada do que esta deseja para sua própria casa, e quando Castella compra um quadro de um pintor do grupo de Clara, que ele realmente gostou e o coloca na sala, ela vai tirá-lo de lá. 

Castella tem guarda-costas e motorista. Bruno (Alain Chabat) atende mais Angélique, e tem uma namorada nos Estados Unidos. Ele reencontra Manie (Agnès Jaoui) que trabalha no café ao lado do teatro. Franck (Gérard Lavin) tem suas questões em relação ao antigo emprego, e acaba se envolvendo também com Manie que é independente e faz sempre o que deseja. 

Todos os personagens em algum momento experimentam o gosto do outro, o desejo do outro, seja se submetendo, seja o fazendo ser suportado pelo outro, seja o impondo. Em um momento se diz - o mais difícil é depender do desejo dos outros. Sim, em alguns momentos ficamos à mercê do outro. 

No filme a questão do gosto é apenas um pretexto para os conflitos maiores, mais profundos como a incapacidade de aceitar o outro e seus pontos de vista singulares. Se no começo todos ainda tentam manter as relações de forma artificial, ou seja, mantendo a aparência e a hipocrisia social, aos poucos tudo isto se desmonta. 

Castella assumirá que não entende nada de arte, mas gosta daquela pintura, apenas por gostar, e dirá a sua mulher que ela nunca lhe permitiu um gosto seu. Esta por sua vez procura Béatrice para desabafar e se vê diante do apartamento redecorado ao gosto dela, afinal quem vai morar ali não é Angélique. Clara terá que rever seus conceitos e maneira de olhar os outros e ser mais aberta e humilde. Manie mantém seu espaço e escolhas. O final é magistral com Bruno tocando com um grupo e adivinhem qual é a música? - Non, je ne regrette rien! de Piaf. (Não, eu não me arrependo de nada). 

Assista ao final do filme com Bruno tocando


Agnès Jaoui

domingo, 24 de maio de 2015

FILME: UM HOMEM QUE GRITA - 2010


Direção: Mahamat-Saleh Haroun - 2010
Duração: 90 min
Título Original: Un Homme qui crie

País de origem: Chade

Ganhou o Prêmio do Jurí em Cannes. 

Adam (Youssouf Djaoro) é um ex-campeão de natação e há 30 anos trabalha na piscina de um hotel de luxo na capital do Chade - Djamena, na África. O hotel acaba de ser comprado por chineses e a administração começa a agir de uma maneira diferente, onde antes contava os laços, o tempo, a dedicação, agora é uma questão prática. Primeiro é o cozinheiro que é demitido, ele que sempre cozinhou com amor, e não seguindo cardápios ou receitas sofisticadas. E Adam tem que ceder o lugar ao seu filho Abdel (Diouc Koma) e assumir o lugar de porteiro, uma situação que o fere e incomoda, pois ele considera um declínio social, ele que acreditava que seu lugar de guardião da piscina era um direito divino, principalmente por merecimento pois ele foi campeão de natação e é chamado por todos de campeão. 

O país está passando por uma guerra civil, com rebeldes ameaçando o governo, e a população precisa ajudar o governo, com dinheiro ou enviando seus filhos para lutar pelo país. Adam não tem o dinheiro e passa a viver o dilema de enviar seu filho para a guerra, sendo que é pressionado pelo líder do bairro que acaba lhe dando três dias para decidir. 

Um paralelo entre a vida de Adam e do país, que vai aos poucos perdendo toda sua beleza, tudo aquilo em que se acredita, seus rituais, suas tradições. Adam acaba entregando o filho e passa a sofrer com sua consciência, mas não conta a ninguém o que fez. Ele reassume o lugar na piscina até o dia em que a guerra chega mais perto e todos começam a fugir. A namorada de Abdel havia procurado a família, está grávida. E somente à ela Adam acaba contando o que fez. Ele então parte para buscar o filho. 

Os conflitos de Adam começam no dia que é "expulso" da piscina, seu paraíso. Até ali ele está indiferente à guerra, aos aviões que lhe passam por cima da cabeça. Ao falar com o cozinheiro demitido eles reconhecem que "nosso problema é que colocamos nosso destino na mão de Deus". Começa o desabrochar político de Adam. 

O filme é africano, e portanto não tem um enfoque ocidental. Apesar da questão do destino nas mãos de Deus ser uma referência à catequização imposta, eles não jogam a culpa sobre os colonizadores franceses. Para eles é o homem quem é o responsável por sua vida. 

O Chade vive em guerras civis e pobreza perene, mas segundo o diretor Haroum seu povo sabe que a guerra não é um ato de cima, mas uma criação dos homens.


Mahamat-Saleh Haroun nasceu em Abéché, Chade. Vive na França desde 1982.

FILME: SOBRE AMIGOS , AMOR E VINHOS - 2013


Direção: Éric Lavaine - 2013
Duração: 97 min
Título Original: Barbecue
País: França 

Festival Varilux cinema francês 2015

Antoine (Lambert Wilson) sempre procurou levar uma vida boa. Fazia exercícios, não fumava, comia alimentos saudáveis, mas eis que de repente durante uma corrida com os amigos ele sofre um ataque cardíaco. Quando recebe alta o médico lhe recomenda fazer exatamente o que já vinha fazendo, o que o leva a pensar que a questão não era esta, mas talvez outra, e conclui que fazer tudo isto mas não levar uma vida boa de prazer não o protegeria de um ataque cardíaco. O médico lhe recomendou de tomar cuidado, ora é exatamente isto que sempre fez, tomar cuidado com tudo, alimentação, corpo, sua família, seu trabalho, e em agradar aos amigos e a todos. Mas isto o deixava feliz? 

Ele tem um grupo de amigos que sempre se encontram, e nas férias saem juntos. Mas neste ano um deles, Laurent (Lionel Abelanski) está com problemas financeiros, então os amigos resolvem lhe dizer que irão para outro lugar, uma bela casa que lhes foi cedida por uma conhecida. E como sempre lá estão eles todos reunidos, mesmo tendo que lidar com a questão da separação de Baptiste (Franck Dubosc) e Olivia (Florence Foresti) que apesar do combinado dela ir passar as últimas duas semanas enquanto ele iria nas duas primeiras, ela aparece já na primeira. 

A convivência que antes sempre fora levada de uma forma a agradar a todos começa a deixar Antoine irritado, e ele acaba dizendo aos outros o que pensa deles, como para seu amigo Yves (Guillaume de Tonquédec) que não suporta mais suas piadas e sua mania de mapas e localizações. Pergunta a Jean-Michel (Jérôme Commandeur) o que ele faz ali se é solteiro e ali são todos casais, e assim ele vai de um por um falando o que pensa. E assim rompe o trato amigável que existia. É quando está prestes a falar para Laurent que a casa é alugada que ele sofre um novo ataque. 

Não foi grave, mas é o momento de uma reflexão, de reavaliar sua vida e seu  modo de agir. 

O filme não é extraordinário, bem simplista até, mas assim mesmo vale a pena ser visto para que possamos sempre nos atentar no quanto é difícil as relações humanas, e que tentar agradar ao outro não é fácil, e às vezes é falso nos levando um dia a estourar o que só piora as coisas. Como diz Antoine no filme, fechar a cara é fácil, agora reverter isto nem sempre é fácil. 

Éric Lavaine 

FILME: PARFUMS D'ALGER - 2013



Direção: Rachid Benhadj
Duração: 108 min
País: Algéria 

É a história de Karima (Monica Guerritore) uma fotógrafa algeriana que vive em Paris e acaba de ter seu trabalho premiado. Desde que ela saiu da Argélia para escapar a tirania e violência do pai ela nunca mais retornou, mas recebe um telefonema da mãe falando sobre seu irmão, que aderiu a um grupo terrorista e está preso, condenado a morte. Ela então retorna ao seu país depois de 20 anos.

Neste retorno ela será então confrontada ao seu passado, aliás como se diz no filme, do qual nunca podemos escapar. Irá se recordando de sua infância, do seu irmão, de como se davam bem, mas também de toda violência sofrida vindo de seu pai. Aos poucos ela vai se reconciliar com sua família e acima de tudo consigo mesma. 

É um retorno as suas origens, suas raízes, e mesmo tendo vivido durante 20 anos em Paris, lutado por sua liberdade e independência ela irá se sensibilizar com a situação das mulheres na Argélia e sua falta de liberdade. Enfrentará seu passado em relação ao pai, mas terá que também aceitar que seu irmão não é mais aquele menino doce e fraterno que ela conhecia, sua realidade é outra agora e o que ele fez é terrível. Ela vai se apropriar de sua memória, mas acima de tudo dela mesma, do que ela é. 

Não temos como nos libertar das origens, podemos viver em outros lugares e desfrutar de uma liberdade do entorno, mas em nós vive algo que faz parte da infância, a família e um país onde nascemos com sua história,cultura e o social. O que Karima consegue fazer é um retorno a tudo isto e se reconstituir, conciliando seu lado de origem e também incluindo sua liberdade e independência. Ela vai ter que curar suas feridas que não estavam cicatrizadas como ela pensava ter feito ao não pensar no passado, e depois atar os fios de sua vida. 

Ao deixar a Argélia ela pensa esquecer tudo. Ninguém sabe nada sobre esta parte de sua vida, ela não fala nada sobre isto, nem mesmo ao homem com quem vive há 05 anos. Nunca mais falou a língua e não se interessou pelo o que ocorreu em seu país enquanto esteve fora. Ela terá que resgatar tudo isto para deixar de ser uma estrangeira em seu próprio país e se apropriar de sua identidade. 

O filme tem cenas locais muito bonitas, principalmente o jardim no começo do filme com suas árvores centenárias. 
Mohamed Rachid Benhadj nasceu em 1949 em Argel, Argélia. 

FILME: QUESTÃO DE IMAGEM - 2004


Direção: Agnès Jaoui - 2004
Duração: 111 min
Título original: Comme une image
País: França 

Premiado em Cannes em 2004 pelo roteiro.

Lolita (Marilou Berry) é uma adolescente que sofre por ser gorda e com isto se sentir fora do modelo clássico de beleza física imposto pela sociedade. Mas o que se evidencia no filme não é o outro a excluindo por ser gorda, apesar de que seu pai Étienne (Jean-Pierre Bacri) não a ajuda a acreditar que é amada mesmo sendo gorda, mas ao contrário, é como ela se sente e reage ao outro por se sentir fora do padrão. 

Étienne é um escritor e editor de sucesso, egocêntrico, tem uma esposa jovem Karine (Virginie Desarnauts) e não aceita envelhecer. Eles tem uma filha de 05 anos que é constantemente reprimida pela mãe quando deseja comer algo, principalmente doces e sorvetes, para que não engorde. A professora de canto de Lolita, Sylvia (Agnès Jaoui) acha que ela não talento e só se interessa realmente pela garota quando descobre quem é seu pai, uma vez que seu marido Pierre (Laurent Grévill) está no terceiro livro publicado e não consegue o reconhecimento e sucesso. 

Sylvia acredita que Étienne poderá ajudar seu marido, é seu escritor predileto, mas é justamente a partir daí que as coisas irão se complicar e as aparências e máscaras começarão a aparecer e cair.

As relações humanas e suas dificuldades. Lolita quer ser amada, principalmente pelo pai e fará de tudo para isto, desde se irritar para chamar a atenção até tentar algo que o deixe orgulhoso dela, como cantar. Ela lhe dá uma fita cassete onde está cantando, mas ele nunca a ouve. Em sua apresentação ele sai logo no início, e não vê que finalmente ela consegue soltar sua voz. Odeia a madrasta e sofre porque a maioria das pessoas se aproximam dela por causa do pai. Logo no início do filme a vemos ser deixada de fora de uma sessão de apresentação de um filme baseado no romance que o pai escreveu. Ela parou para atender o celular, e não a deixam entrar porque os ingressos estavam com o pai. Eles levarão um bom tempo para perceberem que ela não está ali. Mas foi justamente neste momento que um jovem passa mal e ela o socorre sem saber que ele virá a ser uma pessoa muito especial em sua vida, o que ela demorará para compreender. Seu namorado também a usa para ter acesso ao pai. 

O pai vive rodeado de pessoas que ele dispensa ao seu bel prazer  escondendo desta forma sua insegurança. Quando sua esposa o deixa ele fica perdido e só, e então busca sua filha que sempre ignorou. Ela confunde esta busca de colo e mãe como finalmente o amor do pai. Mas quando a madrasta volta, tudo fica como antes. 

A sorte de Pierre começa a mudar e ele é elogiado pela crítica, aparece num programa de TV, enquanto que Étienne sofre de um bloqueio criativo e não consegue escrever mais nada. 

Todos se encontrarão num fim de semana na casa de campo de Étienne e ali mais ainda aparecerão os pequenos detalhes que mascaram o ser humano, como por exemplo Pierre dizer que gosta de comer coelho sendo que ele detesta coelho. Sébastien (Keine Bouhiza), o rapaz que Lolita socorreu quando passou mal também irá, porque Julien seu namorado diz que não pode ir, mas quando ele aparece ela corre para ele deixando Sébastien sozinho. Mas o pior foi acusá-lo de já ter conseguido o que queria, o pai dela lhe arrumara um emprego, sem saber que o mesmo havia declinado do trabalho para se lançar num projeto com amigos. O filme está repleto destes detalhes que não a miséria humana, as dificuldades do ser humano. 

Sylvia será a única que acabará percebendo a pobreza, a mediocridade de tudo aquilo e enfrenta o grande escritor Étienne, e ao mesmo tempo se sensibiliza com Lolita, percebendo também o que lhe passa na alma e coração. 

Um belo filme que traz os seres humanos como são, suas dificuldades, e sem buscar redenção, cada um se vira como pode, uns melhoram, outros não mudam, outros pioram, e assim vai o mundo. Não há heróis, nem inocentes, todos tem seus defeitos e suas qualidades. A dificuldade das relações, de aceitar o outro, e de compreender a si mesmo. 

Agnès Jaoui nasceu em 1964 em Antony, França. É casada com Jean-Pierre Bacri. 

quarta-feira, 20 de maio de 2015

FILME: EM UM PÁTIO DE PARIS - 2015



Direção: Pierre Salvadori - 2015
Duração: 91 min
Título original:  Dans la cour 
País: França 

Um filme sobre a depressão e outros aspectos da dor de existir da atualidade. Antoine (Gustave Kervern) não consegue mais dormir, deixa a banda onde tocava e procura um novo emprego. Acaba conseguindo como zelador de um prédio em Paris que tem um pátio interno. São poucas as suas obrigações e ele se dá bem. Aos poucos ele vai conhecendo os moradores do prédio.

Ele foi contratado por Matilde (Catherine Deneuve) e seu marido Serge (Féodor Atkine). Ela está aposentada e não se satisfaz com nada, é obsessiva, tem medos e também não consegue dormir. Mas não é apenas ela que tem problemas, aos poucos percebemos que os outros moradores do prédio também tem suas questões. Stéphane (Pio Marmai) coleciona bicicletas e faz uso de drogas. Mr. Maillard (Nicolas Bouchaud) está sempre preocupado com a vida dos outros e em impor o que deseja. E também um vendedor de livros de uma seita  (Oleg Kupchik)  e seu cachorro que vem para dormir no porão. 

É um retrato em tamanho reduzido da sociedade e suas mazelas, a solidão, a falta de sentido, a depressão, as obsessões, pânicos. Eles procuram um sentido para suas vidas, não sabem o que fazer nem como, e as pessoas que os rodeiam não compreendem o que se passa como o marido de Matilde que se irrita, diz que ela está louca e acaba ligando para o médico e vendo inclusive a possibilidade de interná-la. Será Antoine que acabará dando o maior apoio à Matilde procurando compreendê-la, mas ninguém se voltará para ele o que o levará ao desfecho que terá no filme. 

O filme não se aprofunda nas dores de cada um, ficamos sabendo muito pouco sobre cada um, mas justamente o que o filme busca mostrar é o dia a dia de pessoas que estão doentes e como eles agem, pensam, suas dificuldades, levando ao público uma abordagem do que é a depressão e as formas como eles tentam superá-la , mesmo não sabendo como fazer. 

O interessante do filme é que a abordagem apesar de ser rápida e sem muitos esclarecimentos nos mostra justamente o que é a depressão e como agem as pessoas deprimidas, e não há nenhum final feliz de superação. A depressão é algo que tem seu tempo e se por um lado precisa do apoio do outro, da compreensão, também precisa esperar o tempo do doente para que ele consiga sair dela e retomar sua vida. E o que mais me chamou a atenção é que  o filme não aborda o viés psiquiátrico que almeja a cura com anti-depressivos, mas ao contrário, é pelo tempo e a reação de cada um que se sai da depressão, ao invés de camuflá-la com remédios visando a pronta recuperação e obviamente que o sujeito volte a produzir e consumir.
Pierre Salvadori nasceu em 1964 na Tunísia

FILME: O ARTISTA E A MODELO - 2012


Direção: Fernando Trueba - 2012
Duração: 105 min
Título Original: El artista y la modelo
País: Espanha e França 

Um filme sublime! Logo no início vemos Marc (Jean Rochefort) caminhando pela natureza, e ficamos encantados com sua capacidade de ver coisas onde a maioria não vê nada. A capacidade de ter a mente e o olhar livre, como uma criança, que vê formas em tudo, cores diferentes, capaz de uma percepção absolutamente sensível ao mundo. A alma de um artista, mas que todos nós poderíamos e deveríamos ter. Marc senta-se no Café do vilarejo, observa as pessoas passando, vê principalmente as mulheres e observa sempre suas pernas e tornozelos. Ele senta em sua cadeira e olha a natureza ao seu redor. Quase não há som, é o olhar que conta. 

Marc tem 80 anos, está aposentado, é um cultuado escultor que vive com sua mulher Léa (Claudia Cardinale) em um vilarejo no interior da França perto da fronteira com a Espanha. Estamos em 1943, plena Segunda Guerra Mundial. Léa vai ao mercado e vê nas ruas uma jovem (Aida Folch) dormindo, é uma fugitiva do regime de Franco na Espanha. Ela então a acolhe. Marc logo se encanta com a beleza de seu corpo e sente despertar em si mesmo o desejo de retomar a escultura. Mercé passa a viver no ateliê de Marc no alto da montanha e posa para ele. 

O filme é preto e branco, mas é justamente o que valoriza a arte, podemos ver nitidamente o corpo e as sombras, as dobras, o contorno que vai se esculpindo, e aos poucos os formatos, a posição, os músculos. São poucas falas, mas as que ocorrem valem o filme inteiro. Em dado momento Marc fala sobre o equilíbrio e a plenitude. Sobre o equilíbrio nos diz que quando o encontramos é para destruí-lo, como uma pedra que joga na água. Sobre a plenitude diz que vê uma árvore que cresceu no meio de uma pedra, é violento mas belo, a natureza triunfa sempre. A beleza se revela em lugares que pareciam impossíveis, vilarejos bombardeados e árvores crescendo ele diz. 



Uma das mais belas cenas é quando Marc que durante todo o tempo vê a nudez de Mercê com olhos de artista de repente tem uma ereção. Ele parte, caminha. No dia seguinte Mercê o deixa tocar seu corpo, aquelas mãos que seguem as curvas para senti-las também em sua escultura, mas o quadro se inverte, e Mercê passa a tocar o velho com suas mãos. Fiquei pensando no quanto seria belo também uma escultura de um velho ou uma velha, e não apenas a beleza perfeita que tanto se busca e que no final não existe, é inatingível. 



Para Marc um modelo não é para fazer uma cópia, mas sim para consultar a natureza. Ele busca a essência da mulher brotando da natureza. Em dado momento ele relata sua visão do gênesis, diz que Deus não seria tão idiota a ponto de criar o homem à sua imagem, mas sim, que ele criou a mulher e então tiveram um filho que chamaram de Adão. Só havia uma proibição, de Adão se deitar com sua mãe e ele o fêz e por isto foram expulsos do paraíso. Eis o pecado original. A mulher para Marc é a primeira forma, a forma essencial. 

Um filme espetacular!

Fernando Trueba nasceu em 1995 em Madri, Espanha. 

TEATRO: NOSSO LAR


Direção: Rodrigo D'Oliveira

Assisti ontem no auditório da Casa de Cultura em Campo Largo. Baseado no livro psicografado de Chico Xavier, Nosso Lar.

André Luiz era médico na terra, ele morre de problemas no intestino, provavelmente um câncer, e encontra-se no umbral de onde é resgatado. A partir daí ele passa por estágios de recuperação  e educação espiritual. Encontrará sua mãe que partiu antes dele e já se encontra em um plano mais elevado, quando ficará sabendo que seu pai permanece no umbral, mesmo tendo tido uma vida terrena que parecia a todos digna. 

No início André Luiz deseja voltar, ainda mantém muito de sua vida terrena, como a vaidade por exemplo, mas aos poucos ele vai crescendo espiritualmente até chegar o dia que tem permissão de ver sua família na terra apenas para constatar que ali as coisas continuam, a vida continua e que somente uma de suas filhas ainda sente muita falta dele. 

A peça é bem montada, os diálogos são instrutivos para os espíritos e para todos que buscam uma elevação espiritual.


terça-feira, 19 de maio de 2015

FILME: A ILHA DO MILHARAL - 2014



Direção: George Ovashvili - 2014
Duração: 100 min
Título Original: Simindis Kundzuli
País: Cazaquistão 

A cada primavera o rio Enguri que fica entre a  Geórgia e a Abecásia leva sedimentos do Cáucaso e forma pequenas ilhas com um solo fértil que é utilizada pelos agricultores da região para o plantio de milho que estocam e vendem durante o inverno. 

Um agricultor já idoso ( Ilyas Salman) chega a uma destas pequenas ilhas, ele cava a terra, a sente nas mãos, cheira, encontra algo que limpa e guarda no bolso, e coloca um pau com um lenço amarado em sinal de escolhida. Aos poucos, lentamente, ao ritmo possível. Não vemos o filme dar um salto, pelo contrário, ele segue passo a passo a construção de uma cabana, os momentos de descanso, a continuação do trabalho, dia a dia, a medida que ele traz as coisas em seu barco. Sua neta (Mariam Buturishvili) também vai e o ajuda. A casa vai surgindo, eles pescam, cozinham, e observam a natureza e o rio. A paisagem é belíssima. Há pouquíssimas falas, o filme é o som da natureza, do rio, dos pássaros, do vento.


Diferente de As quatro voltas (já postado no blog) aqui não se trata do ciclo vida-morte, mas das questões de tempo e espaço, dos ciclos, mas da vida. A menina moça que cresce ao mesmo tempo que o milho, que descobre seu corpo, mas ainda tem sua boneca. O filme vai lento, no tempo do milho que cresce. Aqui eles estão à mercê de uma força maior, a natureza, que criou a ilha, mas também a pode destruir, a natureza que se em dados momentos é calma e de uma beleza infinita pode de um momento para outro se enfurecer e trazer um espetáculo que mesmo não deixando bons traços é fascinante.


A pequena ilha formada no meio do rio é uma terra de ninguém, sugestivo diante do quadro local onde há patrulhas constantes no rio e disputas territoriais. Um soldado de um dos lados é ferido e o velho o socorre e cuida dele até que ele possa ir embora.




Ultimamente tenho visto alguns filmes que trabalham com poucas falas e os acho fantásticos. Vivemos num mundo onde somos absorvidos e sufocados pelo excesso de comunicação. Este silêncio da natureza, que não é silêncio, são muitos sons diferentes, mas que perdemos a capacidade de ouvir por estarmos ligados em outras questões nos traz de volta um pouco à consciência do quanto somos efêmeros, assim como esta pequena ilha, podemos ser férteis, criar, crescer, mas estamos à mercê de forças maiores, de contingências, da natureza e da vida. Por mais que nos dediquemos, que nos esforcemos, sejamos bons, a natureza age dentro do real, nunca é madrasta, mas tampouco recompensa ou protege como o ser humano gostaria de esperar dela, como ilusoriamente espera de uma força maior.

George Ovashvilli nasceu em 1963 em Mtscheta, Geórgia

segunda-feira, 18 de maio de 2015

FILME: ELA VAI - 2013


Direção: Emmanuelle Bercot - 2013
Duração:  116 min 
Título original: Elle s'en va 
País: França 

Bettie (Catherine Deneuve) tem um pequeno restaurante e vive com sua mãe (Claude Gensac). Ela tem um caso com um homem casado que após muitas promessas que largaria da esposa ele realmente o faz, mas para ficar com uma mulher bem mais jovem. Bettie fica perturbada com isto e larga tudo saindo de carro pela estrada. 

Um dos primeiros encontros dela é com um senhor bem velho, e ali ela se confronta com a velhice e a solidão, o homem nunca se casara e tiveram uma namorada quando jovem que morreu, ele então ficou celibatário cuidando de uma fazenda. De alguma maneira isto afeta Bettie, que teve um grande amor quando jovem e foi eleita miss Bretanha, um depto. da França, e ao ir para o concurso miss França sofre um acidente onde este homem morre. Ela se casou, teve uma filha, Muriel (Camille Dalmais) da qual é distanciada, no fundo não amou o pai dela que acabou morrendo numa cena senão irônica, literalmente trágica, uma vez que ele se engasgou no restaurante onde jantava com sua amante e o médico que o foi socorrer era o marido da mulher, mas também amante de Bettie.



Aos poucos rodando pela estrada ela vai vivendo experiências, situações, até que a filha lhe pede que leve o neto Charly para seu avô, pois ela precisa viajar para um novo emprego. Bettie o faz, e começa uma nova relação com este garoto, do qual também nunca se aproximou, carente de amor e de uma família que se ame.

No início do filme vemos Bettie andando de costas, até o momento em que ela se vira, o rosto ainda muito bonito, mas neste momento focam uma foto de Deneuve jovem, sendo que hoje ela tem mais de 70 anos, e o filme justamente também gira em torno disto, da jovem candidata a miss, de uma beleza estonteante à mulher madura, mas já envelhecida, que se confronta com este estágio da vida. É preciso continuar a viver e querer continuar a ser jovem é perda de tempo, é preciso assumir o que se é e viver este momento. 

Emmanuelle Bercot nasceu em 1967 em Paris, França