CYRULNIK, Boris. Rocco, 2013
Tradução: Rejane Janowitzer
240 páginas
A MEMÓRIA TRAUMÁTICA
É o segundo livro de Cyrulnik que leio. O primeiro foi "Autobiografia de um espantalho" editado pela Martins Fontes, sobre a resiliência diante de traumas de infância. Agora neste ele conta suas memórias da Segunda Guerra, judeu, seu pai foi para o front, depois para um campo e finalmente deportado. Sua mãe foi presa dois dias depois de deixá-lo na Assistência para que não fosse preso junto com ela que morreu em Auschwitz.
Ele tinha em torno de 05/06 anos, estava órfão, e sendo caçado para morrer. Após a guerra ele tinha fragmentos de memória, e se viu diante do que todos passaram, ninguém queria ouvir. Foram quarenta anos de silêncio, até que o contexto, o entorno estivesse pronto para ouvir.
"Uma memória traumática não permite construir uma representação de si tranquilizadora, já que, quando a evocamos, fazemos voltar à consciência a imagem do choque."
A cisão traumática, a cripta que se forma. Aprende-se a calar quando o outro não quer ouvir, calar na guerra para se salvar, calar depois para não ser excluído. Mas, todo segredo, tudo que fica sem representação, ou que não pode ser verbalizado, acaba aparecendo para o outro, que estranha algo em nós, e interfere em nossas relações.
Qualquer sinal, traço, traz o trauma de volta, e isto não significa que seja algo trágico, como ele mesmo cita: "a menor banalidade da vida desperta o dilaceramento: ' a neve que nos faz pensar nos Natais na montanha faz voltar em mim a imagem dos cadáveres congelados de Auschwitz..."
O traumatizado se sente excluído, ele não é como os outros. Cria-se e constrói-se sua história, e a conta para si mesmo, ele tinha sonhos e devaneios, usava suas encenações para poder falar, colocar palavras onde não as tinha.
"Sofrer com o real não tem absolutamente o mesmo efeito que sofrer com a representação do real." No momento, quando acontece, é ato, ação, somente depois o trauma se instala, somente depois juntamos o que ocorreu e as representações.
É conhecido a situação de que os sobreviventes não podiam falar, por não serem ouvidos. As pessoas não acreditavam nelas. Houve todo um tempo de negação. E quando se falava, o que se ouvia é que eles também tinham sofrido, na fila para comprar manteiga ou cigarros.Mas quando o outro não consegue imaginar o que se passou, ele vai comparar às suas pequenas misérias.
Cyrulnik é psiquiatra, psicanalista e se dedica aos traumas e a resiliência. Ele diz que nasceu duas vezes, a primeira no dia 26 de Julho de 1937 em Bordeaux, a segunda quando ele foi preso pela Gestapo. Da primeira ele não se lembra, mas é obrigado a acreditar, da segunda vez, ele se lembra.
É também responsável por um grupo de pesquisa em etologia clínica no hospital de Toulon, matéria que ele ensina. Deve-se a ele o conceito de Resiliência. Foi premiado em 2008 com o Prêmio Renaudot.