terça-feira, 24 de maio de 2016

LIVRO: A CIVILIZAÇÃO DO ESPETÁCULO - Uma radiografia do nosso tempo e da nossa cultura - MARIO VARGA LLOSA



Llosa, Mario Vargas. 1ªed. Objetiva, 2013
208 Páginas
Tradução: Ivone Benedetti
Título Original: La civilización del espectáculo

Um livro atual e ao mesmo tempo já sentimos falta de eventos ocorridos no mundo, uma vez que tudo é tão acelerado e o mundo muda a cada dia. 

Llosa faz uma crítica a falta de cultura no mundo atual e refere-se ao que se chama de cultura como entretenimento com intuito de fugir da realidade, de não ter que confrontar nem a si mesmo e menos ainda se engajar em ações em prol do mundo e do outro. É como um narcótico que faz com que as pessoas se desliguem, ao invés de agir, levando ao que toda ditadura sonha, um povo entorpecido e que não reage mais e se torna obediente cuidando de sua família e trabalho sem questionar nada. 

Discordo do conceito de cultura que Llosa utiliza ao se referir criticamente ao que a Antropologia considera cultura dizendo que devido a este relativismo foi possível chegar a situação atual. A Antropologia realmente tem um conceito de cultura que não diferencia o dito "primitivo" de uma cultura civilizada ou superior, considera a todas com real valor e importantes, sendo que nenhuma delas pode ser considerada inferior. Mas Llosa nos fala principalmente da literatura, do cinema, das artes, e neste caso acredito que nos falta então uma palavra, sim tudo isto é cultura, porém para a Antropologia são itens que estão na cultura, que abrange mais do que isto. Aqui eu pensei em erudição, mas ainda não é isto. 

Llosa separa o que ele considera uma cultura das elites de uma cultura mais popular considerando a primeira como a fonte de aprendizado, estudos, conhecimentos e que proporciona a possibilidade de compreender a si mesmo e ao mundo, sem escapar das misérias, da dor, da morte, e que nos ensina a não nos deixar enganar pelas ilusões e engôdos. Somente esta "alta" cultura é capaz de proporcionar isto e não leva ao entorpecimento. 

Realmente, às vezes sinto falta de grandes teóricos, de grandes escritores, de grandes artistas no mundo atual. Recentemente visitei uma exposição de arte moderna e saí dela me perguntando se aquilo era realmente arte, ou o que era aquilo. Quando vejo um pedaço de pedra coberto por massinha de modelar num grande museu eu estranho isto e não consigo compreender e aceitar isto como arte. Parecia que eu estava vendo o resultado da aula de arte ou de lazer de um jardim de infância. 

Mas o livro é extremamente interessante e oportuno para lidar com o que vemos hoje no mundo chamado de cultural. Porém, por sorte, ainda temos muitas produções de alto nível, nem tudo está focado no entretenimento e para escapar da realidade. Apesar de que também considero isto importante, desde que não seja a única opção. Precisamos sim, de vez em quando, escapar de tudo isto e entrar num mundo ilusório.

A crítica que o autor faz a política é importante, e realmente penso que ele tem razão quando diz que hoje homens éticos, interessados no outro, já não se interessam pela política, uma vez que esta mesma está desacreditada e fornece uma visão de algo corrupto, interesseiro, e de muitas mentiras. Principalmente nós que vivemos este momento atual no Brasil, onde se vê claramente um estado de exceção, onde uns são condenados e outros que cometeram o mesmo crime não. Não estou aqui sendo nem de esquerda, nem de direita, mas ética. 

A civilização do espetáculo é real, realmente temos muitos livros, artes e filmes que se enquadram nisto, e a grande maioria da população prefere isto do que ler um grande clássico, ou um filme de arte ou alternativo. Ninguém quer pensar muito, se foge do esforço necessário, da reflexão necessária diante de uma obra de arte. Visita-se os museus para dizer que esteve lá, que viu a exposição tal, e claro, tirar selfs para postar no facebook. Quem atualmente fica horas dentro de um museu admirando cada obra, deixando os efeitos desta surtirem em si mesmo, procurando conhecer o artista e o que ele realmente quis dizer ali e o que nós sentimos? Quem lê atualmente Ulissses de James Joyce, A montanha mágica de Thomas Mann, o Dom Quixote de Cervantes, a Divina Comédia de Dante? Quem assiste a filmes produzidos por cineastas que não pertencem nem a Hollywood e nem ao cinema europeu? Os asiáticos, os africanos? Fiquei impressionada com o filme Timbuktu de Abderrahmane Sissako, mas não encontrei ninguém com quem falar sobre este filme. Ou Winter Sleep de Nuri Bilge Ceylan que ganhou o Palma de Ouro? Sim, este filme é longo, com muitos diálogos, sem ação, sem entretenimento, é feito para refletir sobre a vida, mas belíssimo. Para ver e rever. Mas estes filmes só chegam ao público através de pouquíssimos cinemas, que sempre estão nas capitais e voltados para um público seleto. Inclusive por causa de suas salas vips. 

Por outro lado, sou a favor que todos tenham acesso à cultura, possam ler os grandes clássicos, os bons livros, assistir aos bons filmes, Possibilitar o acesso de todos a isto. Não concordo que tenha que permanecer como algo seleto, da uma minoria, porém, o grande público não se interessa por isto, talvez por já estar domesticado, imbuído da necessidade de prazer, felicidade e sucesso, que nos impõe a ideologia atual. Não se deve sofrer ou ter que enfrentar as questões, tome um anti-depressivo e seja feliz. Mas isto é saudável? ou é uma grande fuga? Esta divisão que Llosa faz com a cultura das elites e a do povo é um tanto divisória, como esquerda e direita, como pobres e ricos, como norte e sul. E não gosto disto, gera discursos de ódio. 

O livro é um grande alerta ao que ocorre atualmente. Não foi dado o acesso a todos à cultura, pelo contrário, foi dado acesso ao mundo da ilusão, de uma arte, literatura, cinema controlado, comercial, que serve para domesticar a todos, levar a inércia diante dos fatos da vida e da fuga a eles. 

Mario Vargas Llosa nasceu em 1936 em Arequipa, Peru

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