McEwan, Ian. 1ª. Companhia das Letras, 2014
196 páginas
Tradução: Jorio Dauster
Título Original: The Children Act
Ian McEwan trabalha com profundo conhecimento da alma humana naquilo que mais escondemos de nós mesmos ou não queremos ver. Este é o terceiro livro que leio dele e também assisti a dois filmes baseados em seus romances: Desejo e Reparação e Amor sem fim.
Desta vez é o universo feminino e o amor. A que ponto uma mulher madura, com sessenta anos, profissional bem sucedida de repente se perde no torvelinho das emoções quando seu marido Jack lhe diz que deseja viver, e que talvez seja sua última chance, pretendendo ter um caso com uma mulher mais jovem, mas ainda assim afirmando que a amava.
Fiona é juíza na vara de família e com isto se defronta diariamente com questões como divórcios, guarda de filhos, ou seja, tudo aquilo que um dia foi só promessas de pura felicidade e que se destrói, desmancha, transformando-se em disputas judiciais pelo dinheiro e pela guarda dos filhos, isto quando estes não são o joguete dos interesses e vinganças dos pais.
Agora de repente ela se vê frente a uma situação de crise em seu casamento. O choque foi tal que ela não consegue pensar, acaba tendo atitudes que vê as mulheres terem e que normalmente condenaria como imaturas, mas quando a emoção está a tona somos capazes de muitos atos que jamais faríamos.
Entrega-se totalmente ao trabalho, mas não consegue afastar de si o que se passa em sua vida pessoal. Pensa muito no fato de não ter tidos filhos. Relembra sua vida de casada, sua juventude e seus planos. No meio desta crise ela tem que julgar um caso de um rapaz prestes a completar 18 anos, testemunha de Jeová, cujos pais se recusam a dar autorização para uma transfusão de sangue o que salvaria sua vida. O rapaz, Adam, também concorda com os pais. Fiona então resolve visitar o rapaz no hospital antes de se pronunciar e tomar uma decisão.
McEwan elabora bem o que é um jovem e como ele pensa e se sente, o que realmente busca e deseja com suas atitudes e toda a fragilidade e carência da juventude. Por outro lado Fiona se deixa levar sem um controle sobre sua posição na situação. Talvez por pensar que poderia ser seu filho, talvez por se sentir não desejada e buscar isto, por suas faltas e carências, por sua crise pessoal.
Jack, o marido de Fiona também é surpreendente quando deseja a aprovação e conivência de Fiona para seu caso com outra mulher. Ao invés de fazer isto as escondidas ele precisa que ela saiba e o aprove, o que demonstra também uma imaturidade, um lado infantil, o homem que ainda busca sua mãe. Ao invés de enfrentar a questão de frente com sua mulher sobre sua insatisfação sexual ele opta por uma saída que às vezes parece uma ameaça, o que Fiona pressente. Ela se sente pressionada.
A modernidade pode trazer opções variadas do viver a dois, mas por mais que se deseje uma vida livre, isto não funciona no amor, vejam os casos de Simone de Beauvoir e Sartre, Frida e Diego, resultou em dores, ciúmes, sofrimento não só para eles como para outros.
Um livro para refletir sobre o amor, a família, filhos e também sobre os efeitos de uma religião que se fecha numa comunidade sem abrir horizontes diferentes para os jovens que vivendo no mundo atual podem acabar se perdendo dentro de tudo isto. Adam esperou o apoio de Fiona para sua decisão, ele não tinha maturidade suficiente para sustentar o que escolheu. Ela não conseguiu ocupar um lugar de mãe substituta, e nem mesmo de uma amiga mais velha que pudesse ajudar.
No fundo o que vemos são jovens e adultos sem saber direito o que fazem, quase que perdidos e sem orientação. Adam ainda procura ajuda em Fiona, mas ela se recusa a falar com alguém sobre a crise no seu casamento, e Jack, bom não se fala dele sobre isto, mas parece que também não o fez. Talvez por isto o título original seja mais apropriado ao livro, não apenas para pensar na lei e na justiça em relação às crianças, mas sobre nossos atos infantis onde não conseguimos nos distanciar e tomar decisões ou fazer escolhas mais elaboradas, nos deixando levar pela emoção, pelas faltas, e pela culpa.
Ian McEwan
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